segunda-feira, 28 de maio de 2012
O Mundo de Sofia (Sofies Verden)
"O Mundo de Sofia" (1999) é uma adaptação da famosa obra literária homônima do norueguês Jostein Gaarder, que já vendeu mais de 20 milhões de livros ao redor do mundo e foi traduzido para mais de 50 idiomas. Assim como no livro, o filme pode muito bem servir de iniciação à filosofia.
Às vésperas de seu aniversário de quinze anos, Sofia Amundsen começa a receber bilhetes e cartões postais bastante estranhos. Os bilhetes são anônimos, e perguntam a Sofia quem é ela e de onde vem o mundo em que vivemos. Os postais foram mandados do Líbano, por um desconhecido chamado Albert Knag, para uma tal de Hilde Knag, jovem que Sofia igualmente desconhece. A partir dessas mensagens, ela se torna aluna do misterioso Alberto Knox, que a acompanha em uma fascinante jornada pela história da filosofia. Ele começa totalmente anônimo, mas conforme a história desenrola ele revela cada vez mais sobre si mesmo. Juntos, os dois percorrem o desenvolvimento do pensamento filosófico, desde Sócrates até os filósofos dos dias atuais, passando pela Idade Média, Iluminismo, Revolução Francesa e pela Revolução Russa. E enquanto percorrem esta caminhada, eles descobrem que são apenas personagens fictícios criados pela imaginação de um escritor, e começam a elaborar um plano para escapar para a realidade.
Quando estudamos o nascimento da filosofia na Grécia, vemos que os primeiros filósofos, os pré-socráticos, se dedicavam a um conjunto de indagações principais: Por que e como as coisas existem? Qual foi a origem da natureza e quais as causas de sua transformação? Essas indagações colocavam no centro a pergunta: O que é o Ser? Por esse mesmo motivo, considera-se que os primeiros filósofos não tinham uma preocupação principal com o conhecimento, isto é, não indagavam se poderíamos ou não conhecer o Ser, mas partiam da pressuposição de que o podemos conhecer, pois ele é a presença e manifestação das coisas para os nossos sentidos.
Geralmente buscamos conhecer coisas sem importância, mas será que somos os artistas principais dessa história? Sempre perguntamos quem somos? De onde viemos? Para onde iremos? Isso faz parte da nossa vida, mas devemos exercitar nossa consciência crítica e aguçada para buscarmos sempre o conhecimento que podem nos mudar, e transformar a sociedade e a realidade que nos cerca. Obviamente mudando-a para melhor.
"O Mundo de Sofia" é uma introdução à filosofia, de forma simples nos é explicado o quanto é importante nos perguntarmos sobre a vida em si. A adaptação é um tanto quanto cansativa, pois pula-se partes, ou melhor, filósofos interessantes, e aplicam-se as teorias mais básicas, dando foco mais na Sofia adolescente, mostrando assim seu relacionamento com a mãe e seus amigos. Se for procurar profundidade filosófica neste filme, não encontrará, ele serve mais como curiosidade para quem leu o livro e se apaixonou pelo seu conteúdo que vai da fantasia à filosofia num piscar de olhos.
Dividido em duas partes de 1h e 30min cada, já que originalmente foi lançado como minissérie, "O Mundo de Sofia" é um convite fabuloso a este universo complexo, que nos faz abrir os olhos diante as pequenas coisas que julgamos não ser de grande valia, e principalmente, nos ensina que as perguntas são mais importantes do que as respostas.
"Não quero que tu pertenças à categoria dos apáticos e dos indiferentes. Quero que vivas a tua vida de forma consciente."
quinta-feira, 24 de maio de 2012
Um Novo Despertar (The Beaver)
"Um Novo Despertar" (2011) dirigido por Jodie Foster, que também protagoniza o filme, reflete sobre algumas questões bem interessantes. O título original "The Beaver" garante mais seriedade e não dá o teor de autoajuda que o traduzido carrega, é um filme reflexivo e com uma forte carga dramática, apesar dos alívios cômicos.
