segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
Blue Jasmine
"Blue Jasmine" (2013) segue o padrão dos filmes de Woody Allen, mas a decadência exposta pela personagem interpretada por Cate Blanchett o fez se tornar um algo a mais dentro de sua filmografia. Woody sempre coloca muito de si em seus personagens, pessoas chatas e neuróticas que passeiam por um humor cortante, e por uma suposta elegância.
Jasmine (Cate Blanchett) vive na alta sociedade em Nova York. Sua vida muda completamente quando ela se separa do marido e perde todo seu dinheiro. Com isto ela é obrigada a ir morar com sua modesta irmã em São Francisco. Agora, distante de seu luxuoso universo, Jasmine precisará reorganizar toda sua vida. Jasmine e Ginger foram adotadas, e seus destinos traçaram rumos diferentes. Enquanto Ginger é brega, simples e mantém um dedo podre para escolher maridos, Jasmine não pensou duas vezes ao largar a faculdade e se casar com Hal, um financista bem-sucedido, interpretado por Alec Baldwin, cujo se encaixa perfeitamente neste papel. Rodeados de luxo, mimos, viagens, festas, eles são os típicos ricos que sabem o valor do dinheiro e por isso fazem filantropia. Jasmine não se interessa pelos negócios e não se importa em saber se existe algo errado. Quando Hal é descoberto como golpista, Jasmine decide passar um tempo com sua irmã Ginger, ao chegar o contraste é gritante, e mesmo estando endividada não perde a pose, chega de primeira classe e repleta de malas e bolsas de grife.
O filme vai alternando cenas do passado com a situação atual, o que nos faz pensar muito sobre a personagem e o rumo que sua vida tomou. Jasmine se lamenta por não ter concluído a faculdade e se vê perdida, pois não sabe fazer absolutamente nada, até que percebe que todo o luxo que a rodeou pode valer a pena, afinal ricos têm bom gosto, e então tem a ideia de fazer um curso de design de interiores online, mas há um porém, ela não sabe mexer em computador, e para aprender precisa de dinheiro. Contra a própria vontade aceita trabalhar de secretária para um dentista que fica obcecado pela sua beleza.
Sua irmã tem dois filhos e sempre se mete com homens perdedores, um dia vai com Jasmine em uma festa onde há alguns homens de boa vida, Ginger se envolve com um que a trata muito bem, assim como Jasmine que também consegue um cara atraente, rico e cheio de visões para um futuro. Só que ela não conta quem é de fato, omite a parte do seu marido, enfim... Tudo isso poderia soar como um belo recomeço, mas ao reencontrar um antigo namorado de sua irmã que levou um golpe de Hal, Jasmine é obrigada a confessar tudo para o homem com quem estava prestes a se casar. Ginger descobre que seu carinhoso parceiro é casado, e na verdade era apenas uma aventura para ele. Seria cômico se não fosse trágico!
O final guarda uma surpresa e vemos como tudo realmente aconteceu, a prisão de Hal e a decadência de Jasmine, que na verdade é Jeanette. O Blue do título faz referência a música "Blue Moon", e também o estado de melancolia.
Cate Blanchett está soberba e cheia de ataques histéricos, nos faz passear por vários sentimentos em relação a ela conforme o desenrolar, primeiro a achamos fútil, fresca, e por vezes sentimos pena por ela ter vivido em função somente do dinheiro. No fim a vemos completamente só, fora do mundo e de si mesma, há uma confusão muito grande, pois já não sabe mais onde se encaixa.
Os filmes de Woody Allen sempre são marcados por diálogos geniais, neste apesar da loquacidade o que se sobressaí é as maravilhosas expressões e olhares de Cate. Sem dúvida uma de suas melhores performances. Em nenhum momento essa decaída de Jasmine cansa o espectador, as alternâncias entre passado e presente pontuam grandes contrastes, e a trilha sonora tão característica está presente marcando perfeitamente o drama. Não é uma obra original, mas vale pela interpretação impecável de Cate Blanchett.
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
Sonhos (Dreams)
Akira Kurosawa é um dos melhores diretores de todos os
tempos, levou o cinema japonês para um patamar elevado e desde então tem
inspirado diretores do mundo todo, e enriquecido os espectadores com suas
belíssimas histórias. "Sonhos" é uma obra baseada em sonhos
verdadeiros que Kurosawa teve ao longo de sua vida, dividido em oito segmentos
destaca-se alguns temas bem recorrentes, como a morte e a guerra. Somos contemplados
por tradições e passeamos pela cultura japonesa. Por mais que se fale deste
filme nunca será o suficiente, é daqueles que toda vez que é assistido tira-se
algo de novo.
"Uma vez eu tive um sonho..." Esse é o começo
desta obra que abrange diversos aspectos de maneira singela e sublime. No
primeiro retrata uma criança que desobedece a mãe e vai para a floresta espiar
a dança do acasalamento das raposas, ao voltar sua mãe não lhe deixa entrar,
pois ele havia desrespeitado sua ordem e invadido o ritual das raposas, assim
coloca um punhal em sua mão afim de que por honra pratique o haraquiri - o
suicídio. Porém há um meio de se redimir, voltando à floresta e pedindo
desculpas à elas. É uma amostra do quão rígida é a educação dos japoneses, e
que honra e respeito é ensinado desde pequeno.
