segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Um Herói do Nosso Tempo (Va, Vis et Deviens)

Em 1984 milhares de judeus etíopes foram levados para Israel com a finalidade de escaparem da fome e miséria que abundava em seu país. Salomon é enviado pela sua mãe católica a uma viagem que salvará sua vida, a única maneira do seu filho sobreviver. Uma difícil decisão, mas que deu a ele a chance de ter uma vida mais digna. Sua mãe sabia o que estava fazendo ao entregar Salomon para que ele pudesse sair daquele flagelo que assolava milhões na Etiópia. A Operação Moisés era a oportunidade de um futuro. A mulher que o acompanhou fazendo o papel de sua mãe era da tribo dos Falashas, judeus etíopes que são da linhagem da Rainha de Sabá e, consequentemente, tinham lugar garantido em Israel. E foi justamente nas mãos dos judeus, que tem todo um histórico de perseguição, que ele aprendeu o que é o preconceito. Chegando em Israel, Salomon finge ser judeu para que possa ficar no país, assim seu nome passa a ser Schlomo e é adotado por uma família de esquerda que desconhece a sua verdadeira religião e a existência da sua mãe. Ao longo do seu crescimento, Schlomo vive atormentado com o seu passado triste, com a mãe que deixou pra trás e com o racismo do qual acaba por ser vítima. A única esperança deste jovem é um dia poder voltar a sua terra e ver a sua verdadeira mãe.
Schlomo mesmo diante a tanta fartura de alimentos, recusa-se a comer, a cena do seu primeiro banho de chuveiro, e seu empenho em não deixar a água escorrer pelo ralo é uma das mais comoventes. Sua família o coloca para estudar o Torá acreditando que é judeu e sua mãe adotiva luta para que o respeitem, pois o preconceito religioso e o da cor da sua pele será uma batalha que ambos irão enfrentar dali para frente.
Em sua trajetória de vida, dois homens contribuíram muito em sua formação, um patriarca de sua terra natal e o avô da família que o adotou. Ambos ensinaram os verdadeiros valores, as verdadeiras bagagens que se deve levar ao longo da vida.
Não querendo comprar guerra, até por imposição do pai adotivo, que o queria lutando, ele vai estudar medicina em Paris. Ao se formar, acaba embarcando numa guerra que não era dele. E nela se vê impedido de atender alguém, e por ambos os lados numa guerra estúpida, se descuida e termina ferido, mas se recupera e volta para casa com Sarah, que o esperou por dez anos, porém havia muito o que contar a ela sobre sua vida, e a mentira que segurou por todos esses anos. É impossível não se compadecer com a história desse garoto, ela o perdoa e o incentiva a voltar para sua terra natal e encontrar sua mãe novamente.

"Va, Vis et Deviens" é algo como "Vá, Viva e Transforme-se". A questão da tradução do título para "Um Herói do Nosso Tempo" não incomoda, Schlomo de fato é um herói, ainda menino num país estranho, tendo que mentir para ser aceito, enfrentando diversos preconceitos, conseguiu o amor de uma família, casou-se, tornou-se médico e retornou ao seu país em busca de sua mãe, que por sinal é uma das cenas mais impactantes.
Esse filme serve para que vejamos que o preconceito é algo absolutamente ridículo, inútil e degradante para o ser humano. O roteiro combina conflitos étnicos e religiosos com a determinação de uma criança em atingir seu sonho, representando a busca por uma identidade, mostra como uma pessoa pode ultrapassar todas as dificuldades da vida, mesmo quando todos parecem querer derrubar-lhe. Schlomo, conseguindo conciliar sua formação cristã com os novos conhecimentos judaicos, luta contra todo o tipo de preconceito e perdoa quem o ofende, pois acredita que há algo melhor na vida.

Os conflitos atuais no mundo vêm da questão da identidade e da aceitação do outro. O fanatismo mundial, seja muçulmano, cristão ou judaico vem do fato de que não aceitamos o outro, a diferença. A partir do momento que entendermos que somos diferentes uns dos outros e que isso independe de crença, religião ou da cor da pele, que somos indivíduos com características únicas, com capacidades e dificuldades, acho que talvez algo possa ser mudado no mundo. É uma lição de compaixão, de solidariedade para com o outro, valores dos quais estamos esquecendo dia após dia com uma vida cada vez mais egoísta.
Um retrato poético da busca de uma identidade e de uma vida que possa ser vivida de sua própria maneira.

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