O filme começa quando Walter Black (Mel Gibson), embriagado e nada resoluto de suas atitudes, tenta inutilmente o suicídio repentino. Ele faz de tudo, ameaça se jogar pela janela, tenta se enforcar no banheiro com o pescoço envolvido pela gravata. Nada dá certo, o que funciona é o inesperado. Num tropeço, a televisão cai sobre sua cabeça, o que faz com que ele perca a consciência e desmaie. No mesmo instante do acidente, Walter estava com um fantoche de um castor no braço esquerdo. Ao acordar, o castor, através de seu corpo assume voz e personalidade própria. Ele fala através dos lábios de Walter, mas com outra voz e com outra personalidade. Segundo o castor, ele será o guia de Walter, promete tirá-lo da depressão e recolocá-lo no caminho da felicidade. E as coisas começam a dar certo mesmo, pois ele se reaproxima dos filhos, da mulher e retoma suas atividades na empresa que herdou do pai, elevando seu valor de mercado com ideias e implantando uma nova maneira de gerência. Ele não se afasta nem por um segundo do castor, nem no banho, nem no trabalho, nem no sexo. Mas é óbvio que as coisas acabam fugindo do controle.
Após certo tempo, em meio a alguns dias de glória, Walter não sabe mais lidar com a situação, foi tomado pela persona autoritária do fantoche. Como consequência, acaba disputando o mesmo corpo com ele que, na verdade, é ele mesmo. E se todo o embate teve início em um acidente involuntário, o fim dele se dará de maneira forçada, num lampejo de consciência. Apesar desse registro passar antes por um processo de análise psicológica, esses dois animais esquadrinhando um mesmo braço não respondem pela mesma voz, não compartilham de semelhantes vontades. Mas Walter deveria saber disso quando resolveu retirar o castor do lixo. Walter pegou o que não prestava mais para tentar mudar a sua vida, e conseguiu.
Há pitadas de humor, mas o foco está no drama, no homem burguês e solitário que ao atingir o limite de seu poder, se olha no espelho e, incrédulo, não se vê, não vê nada lém de um rosto cansado.
A narração usa um tom divertido para fugir um pouco do drama, mas o longa se desenvolve de maneira séria. Apresenta a surpreendente atuação de Mel Gibson, o qual interpreta perfeitamente Walter Black e o seu fantoche, preso numa loucura quase inocente.
A sensível direção de Jodie Foster demonstra como a relação familiar influencia no modo de viver, no convívio com outras pessoas e na forma de ver o mundo. Walter parece ter outro problema além da depressão, chega um ponto em que o castor parece assumir sua personalidade e ele passa a lutar para tomar o controle da situação, literalmente. A cena evidencia uma mórbida dupla personalidade.
O fantoche encontrado no lixo por Walter se torna seu amigo e conselheiro, e mais do que isso, a projeção ideal de si mesmo.
quarta-feira, 23 de maio de 2012
Esses Amores (Ces Amours-là)
Com um cenário exalando charme e ao embalo de músicas maravilhosas, esse longa francês mostra o fim da Segunda Guerra Mundial, e alguns dos aspectos da história mais recente da Europa em um enredo complexo, onde uma grande variedade de personagens se encontra em diferentes tempos, numa narrativa apaixonada pelo cinema. A princípio parece um filme sobre uma personagem que ama demais, e sofre as consequências do seu comportamento, mas esta perspectiva é apenas o olhar superficial. A introdução de "Esses Amores" é cativante e consegue criar empatia no espectador ao associar cinema e História.
Uma cena onde um cinegrafista, ao filmar uma cena ao ar livre, se apaixona por uma bela mulher, mostra essa máquina de recriar vida que é o cinematógrafo Lumière: a invenção do cinema inaugura uma nova história, agora testemunhada pelos olhos da câmera. Se no começo do filme parece enveredar para esta associação entre cinema e História, ele descamba logo para uma trama mais psicológica. Ilva, filha do cinegrafista com a mulher da praça é julgada por um crime. Esse momento aparece então como a camada presente no filme. Através de flashbacks, ele vai nos mostrando os acontecimentos para que entendamos como Ilva foi parar no tribunal.
Em "Esses Amores" a narrativa transpassa décadas, um painel de personagens que se cruzam. O tema central é o amor. Uma mulher que ama desenfreadamente e libertariamente, que cura a dor de uma paixão dilacerada com outra a substituir aquela. O amor que gera o riso, que cria a tragédia, que é o motivo e o apocalipse de um universo a gravitar em torno dele. Ilva Lemoine (Audrey Dana) é essa mulher, enteada de um membro da Resistência Francesa na II Guerra, lanterninha de um cinema, tachada de colaboracionismo para com o inimigo alemão, envolvida emocionalmente com dois soldados americanos, casada com um milionário, acusada de assassinato. Duas horas seria pouco para testemunhar esse torvelinho dramático que percorre diversos gêneros, no entanto, Claude Lelouch costura sua trama com objetividade e chega a um bom resultado de peculiar modo, abrindo mão de quaisquer medos do obsoleto, afinal "Esses Amores" se mostra um filme à moda antiga e com notável senso de espetáculo cinematográfico, no que é ajudado pela fotografia caprichada e de múltiplas paletas.