No segundo conta sobre o jardim de pessegueiros, um garoto
ao servir chá para suas irmãs repara que uma menina foge, indo ao seu encontro
vê apenas tocos do que um dia foi um imenso jardim de árvores frondosas,
percebe que a garota que fugiu é uma boneca, o símbolo do festejo da florada
dos pessegueiros, mas como ali já não existe mais nada, não faz sentido haver
mais bonecas. Com uma dança melancólica vemos os espíritos dos pessegueiros,
que por fim entende que o garoto nunca quis que as árvores fossem arrancadas. É
um belo retrato de uma tradição que cultua a natureza como forma e espírito.
Esse sonho tem um poder hipnotizante.
O terceiro sonho é de três homens que enfrentam com muito
esforço uma nevasca, mas em determinado momento acabam sucumbindo, daí surge
uma mulher que envolve o líder com um manto prata, ela pode ser considerada a
morte, mas de repente ele reage e consegue visualizar o acampamento. É a luta
contra a morte e o quanto somos impotentes perante a natureza.
O quarto sonho mostra um capitão andando por um túnel e ao
passá-lo escuta passos atrás de si, quando vira é um soldado morto em combate,
mas que não acredita estar. O capitão acaba o convencendo, mas de repente
aparece o pelotão inteiro. Uma clara mensagem sobre a estupidez da guerra. O
capitão se sente envergonhado por continuar vivo, e diante dos soldados tenta
expiar sua culpa pelas atrocidades da guerra.
O quinto sonho representa a arte e a poesia. Um jovem pintor
entra nos quadros de Van Gogh e encontra-se com o próprio, interpretado por
Martin Scorcese. O personagem anda pelas pinturas do artista, como a
"Campo de Trigo com Corvos", talvez a mais famosa. Ele diz ao jovem
rapaz de como as paisagens o fazem pintar freneticamente. Van Gogh necessita pintar
enquanto há luz, pois sabe da efemeridade. Emergimos em seus quadros em uma
viagem onírica repleta de significados.
No sexto sonho o monte Fuji entra em erupção ao mesmo tempo
em que ocorre um incêndio numa usina nuclear, provocado por falha humana.
Enquanto a radiação toma o ar, as pessoas fogem descontroladamente. Vemos
isolados uma mãe com seus dois filhos e dois homens tentando fugir das fumaças
coloridas que representam determinadas substâncias. De repente um dos homens
diz ter sido um dos responsáveis pela tragédia, sendo assim prefere morrer logo
do que sofrer as consequências lentamente. A radiação não tem cor na vida real,
ela é invisível e o povo sente os efeitos nocivos com o tempo. Esse
sonho/pesadelo é o grande fantasma que acompanha os japoneses, é a estupidez do
homem em prol do conforto, e sua tecnologia antiecológica. Isto reflete no
próximo sonho/pesadelo, com o demônio chorão. É retratado o pós tragédia, onde
há muitas cinzas, mutações ambientais e humanas. Um viajante do tempo encontra
um ogro, assim por ele designado, e lhe conta como tudo ocorreu. Mostra o meio
ambiente deformado, a hierarquia dos ogros que se alimentam deles mesmos quanto
menor o chifre, e os que têm muitos chifres sofrem de uma dor terrível e estão
condenados a imortalidade. Cada um sofre um tipo de punição, a natureza se
organiza diante o que cada um fez. O ogro diz ao viajante que se lamenta por
ter sido tão egoísta e ganancioso.
No último sonho, o povoado dos moinhos, esbanja um ritmo de
vida da qual faria o ser humano dar valor ao que realmente interessa, buscando
na natureza o básico para viver. O velhinho de 103 anos propõe um retorno às
origens e tradições. O mesmo viajante se deslumbra ao chegar na aldeia repleta
de moinhos, e ao encontrar com o velho indaga porque não há eletricidade no
local, ele responde: "Não precisa, pois assim é a noite, por que ela
deveria ser clara como o dia? Eu não ia querer noites claras, que não deixassem
ver as estrelas."
Esse utópico sonho nos diz que ser humano e natureza são uma
coisa só. Não há distinção entre um e outro, somos parte dela. Uma bela
mensagem, já que atualmente pouco nos importamos com o meio, somos movidos pelo
egoísmo e ambição visando apenas o conforto do presente. Sabe-se que os
recursos da natureza um dia acabarão, mas claro, não pensamos nisso, está tão
distante. Somos pobres, limitados e estúpidos. Escravos de apetrechos
tecnológicos que cada vez mais nos fazem infelizes, pois nunca serão o
suficiente. O ser humano esqueceu que faz parte da natureza, destruindo-a
consequentemente destruímos a nós também. De forma bem singela o velhinho
disserta sobre uma verdade, o homem cria coisas das quais não precisa, mas que
julga ser indispensáveis. O que na verdade necessitamos não cuidamos. Parece
clichê, mas é fato que caminhamos para um futuro não muito generoso.
"Sonhos" é um filme como poucos, consegue nos
inebriar diante as imagens abrindo portas da nossa mente, cada sonho contém
suas particularidades, uma explosão visual e emocional que traz críticas à sociedade
em relação ao modo que vivemos.
É arte pura, um deslumbre visual e uma avalanche reflexiva.
Cada vez que se pensa a respeito mais e mais pensamentos vêm à tona. Kurosawa
nos deu uma linda obra-prima que deve ser vista por todos, e principalmente passada
adiante.
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
Lemon Tree (Etz Limon)
Baseado em fatos reais "Lemon Tree" dirigido por Eran Riklis retrata a história de Salma (Hiam Abbass), uma viúva palestina que herdou um pomar de limões de seu pai. Sua pacata vida se resume a cuidar desses limoeiros, pois é sua única forma de subsistência. As coisas começam a tomar um rumo diferente quando o ministro de defesa de Israel torna-se seu vizinho, segundo os guardas israelenses, terroristas poderiam se infiltrar no pomar e agir contra o ministro. Salma não aceita as condições e nem indenizações, então começa uma batalha, contrata um advogado e leva o caso até o tribunal. Corajosa, não quer perder seu meio de vida e o vínculo de suas raízes, persiste e todo esse processo chega a suprema corte, o que faz tornar o caso político e midiático.
O conflito Israel/Palestina é o tema do filme, mas não é somente sobre isso, já que ele aborda de maneira ampla outros problemas. É com muita simplicidade e sutileza que tudo se desenvolve. Por um lado Salma carrega tradições e o respeito pelos costumes de seu povo, do outro a modernidade caracterizada por Israel, que faz com que o povo palestino se sinta invadido, um estranho em sua terra. A mudança do ministro ao lado de Salma faz alusão ao sentimento que o povo palestino sentiu quando a ONU autorizou a criação do estado de Israel em 1948.
Em nenhum momento o ministro é designado como vilão e Salma como a coitadinha. Ele é até gente boa e simpático, mas sabe-se que quem tem muito poder é obrigado a ouvir seus assessores, pois há muito para se preocupar e em questão de segurança não há outro jeito, o pomar tem que ser arrancado. Salma não fica chorando, vai atrás de seus direitos, mesmo que para isso esgote todas as suas forças defendendo seu pedaço de terra contra os grandes. O principal é que há outros meios de se entrar em um acordo sem ser por meio de bombas e violência. Salma conseguiu algo disso tudo, não foi como queria, mas um grande passo foi feito diante deste conflito.
Um outro ponto que o filme toca é em relação a mulher, Mira esposa do ministro não é a favor de cortar o pomar de Salma, mas ela não toma partido nenhum, apenas a olha do outro lado da cerca que ergueram para separá-los do pomar. Uma maneira de podermos assistir os dois lados e compreendê-los sem necessariamente julgá-los.
Salma e seu advogado Zaid acabam por se apaixonar, ele não desiste da causa e admira a coragem de Salma, apesar dela ser mais velha ainda é muito bonita e como qualquer outra mulher deseja ser amada. Ela começa a se arrumar, se maquiar, e então começam a falar demais, e como os costumes são machistas não demora para que alguém venha alertá-la.
O romance é retratado de forma muito linda e dá um respiro nesse tema tão complexo. É um amor delicado que nasce entre as visitas, e os olhares trocados denunciam o sentimento que cresce, torcemos para que dê certo, mas infelizmente nem sempre o amor vence, ainda mais numa cultura tão repressora.
Há um contraste de pobreza e riqueza nisto tudo, enquanto a Palestina é caracterizada pela pobreza por ter uma cultura mais fechada, já Israel é rica porque aceita ideias e modernidades. Também retrata a questão dos muros que se erguem por causa da limitação de pensamentos, no que gera mais discordâncias e ódio.
Destaque para a cena inicial onde Salma corta seus limões e os acomodam num recipiente com outros condimentos e temperos ao som de uma versão de "Meu Limão, meu Limoeiro". É simples, mas de uma beleza exuberante.
O diretor inteligentemente colocou algo singelo, como os limões para retratar um conflito de proporções gigantescas. Há muitas camadas neste filme, uma delas que vale evidenciar é de como a mulher árabe é vista, Salma não pode sequer ter vaidade, quanto menos ter vida amorosa depois da viuvez, o povo palestino acaba por nutrir preconceitos entre eles mesmos, então como lidar com um povo diferente?
É um filme para se conhecer os dois lados, mas principalmente para compreendê-los. E exemplifica que onde há conflitos nos quais a guerra e a intolerância predomina ninguém sai vitorioso.