Um longa adocicado nos mostrando o peso das decisões e de uma mulher que se apaixona facilmente, chegando até a amar dois homens ao mesmo tempo, e tudo sempre acarreta em alguma tragédia, seja fisicamente ou psicologicamente. É delicioso assisti-lo ao embalo de músicas belíssimas.
"Esses Amores" esbanja charme, um tipo de filme que só os franceses sabem fazer, principalmente Claude Lelouch!
terça-feira, 22 de maio de 2012
Cela 211 (Celda 211)
Adaptado do livro homônimo de Francisco Perez Gandul e dirigido por Daniel Monzón, esse filme é um Thriller mesclado ao drama, trazendo uma visão peculiar dentro de uma rebelião no presídio. É o primeiro dia de Juan Oliver (Alberto Ammann) como funcionário de uma penitenciária, e durante a visita ao local acaba acontecendo um acidente com ele. Ao invés de ser socorrido é apenas deixado na cela 211, ao mesmo tempo se dá início uma rebelião de presos da ala de segurança máxima. Ao se ver acoado pelos presos e pelo líder da rebelião, Malamadres (Luis Tosar), o funcionário toma a decisão de se passar por um prisioneiro e com isso, lidar com os mais inusitados fatos e contornos que se apresentarão durante esse dia.
É no aspecto das decisões, que durante a trama é necessário aos personagens, que Daniel Monzón mostra um cinema de alto nível. Estamos acostumados com uma visão elitista ou puramente marginal em relação a essas pessoas privadas de seus direitos civis. Em "Cela 211" vemos a cadeia como uma pequena sociedade hierarquizada em que tudo, como aqui fora, tem o seu preço. Os sentimentos de privação e incapacidade dão destaques nesses personagens que, independente de seus valores morais, devem agir para não serem vítimas de seu próprio sistema criado dentro da cadeia. O longa não se atém aos clichês dos filmes de ação passados dentro de uma penitenciária em rebelião. O diretor se focou nos personagens que, em todos os momentos, são decisivos no desenrolar.
O drama envolve uma esposa grávida, funcionários corruptos, problemas diplomáticos e problemas penitenciários. Mas nesse filme o tratamento e o desfecho da trama surpreendem, por isso, é possível afirmar de se tratar de uma obra única. Há críticas ao tratamento do estado à vida humana, Juan Oliver vira peça de joguete para os interesses políticos, e a sua vida passa a não ter mais valor. O tratamento aos presos também é algo discutido, quando a revolta é sentida pelo carcereiro deixado no meio da rebelião. É um estudo atento do funcionamento das instituições prisionais, das más decisões, e dos passos em falso. Apresenta muitos dos problemas das prisões dos países civilizados e os desleixos, como na cela 211, onde vai parar o protagonista, ela fora ocupada antes por um preso que se queixava de fortes dores de cabeça, às quais nunca se deu a devida atenção, e ao final o homem tinha um enorme tumor na cabeça, ta aí um dos abusos cometidos.
Há muito o que se pensar quando o filme termina, não é um passatempo, um filminho de ação, onde presos fazem sua rebelião cheia de pancadarias. Nesse longa eles são humanizados, mostrando que sentimentos ainda existem nesses indivíduos. Como não se simpatizar com Malamadres? Um sujeito bruto, ignorante, que não espera nada da vida, mas que mesmo assim sentimos que existe algo nele que é positivo, e Juan aparentemente um bobão, já no início se revela um ser pensante e lidera de forma muito instigante todo o desenrolar da trama. Os personagens têm aspectos de personalidades bem diferentes uns dos outros, os tipos psicológicos foram bem construídos, o que leva o espectador a invadir todo o contexto. Há reviravoltas no roteiro e o final é surpreendente e inesperado. Um filme que deve ser encarado com seriedade!