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
Kauwboy
"Kauwboy" (2012) dirigido pelo holandês Boudewijn Koole é daquelas histórias despretensiosas, simples, mas que ao final nos revela uma grandiosidade especial. Com muita sensibilidade e destreza o filme nos conta sobre Jojo ( Rick Lens), um garoto de 10 anos, que um dia traz um filhote de gralha para casa, mas o esconde de seu pai, que não quer animais nem plantas. Jojo pretende surpreender a mãe com o pássaro, no dia do aniversário dela. Mas seu pai prefere não comemorar a data, haja vista ela não ser muito presente em suas vidas. Jojo tem muito tato ao lidar com o pai, devido às suas violentas mudanças de humor, fazendo de tudo para que se aproximem.
Jojo é um garoto sozinho, esperto que sabe lidar muito bem com sua vida pacata numa cidade do interior, e seu pai que alterna de humor frequentemente. Sua preocupação inicialmente é apenas com os treinos de pólo aquático, mas no decorrer percebemos algo mais profundo, o que explica muito sobre sua personalidade. A mãe é uma cantora de música country, que segundo ele está em turnê (descobrimos seu paradeiro apenas no final), e constantemente o vemos falar pelo telefone dizendo a ela que está tudo bem. Jojo adquire uma maturidade precoce por cuidar de si ainda tão pequeno, mas isso não elimina a inocência do universo pré-adolescente, que consiste numa fase repleta de descobertas.
Em um dia retornando para sua casa encontra um filhote de gralha, tenta devolvê-lo a mãe em cima da árvore, mas não adianta. Ele a leva para casa mesmo sabendo que seu pai não admite animais. Jojo se torna uma espécie de mãe para a gralha, a alimenta frequentemente, a protege e dá carinho. Essa relação é imensamente interessante, a ave realmente se torna uma personagem, é curioso como ela presta atenção no garoto, numa das cenas a gralha se interessa pela música tocada no rádio, que inclusive é da mãe de Jojo. Participamos da evolução da ave, as cenas em que ela voa livremente são emocionantes. Nesse caminho ele divide seu segredo com uma menina que vive mascando um chiclete azul, essa relação aos poucos revela o mágico primeiro amor e através deste a transformação.
Na fase em que ele se encontra com a menina são mostradas cenas tranquilas, das quais a evolução vem por si só, sentimentos crescem de acordo com o tempo. Visualizamos passeios em meio a lugares fantásticos, momentos em que apenas estão um do lado do outro. E a gralha também aparece dando voos que simbolizam uma liberdade encantadora. A fotografia é um esplendor, assim como a trilha sonora.
Geralmente a mudança acontece quando algo ruim se aproxima, ou lidamos de frente, ou escondemos fingindo que nada mudou. Para Jojo a transformação veio por meio da gralha, que após ser descoberta pelo pai, a liberta. Não é fácil para uma criança lidar com certos aspectos da vida, elas têm uma visão muito particular, e quando não há suporte de um adulto, no caso o pai de Jojo também não estava preparado para tal situação, acabou se afastando e deixando o menino à mercê de suas próprias emoções e conclusões.
A gralha é uma metáfora belíssima para entender tudo o que lhe aconteceu, e isso se dá de forma natural, assim como na vida real. As coisas ruins geralmente acontecem bruscamente, não esperamos por elas. Jojo toma consciência sobre sua mãe e se liberta de um sentimento que não apenas fazia mal para ele, mas também para seu pai. Ao final quando eles se abraçam é um sinal de que uma relação nova pode surgir, pois ali nunca faltou amor, mas devido as circunstâncias fez com que se afastassem.
A última cena é a evidente aceitação de Jojo, quando mostra a sua amiga o acender e o apagar do fósforo que seu pai lhe ensinou. Uma bela metáfora de vida e morte.
Uma coisa também que o filme traz é que quando adultos perdemos a visão de vida que tínhamos na infância, amadurecer não significa castrar a beleza das sutilezas, afinal são elas que dão sentido a tudo isso que nos rodeia.
"Kauwboy" ganhou diversos prêmios e está entre os filmes mais lindos de 2012, e não é à toa, pois combina elementos simples que envolvem e emocionam.
Jojo é um garoto sozinho, esperto que sabe lidar muito bem com sua vida pacata numa cidade do interior, e seu pai que alterna de humor frequentemente. Sua preocupação inicialmente é apenas com os treinos de pólo aquático, mas no decorrer percebemos algo mais profundo, o que explica muito sobre sua personalidade. A mãe é uma cantora de música country, que segundo ele está em turnê (descobrimos seu paradeiro apenas no final), e constantemente o vemos falar pelo telefone dizendo a ela que está tudo bem. Jojo adquire uma maturidade precoce por cuidar de si ainda tão pequeno, mas isso não elimina a inocência do universo pré-adolescente, que consiste numa fase repleta de descobertas.
Em um dia retornando para sua casa encontra um filhote de gralha, tenta devolvê-lo a mãe em cima da árvore, mas não adianta. Ele a leva para casa mesmo sabendo que seu pai não admite animais. Jojo se torna uma espécie de mãe para a gralha, a alimenta frequentemente, a protege e dá carinho. Essa relação é imensamente interessante, a ave realmente se torna uma personagem, é curioso como ela presta atenção no garoto, numa das cenas a gralha se interessa pela música tocada no rádio, que inclusive é da mãe de Jojo. Participamos da evolução da ave, as cenas em que ela voa livremente são emocionantes. Nesse caminho ele divide seu segredo com uma menina que vive mascando um chiclete azul, essa relação aos poucos revela o mágico primeiro amor e através deste a transformação.