segunda-feira, 21 de maio de 2012
Oscar e a Senhora Rosa (Oscar et la Dame Rose)
"Oscar e a Senhora Rosa" (2009) mostra-nos a amizade total de uma criança com leucemia e uma mulher da qual vira voluntária por acaso na área da pediatria do hospital, e que todos os dias o visita. Entre os dois estabelece-se um jogo: "Cada dia equivale a dez anos". Deste modo o menino passa a ter a sensação de que avança no tempo e de que aproveita a vida nas suas diferentes idades. Ele morre com mais de cem anos, ou seja, daí a alguns dias, com uma vida plena de emoções e alegrias. Nessa longa vida que o menino passa a ter, ele reinventa o mundo sob a incrível cor da fantasia, desafiando a morte com olhar divertido sobre o universo dos adultos e das outras crianças doentes que o rodeiam no hospital. Desta vida maravilhosa ficou o testemunho através de cartas que o menino escrevia todos os dias a Deus. O seu personagem não irá deixar ninguém indiferente.
O filme é uma adaptação do livro de Éric-Emmanuel Schmitt, "Oscar e a Senhora Rosa" faz parte da "Trilogia do Invisível", que diz sobre os fundamentos de três grandes religiões. "Milarepa" é dedicado ao Budismo. "Seu Ibrahim e as Flores do Corão", ao Islamismo, e "Oscar e a Senhora Rosa", ao Cristianismo.
Com muita sensibilidade esta obra nos mostra a pequena grande vida de Oscar, que em apenas doze dias de vida, no tempo que lhe resta, conhece uma mulher que mudará sua forma de pensar e lhe proporcionará uma paz interior, que lhe fará viver intensamente, mesmo numa cama de hospital. Ele vivencia tudo o que é capaz, experimenta sentimentos jamais sentidos e desperta, principalmente a vida na mulher, que também tem seus problemas, e assim, acaba amolecendo seu coração.
A figura da mulher é retratada de forma caricata, ela é uma pessoa repleta de problemas e descompromissada com a vida, egoísta e seu único pensamento é em torno de ganhar dinheiro com as pizzas que vende, não demonstra carinho por ninguém, mas o acaso fez seu trabalho e ela acabou encontrando aquele rapazinho que não falava com ninguém, nervoso por causa dos pais serem covardes e não conseguirem enfrentar a doença dele. Oscar por conta própria descobre que irá morrer em breve e fica com muita raiva de seus pais terem escondido isso dele. Os diálogos são poderosos, nos ensinam, nos chacoalham por dentro. Em certo momento a Senhora Rosa diz: "Você não deve guardar rancor de seus pais, eles são frágeis e te amam, têm medo de perdê-lo, por isso não sabem como lidar, e acima de tudo, você não quer morrer com raiva deles, todos nós morreremos, e seus pais também". Essa conversa mudou a conduta dele para com os pais. Um outro diálogo que fica gravado é esse: "Porque Deus permite que pessoas como eu, fiquemos doentes? Talvez ele seja mau". A Senhora Rosa responde: "Oscar, ficar doente, morrer, não é um castigo que Deus lhe impõe, e sim um fato da vida."
É impressionante como palavras têm o poder de mudar sentimentos; é uma bela história contada de maneira sublime, Oscar nos ensina com seu olhar, com seu sorriso, e suas palavras ficarão marcadas e guardadas dentro do coração para sempre. As cartas que Oscar escreve a Deus, suponho serem os melhores trechos do filme, mas não pense que este longa é uma lição de moral para que pensemos que há problemas maiores, como a doença do menino, mas sim, um lembrete para que saiamos de nossa zona de conforto, e para que olhemos a nossa vida como algo maravilhoso. Na maioria do tempo apenas existimos, não percebemos o quão a vida pode ser boa, a natureza, os nossos dias, as pessoas que estão sempre ao nosso lado, dando apoio, apesar de tudo. As pessoas se importam com coisas supérfluas durante a vida e não se lembram de que um dia irão morrer.
Esse filme é daquele tipo que quando acabamos de vê-lo, agradecemos por termos conhecido personagens, que mesmo sendo um tanto quanto caricatos, chegam próximos da realidade.
O mais importante na vida é a própria vida. Olhar cada dia o mundo como se fosse a primeira vez, esse é o segredo. O tempo é precioso e temos que lidar com ele de maneira sábia. Essa história nos permite um encontro com Deus, mas não o Deus das religiões e sim, aquele que acreditamos lá no fundo do nosso ser, aquele à quem perguntamos as coisas nas horas difíceis e incertas. Deus está nas pequenas coisas, ele pode estar em um momento de reflexão, numa conversa com alguém, e naqueles momentos em que descobrimos que a vida pode ser muito mais do que nos é mostrada diariamente.
"Tentei explicar aos meus pais que a vida é um presente estranho. No início, superestimamos esse presente: imaginamos ter ganhado a vida eterna. Depois subestimamos, achamos uma porcaria, curta demais, até seríamos capazes de jogá-la fora. Enfim nos damos conta de que não era um presente, mas sim um empréstimo. Então procuramos merecê-lo."
sexta-feira, 18 de maio de 2012
Most - A Ponte Entre o Agora e Sempre
"Most" (2003) é um curta tcheco dirigido por Bobby Garabedian e conta uma história comovente de um pai, operador de uma ponte levadiça, e de seu estreito relacionamento com o único filho. Esse amor de um pelo outro é colocado à prova quando os dois tentam impedir um iminente desastre de trem que transporta várias pessoas, e que nem imaginam o que está acontecendo: A ponte está levantada! E ao mesmo tempo, uma jovem que vive perdida, sem rumo, testemunha um grande ato de amor e que poderá mudar sua vida para sempre.
O curta nos mostra um pai solteiro que certo dia leva o filho de oito anos de idade para trabalhar com ele na ponte ferroviária, onde ele é o operador. Na ponte, o pai entra na sala de máquinas e diz ao filho para ficar à beira do lago próximo. Inesperadamente um navio chega e a ponte é levantada, mas ao mesmo tempo o trem começa a chegar. O filho vê isso e tenta avisar seu pai, que não foi capaz de ouvi-lo. O seu filho por vez acaba tentando evitar o acidente, mas cai nas engrenagens, que funcionam ao tentar abaixar a ponte, deixando ao pai uma escolha terrível. Então ele escolhe abaixar a ponte e as engrenagens esmagam o menino. As pessoas no trem estão completamente alheias ao fato de que alguém morreu ao salvá-los, a não ser uma mulher que percebe algo estranho pela janela.
O filme termina com o homem vagando em uma nova cidade, onde encontra a mulher do trem, não mais uma viciada, mas feliz e segurando um bebê. Ou seja, um terrível acidente aconteceu para que algo pudesse mudar. De forma poética nos diz o quanto é preciso para que certas coisas mudem em nossas vidas, no caso da moça do trem, em uma situação difícil, perdida e solitária, em um momento que poderia ser trágico, se tornou algo reformador, ela vê um pai chorando do lado de fora do trem, e isso a toca de forma estrondosa.
Ver aquele homem no dilema de salvar seu filho, ou de evitar um acidente de grande porte é desesperador, não dá para saber o que faríamos em uma situação dessas, corta o coração e nos atinge em cheio, deixando com que pensemos nas atitudes que tomamos.
É dado um teor religioso ao curta por ele mostrar que no último minuto o pai decidiu sacrificar seu filho por um bem maior, e sua maneira de enxergar as coisas depois do acidente, tentando mudar de vida, de ares. Não vejo como sendo religioso, classifico-o como sendo um fato da vida, porque decisões são tomadas e na maioria das vezes elas mudam o nosso destino, a mensagem é a de esperança, pois mesmo que tudo pareça se perder em breves instantes, há sempre um renascer.
O que é necessário para transformar uma vida? Essa frase deixa-nos num grandioso e demorado silêncio. Decerto uma história poderosa que leva-nos a refletir. O emocionante curta-metragem tem duração de 35 minutos.
quinta-feira, 17 de maio de 2012
Casa Vazia (Bin-Jip)
Kim Ki-Duk é um diretor que se exprime através de imagens conforme o decorrer da narrativa, privilegiando a estética visual em detrimento dos diálogos, o espectador tira suas próprias conclusões em determinar o sentido metafórico que essas imagens representam.
Tae-suk é um jovem que vagueia na sua moto em busca de casas vazias onde possa ficar alguns dias até que os donos regressem. Nunca rouba ou estraga nada dentro da casa. Simplesmente, guarda-a durante alguns dias, arruma objetos estragados e até lava a roupa. Um dia, invadindo uma casa rica encontra o seu destino, uma mulher casada chamada Sun-hwa, que sofre tormentos nas mãos do seu marido. Enquanto Tae-suk se esgueira pela casa, Sun-hwa esconde-se no escuro e espreita-o silenciosamente. Nessa noite, Tae-suk acorda petrificado quando descobre Sun-hwa a olhar para ele. Vai embora. Mas mesmo depois de partir, Tae-suk não consegue deixar de pensar nos olhos tristes e suplicantes de Sun-hwa. Quanto mais tenta esquecê-la, mais vívida se torna a imagem daquela mulher.