Na fase em que ele se encontra com a menina são mostradas cenas tranquilas, das quais a evolução vem por si só, sentimentos crescem de acordo com o tempo. Visualizamos passeios em meio a lugares fantásticos, momentos em que apenas estão um do lado do outro. E a gralha também aparece dando voos que simbolizam uma liberdade encantadora. A fotografia é um esplendor, assim como a trilha sonora.
Geralmente a mudança acontece quando algo ruim se aproxima, ou lidamos de frente, ou escondemos fingindo que nada mudou. Para Jojo a transformação veio por meio da gralha, que após ser descoberta pelo pai, a liberta. Não é fácil para uma criança lidar com certos aspectos da vida, elas têm uma visão muito particular, e quando não há suporte de um adulto, no caso o pai de Jojo também não estava preparado para tal situação, acabou se afastando e deixando o menino à mercê de suas próprias emoções e conclusões.
A gralha é uma metáfora belíssima para entender tudo o que lhe aconteceu, e isso se dá de forma natural, assim como na vida real. As coisas ruins geralmente acontecem bruscamente, não esperamos por elas. Jojo toma consciência sobre sua mãe e se liberta de um sentimento que não apenas fazia mal para ele, mas também para seu pai. Ao final quando eles se abraçam é um sinal de que uma relação nova pode surgir, pois ali nunca faltou amor, mas devido as circunstâncias fez com que se afastassem.
A última cena é a evidente aceitação de Jojo, quando mostra a sua amiga o acender e o apagar do fósforo que seu pai lhe ensinou. Uma bela metáfora de vida e morte.
Uma coisa também que o filme traz é que quando adultos perdemos a visão de vida que tínhamos na infância, amadurecer não significa castrar a beleza das sutilezas, afinal são elas que dão sentido a tudo isso que nos rodeia.
"Kauwboy" ganhou diversos prêmios e está entre os filmes mais lindos de 2012, e não é à toa, pois combina elementos simples que envolvem e emocionam.
sexta-feira, 10 de janeiro de 2014
No Espaço Não Existem Sentimentos (I Rymden Finns Inga Känslor)
"No Espaço Não Existem Sentimentos" (2010) é um filme sueco bem leve do diretor Andreas Öhman. É daqueles filmes que inevitavelmente nos fazem sorrir e do qual guardamos com carinho na memória. Não havia me deparado com um filme sueco de comédia até então, mas foi uma grande surpresa. Bill Skarsgard (Hemlock Grove), filho do fantástico Stellan Skarsgard, faz um personagem apaixonante, sua vida é complicada pois sofre da Síndrome de Asperger, que faz com que não se aproxime das pessoas, não crie laços, porque sentimentos geram o caos dentro de sua cabeça. Mas quando a namorada de seu irmão Sam, rompe o relacionamento, ele fica absolutamente deprimido. Para animá-lo e fazer com que volte à sua vida normal, Simon decide ajudar a encontrar uma nova e perfeita namorada. Porém, a busca é muito mais complicada do que poderia imaginar e fica em dúvida se realmente poderá ajudar Sam. O único que consegue se comunicar com Simon é seu irmão, por isso ele o leva para morar em sua casa juntamente com sua namorada, as coisas inicialmente se estabelecem, criam uma rotina perfeita, mas tudo muda quando Frida não consegue suportar as manias e os ciclos repetitivos de Simon.
Sam é um irmão muito paciente e carinhoso, toda vez que algo se quebra dentro da rotina de Simon, e este se esconde na sua "nave espacial", ele é o único capaz de se comunicar com o garoto. Inicialmente a busca por uma namorada para Sam é simplesmente para completar o ciclo quebrado de sua vida certinha, ele não entende que para isso necessita se apaixonar, criar laços. Sua cabeça pensa em círculos e quando algo se rompe, não consegue processar uma saída, é o caos realmente. Há cenas muito criativas e divertidas por Simon interpretar tudo literalmente, não diferenciar emoções e tão pouco demonstrá-las, mas as coisas vão mudando quando Jennifer, uma excêntrica garota entra na vida dele. O momento do encontro é sensacional, como sua rotina é sempre a mesma, passa pelos lugares no mesmo horário, então esbarra em Jennifer e seus livros caem todos no chão, ela querendo ajudar e se desculpar toca nele, o que o faz bater nela. É nesse momento que começa a acontecer algo interessante, pois quando vai procurar uma namorada para seu irmão ele tenta encontrá-la da mesma maneira, com um esbarrão cronometrado.
É um filme de comédia muito inteligente e criativo, ele se livra de todas aquelas balelas que circulam quando se fala de personagens com algum tipo de dificuldade. O romance que acontece é de uma sensibilidade única. Tudo isso graças as interpretações de Bill Skarsgard, Martin Wallström e Cecilia Forss.
Jennifer é uma garota encantadora que aos poucos consegue conquistar Simon, mesmo ele não percebendo, pois há essa dificuldade em entender emoções. Ao tentar arranjar uma namorada para seu irmão, ele na verdade se ajuda, e enfrenta vários obstáculos. A cena em que entrevista as meninas na rua para buscar o par ideal, e as perguntas diretas ditas de forma tão natural por Simon é hilário. Jennifer vai inserindo aos poucos um outro mundo a Simon, como quando coloca o fone nos ouvidos dele passando assim a enxergar as cenas cotidianas conforme a música tocada. É um despertar simples, mas imenso.
Sou a favor de que todo mundo tenha uma "Jennifer" em sua vida, mas infelizmente esse tipo de pessoa é rara, é daquelas que nos transformam e nos mostram o valor de coisas pequenas, porém as que mais fazem sentido. Vendo o filme me veio o pensamento de que dificilmente vejo pessoas se gostarem realmente, sem reparar ou colocar defeito, de algum modo as pessoas não sabem mais lidar com sentimentos. Nada mais me parece ser natural.
"No Espaço Não Existem Sentimentos" é um filme que faz bem para o coração, para dar leveza diante a tanta automaticidade da vida, onde tudo é cronometrado e o tempo para se relacionar verdadeiramente é praticamente nulo.
A fotografia muito colorida enche nossos olhos, e a trilha sonora deliciosa compõe perfeitamente. É uma pena que filmes assim não entrem no circuito comercial, e poucas pessoas tomem conhecimento. É um tipo de cinema para quem deseja se deslumbrar com uma história divertida, inteligente e criativa. A sensação que o filme nos causa é a mesma de quando estamos apaixonados, e ao final até o sorriso bobo aparece.
quarta-feira, 8 de janeiro de 2014
Brothers (Brødre)
Susanne Bier é expert em elaborar filmes densos sobre relações familiares, mas sem jamais apelar para sentimentalismos, suas histórias captam a essência da realidade, onde poderia acontecer com qualquer um. São situações em que é necessário lidar com circunstâncias da vida. "Brodre" acerta em cheio ao retratar o drama pelo aspecto psicológico, o como a violência da guerra age sobre a pessoa que a vivenciou, e para aqueles que estão ao lado convivendo.
Michael (Ulrich Thomsen) é um militar dinamarquês exemplar, casado com Sarah (Connie Nielsen) e pai de duas filhas. Ele é enviado com sua tropa para uma missão da ONU no Afeganistão. Seu irmão Jannik ( Nicolaj Lie Kaas), ao contrário, é a ovelha negra da família, recém-saído da prisão e com um histórico de irresponsabilidades. Logo ao chegar na zona de conflito o helicóptero de Michael é abatido e ele é dado como morto. Jannik, surpreendentemente, passa então a confortar a família do irmão, o que faz com que sua relação com Sarah ganhe um novo sentido. Mas Michael não morreu e quando ele retorna as coisas estão diferentes.
O desenvolvimento dos personagens é rápido, mostra como os irmãos são diferentes entre si e o relacionamento deles com a família, logo Michael se despede e vai para a guerra, imediatamente o helicóptero em que está despenca e é dado como morto. A partir de então Jannik assume uma postura mais madura e conforta a família do irmão, essa relação vai se estreitando, o que inicialmente nos faz sentir raiva, pois a situação é óbvia, o irmão se aproveitando para chegar mais perto da mulher abalada, que por sinal é muito linda. Mas conforme o desenrolar observamos a diferença entre um filme comum que descambaria para esse lado, e pelo primor da direção de Susanne Bier que coloca os sentimentos que permeiam as relações em foco, onde nem tudo é simples.
Ulrich Thomsen já é bem conhecido do público, fez muitos filmes americanos, mas destaco sua atuação em "The Silence" - 2010, do qual faz um pedófilo, é simplesmente incrível. Em "Brodre" interpreta Michael, um pai de família carinhoso, cheio de qualidades, o irmão mais velho protetor, mas a guerra lhe fez retirar de si sentimentos horríveis, e as ações geradas vão o perseguir a ponto de mudá-lo completamente. Quando retorna já não é mais o mesmo Michael, está fechado, irritadiço e ainda por cima percebe uma grande mudança em sua casa. Suas filhas parecem não ficar tão felizes por seu retorno, o que o faz gritar e amedrontá-las. As cenas chegam de forma austera, e do nada Michael pergunta a Jannik se está transando com Sarah, daí em diante tudo se transforma em desconfiança e violência.
A câmera evidencia a todo momento os olhares, e quando a emoção é posta pra fora é dilacerante, muito real. O violino pontua o drama e este vem estérico, de uma vez, como um grito. O interessante que o filme não expõe se Sarah realmente tem um caso com Jannik, são sentimentos implícitos, como quando Jannik sobe a escada enquanto Sarah toma banho, e a seguir desce correndo. Há sentimentos complexos envolvidos, e é evidente que Jannik respeita Michael.