É difícil classificar "Casa Vazia". Será um filme sobre amor? Tratando-se de uma abordagem espiritual entre dois seres? Todas essas questões surgem quando o assistimos. Mas a verdadeira beleza do longa está na contemplação do silêncio. Com poucos diálogos, os protagonistas tem a tarefa de elevar o filme às custas da expressividade facial. Tal como em "Primavera, Verão, Outono, Inverno e Primavera" - 2003, o realizador coreano apresenta um retrato de caracterização de personagens baseando-se em diversos aspectos metafóricos e simbólicos. Em "Primavera, Verão, Outono, Inverno e Primavera" a água simbolizava o elemento condutor da vida e as estações do ano simbolizavam as várias etapas da vida. Em "Casa Vazia" destaca-se o simbolismo de um taco de golfe, o Ferro 3, curiosamente este é o taco mais forte e pesado que existe. Com este objeto ele se vinga do marido de Sun-hwa por tê-la agredido, e é através deste objeto que o amor à primeira vista acontece, pois ela se sente protegida ao ver ele atacando o seu marido.
Este filme é para ser sentido e não entendido, o tanto de sentimentos envolvidos, frustrações, desespero nos protagonistas, sabe-se só de olhá-los, não requer explicações, está tudo lá na face dos personagens.
A ideia de família desaparece e reina a inevitabilidade da solidão e do silêncio. O lar passa a ser fugidio, e de casa em casa busca-se um lar, busca-se uma vida qualquer. Mas mesmo assim nas circunstâncias mais adversas como na prisão, o personagem sente-se em casa, tendo um lar, porque a sociedade pode lhe tirar tudo, menos uma coisa: sua liberdade. Algumas vezes soa como um filme sobre um processo de resistência. Isso fica claro na cena da prisão em que, enquanto o guarda violenta o protagonista, ele encontra formas de resistir, de transcender à violência daquele mundo, até se tornar semi-invisível, imaterial, como a tradição das artes marciais japonesas.
No filme todo só existe uma música tocada, todas as vezes que eles chegam em alguma casa ligam o toca CD sempre de maneira ritualizada. A música é Gafsa (Nome de uma cidade da Tunísia), de uma cantora e compositora belga que canta em árabe, Natacha Atlas.
Tae-suk vai treinando para se tornar uma entidade capaz da invisibilidade e assumir e viver a vida dos outros. Lá pelo final Sun-hwa sabe que ele está ali na casa dela, mas não o vê e sabendo que está atrás, abre os braços e vai andando de costas até prendê-lo contra a parede. Quando o marido sai os dois se encontram, sobem numa balança que marca 0Kg, nesse momento eles estão livres de todo o peso, desmaterializados e ao mesmo tempo completos.
"Somos todos casas vazias à espera de alguém que nos abra a porta e nos liberte."
A ideia de família desaparece e reina a inevitabilidade da solidão e do silêncio. O lar passa a ser fugidio, e de casa em casa busca-se um lar, busca-se uma vida qualquer. Mas mesmo assim nas circunstâncias mais adversas como na prisão, o personagem sente-se em casa, tendo um lar, porque a sociedade pode lhe tirar tudo, menos uma coisa: sua liberdade. Algumas vezes soa como um filme sobre um processo de resistência. Isso fica claro na cena da prisão em que, enquanto o guarda violenta o protagonista, ele encontra formas de resistir, de transcender à violência daquele mundo, até se tornar semi-invisível, imaterial, como a tradição das artes marciais japonesas.
No filme todo só existe uma música tocada, todas as vezes que eles chegam em alguma casa ligam o toca CD sempre de maneira ritualizada. A música é Gafsa (Nome de uma cidade da Tunísia), de uma cantora e compositora belga que canta em árabe, Natacha Atlas.
Tae-suk vai treinando para se tornar uma entidade capaz da invisibilidade e assumir e viver a vida dos outros. Lá pelo final Sun-hwa sabe que ele está ali na casa dela, mas não o vê e sabendo que está atrás, abre os braços e vai andando de costas até prendê-lo contra a parede. Quando o marido sai os dois se encontram, sobem numa balança que marca 0Kg, nesse momento eles estão livres de todo o peso, desmaterializados e ao mesmo tempo completos.