Há um remake americano chamado "Entre Irmãos" do diretor Jim Sheridan, não sei se conseguiu captar todas as nuances de "Brodre", mas não há dúvidas de que tenha largas diferenças.
É um drama intenso, envolvente, cru e realista, o maior mérito do filme está no foco da mudança drástica que acontece em Michael, e o como isso afetou sua família. Quando ele volta espera encontrar um refúgio para poder amenizar suas dores causadas pela guerra, e pelas ações que foi obrigado a cometer, mas sua família acreditou que estava morto, seguiu em frente, e por isso as circunstâncias se dão de forma tão difíceis.
Repleto de sutilezas o clima é tenso. O longa da ótima Susanne Bier é de uma grandeza emocional sem tamanho.
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
Às Margens do Rio Sagrado (Water)
Dirigido por Deepa Mehta (Os Filhos da Meia-Noite - 2013), "Water" é considerado um dos filmes mais bonitos dos últimos anos. Conhecido pelo título "Às Margens do Rio Sagrado", "Rio da Lua", ou ainda "Água: Gotas de Liberdade". Ele conta a história da pequena Chuyia que aos oito anos não é apenas casada, mas também já viúva, cujo marido nem chegou a conhecer. De acordo com a tradição, ela é enviada para uma casa onde as viúvas são obrigadas a ficar isoladas da sociedade até o final de suas vidas, sem que possam alguma vez voltar a casar. Lá, conhece Kalyani, uma bela e jovem mulher de quem se torna amiga. Kalyani ousa desafiar as rígidas regras apaixonando-se por um jovem com estudos. O filme abre com um trecho hindu, segundo as leis de Manu: "A viúva deve sofrer até a morte preservada e casta. Esposa virtuosa que permanece pura após a morte de seu marido vai para o paraíso. Uma mulher infiel a seu marido irá permanecer no útero de um chacal."
Por conta do assunto ser considerado tabu na Índia, a diretora Deepa Mehta enfrentou oposição de grupos hindus fundamentalistas. Precisou encerrar as filmagens em Varanasi, devido à pressão do líder do governo em Uttar Pradesh. Quatro anos depois a produção foi retomada no Sri Lanka. É um assunto que comove, pois a tradição baseada em escritos com mais de 2 mil anos ainda persiste e muitas mulheres são submetidas a viverem em condições miseráveis. "Às Margens do Rio Sagrado" é forte, porém delicado. Faz parte de uma trilogia, iniciada em 1996 com "Fogo" e continuada com "Terra" de 1998.
A história se passa no ano de 1938, antes da data de independência da Índia, que ocorreu em 1947. A imagem inicial já revela a beleza e a inocência. Chuyia por meio de seu pai descobre estar viúva, sem ao menos se lembrar que um dia casou. Esse costume de casar meninas com homens mais velhos ainda permanece, é uma questão social, mas também econômica. Após Chuyia ser informada da morte, acontece um ritual, onde a imagem feminina é extirpada, os cabelos são raspados, as pulseiras retiradas, sai as cores e entra um sari branco, que é sinônimo de luto e a marca da viúva na sociedade. Levada a uma casa onde ficam apenas viúvas com o intuito de abnegação para se manterem puras, a menina ainda não entende e espera que sua mãe a busque, mas conforme os dias passam se dá conta de seu terrível destino. Ao redor há mulheres com vidas miseráveis e no meio delas encontra Kalyani, que mantém seus cabelos compridos, pois é obrigada a se prostituir para manter a subsistência da casa que é bem precária.
Dentro da questão social há um diálogo maravilhoso entre Narayan, que se apaixona pela linda Kalyani, e Shakuntala, que acaba por proteger Chuyia. Ela pergunta: Para quê retirar as viúvas da sociedade? Narayan responde: Para terem menos gastos, pois as famílias não querem arcar com mulheres que sinalizam mau agouro, e correr o perigo delas herdarem propriedades do marido, então se retiram para continuar puras, segundo a religião, mas acabam comendo mal, dormindo no chão, pedindo esmolas, entre outras coisas que estão nessa absurda tradição. A prostituição de moças vêm com intuito do bem-estar de outras, uma hierarquia que se cria. É a velha história de mascarar o sujo com a religião.
Narayan é um homem rico, estudado, idealista, dentro do sistema das castas é um brâmane, também é seguidor de Ghandi, que na época foi várias vezes preso por expor seus pensamentos e ensinamentos, no que mais tarde resultaria na independência da Índia. O pano de fundo histórico só faz enaltecer o conteúdo do filme. Narayan se apaixona por Kalyani, o que não é aceitável dentro desta sociedade, mas graças a Ghandi, muitos indianos adquiriram um pensamento mais libertário, e cujo o pai de Narayan era adepto. Indo contra as outras mulheres Kalyani vai embora e decide se casar com seu amado, mas o destino às vezes prega peças das quais são dolorosas demais, e Kalyani desiste. Já o destino de Chuyia está nas mãos de Shakuntala, caso não faça nada terá o mesmo destino miserável dela. É chocante ver a segregação, e a punição que uma mulher viúva tem que passar, o mais inacreditável é que isso ainda existe, devido as crenças milenares.
"Às Margens do Rio Sagrado" tem um roteiro excelente, grandioso, assim como a fotografia suntuosa e delicada. É uma história enriquecedora com aspecto humanista. Os velhos hábitos estão sendo quebrados aos poucos, a lei das castas foi abolida em 1950, mas a segregação ainda acontece na mente das pessoas, assim também acontece no que se refere as mulheres que se tornam um peso, após seus maridos falecerem. Para se quebrar uma cultura vai tempo, e só aqueles que desafiam podem conseguir essa tal liberdade. É preciso se desvencilhar dessas tradições machistas e desumanas.
quinta-feira, 2 de janeiro de 2014
Frances Ha
"Frances Ha" de Noah Baumbach (A Lula e a Baleia - 2005) é uma dramédia maravilhosa que esbanja espontaneidade. Frances (Greta Gerwig) é a ambiciosa aprendiz de uma companhia de dança, que tem que se contentar com muito menos sucesso e reconhecimento do que ela gostaria. Mesmo assim, encara a vida de maneira leve e otimista. Esta fábula moderna explora temas como a juventude, a amizade, a luta de classes e o fracasso.
A fotografia em preto e branco só faz evidenciar todo o charme e graciosidade que a personagem esbanja. Greta Gerwig está perfeita, e a identificação é imediata. Afinal, quem nunca passou por apuros, seja por fatores internos, sobre qual caminho seguir, ou externos, como problemas financeiros. Frances tem 27 anos e ganha algum dinheiro dando aulas de balé para crianças, mas seu sonho é entrar para companhia e se tornar coreógrafa. Ela divide um apartamento em Nova York com sua melhor amiga Sophie, as duas são inseparáveis, mas percebemos que Frances nutre uma lealdade sincera, por exemplo, quando termina o namoro porque não quer deixar Sophie e o apartamento. Já Sophie não titubeia quando decide ir embora e mudar para um outro bairro. O mundo de Frances começa a ruir a partir de então. Dispensada de um especial de natal do grupo de dança e afastada da companhia por um tempo, Frances fica sem um tostão e não tem como pagar o aluguel do apartamento que divide com dois garotos. Um que sai com uma moça diferente a cada dia e o outro que a acha inamorável. Nessa parte há uma melancolia exposta no filme, é triste observar que a sociedade acaba esmagando um espírito livre como de Frances, mas mesmo sem ter um rumo definido aos 27 anos, é uma sonhadora. Ela sente-se sozinha, pois Sophie está namorando sério, e vive mergulhada em seu trabalho, também vê seus colegas com ótimas carreiras, se casando, tendo filhos, viajando, se tornando pessoas frias e mentirosas, daí decide ir para a casa dos pais em busca de um lugar acolhedor.
É incrível os diálogos e a maneira que Frances os domina, sua espontaneidade cativa e sua situação envolve por estar tão próxima da realidade.
Greta Gerwig ajudou a escrever o roteiro do filme juntamente com o diretor, e mais natural não podia ser, retratando os percalços vividos por Frances até encontrar seu lugarzinho no mundo.
Há uma crise antes de se chegar aos 30, a idade que a sociedade determinou de se estar estabelecido na vida em todos os quesitos, só que há pessoas que não querem seguir o padrão dito normal, continuam a sonhar e a perseguir seus sonhos por tempo indeterminado. E mesmo quando chega-se ao ponto, achando seu lugar, o seu encaixe, assim como Frances ao final fez, metaforizado quando dobra o papel com seu nome escrito, não se pode deixar morrer aquele sentimento bonito que o fez percorrer todo este caminho. A questão é que a vida não precisa ser moldada e rotulada. Não há um prazo determinado, ou de validade para acabar com os sonhos.
Há cenas maravilhosas, uma das é quando Frances é questionada na mesa de jantar por seus "amigos" sobre o que faz. E em um rompante decide ir a Paris por apenas dois dias só porque recebeu um cartão de crédito pelo correio. Nessa fase ela está praticamente desempregada e morando em um alojamento.
Frances entende que precisa dar um rumo à sua vida quando em uma noite de bebedeira sua amiga quase termina o noivado, então ela a acolhe em seu quarto, mas pela manhã Sophie desparece. Ela sabe que o amadurecimento chegou para sua amiga e que ela decidiu seu destino, portanto, Frances acaba encontrando o seu mundo também. Então, vem o final, a platéia prestigiando seus bailarinos e a coreografia, tão sua, que cada movimento nos remete a ela ao longo do filme. A dança moderna, pela qual Frances quis seguir não poderia caracterizá-la melhor, pois há uma liberdade corporal, uma expressão que retrata tão bem a sua personalidade. "Frances Ha" é um filme maravilhoso, que traça a trajetória de uma jovem para encontrar seu espaço em meio a um mundo que pressiona cada vez mais. Não há clichês e nem melodramas, são emoções reais que passeiam pela vida de qualquer um, por isso a identificação é instantânea. É uma obra realista e natural.
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