"Somos todos casas vazias à espera de alguém que nos abra a porta e nos liberte."
terça-feira, 15 de maio de 2012
O Dia do Curinga, de Jostein Gaarder
"Você já pensou que num baralho existem muitas cartas de copas e de ouros, outras tantas de espadas e de paus, mas que existe apenas um curinga?", pergunta à sua mãe certa vez a jovem protagonista de "O Mundo de Sofia". Esse é o ponto de partida deste outro livro de Jostein Gaarder, a história de um garoto chamado Hans-Thomas e seu pai, que cruzam a Europa, da Noruega a Grécia, à procura da mulher que os deixou oito anos antes. No meio da viagem, um livro misterioso desencadeia uma narrativa paralela, em que mitos gregos, maldições de família, náufragos e cartas de baralho ganham vida, transformam a viagem de Hans-Thomas numa autêntica iniciação à busca do conhecimento - ou à filosofia. "O Dia do Curinga" é a história de muitas viagens fantásticas que se entrelaçam numa viagem única e ainda mais fantástica - e que só pode ser feita por um grande aventureiro: O leitor.
Tudo começa quando na viagem, param em um posto de gasolina de uma só bomba, e um anão os atende, ao pedido da indicação de um bom caminho, ele indica um desvio até um povoado chamado Dorf, caminho este que, Hans-Thomas e seu pai descobrem depois, ser mais longo. Ainda no posto, o anão dá a Hans-Thomas uma lupa que diz ter sido feita por ele mesmo, com um pedaço de vidro encontrado no estômago de um cervo. Eles chegam a Dorf e passam a noite lá. Hans-Thomas passeia pela cidade, enquanto o pai se diverte no bar do hotel. Passando por uma padaria se encanta por um aquário na vitrine, percebendo que nele faltava um pedaço do mesmo tamanho do vidro de sua lupa. Ao ver que Hans-Thomas tinha aquela lupa, o padeiro convidou-o para entrar, lhe serviu um refrigerante de pera e lhe deu um saco com quatro pães doces. Ele falou para Hans comer o maior pãozinho apenas quando estivesse sozinho. E disse também que um dia serviria para o menino uma bebida muito mais gostosa que aquele refresco. A noite, ele comeu o pãozinho e encontrou dentro dele um livrinho, um pouco maior que uma caixa de fósforos, escrito com letras minúsculas. Usando a lupa que ganhara do anão, ele começou a leitura do livro. E a partir daí, enquanto seguiam viagem, Hans foi lendo o livrinho e descobrindo os mistérios escondidos nele, ao mesmo tempo que descobria que seu pai adorava filosofar sobre a vida.
O livro escrito pelo padeiro conta a história dele próprio (Ludwig, um ex-soldado) e de seu mestre Albert, que lhe ensinara a arte da panificação. Cada um vai contando sua história de vida, e como seus destinos são entrelaçados. Certa vez um marinheiro chamado Hans naufragara em uma ilha, e encontrara uma "sociedade" um tanto estranha, que logo descobre ter sido criada por Frode, outro náufrago da ilha.
O navio de Frode naufragara e ele ficara anos e anos sozinho, apenas com um baralho para lhe fazer companhia. Ao longo dos anos o baralho se desgastara a ponto de ficar quase impossível distinguir uma carta da outra. Frode, há muitos anos solitário, conversava com suas cartas e, em sua imaginação, elas respondiam. Ele imaginava cada carta como uma pessoa anã. Cada um tinha seu temperamento e personalidade, havendo semelhanças entre números e naipes. Certa vez, perambulando pela ilha, Frode vê o valete de paus e o rei de copas andando, exatamente como ele os havia imaginado, e logo, surgiram todo o resto do baralho. Então, Frode passa a conviver com as cartas, que tinham um pensamento muito limitado, principalmente por causa de uma certa "bebida púrpura", que era deliciosa, promovendo reações indescritíveis ao ser ingerida, mas que em excesso destruía a mente. E após exatos 52 anos da chegada das primeiras cartas, Hans chega à ilha. Este se espanta muito e não sabe se pode crer no que seus olhos veem. Após Frode explicar-lhe tudo sobre a ilha, inclusive sobre o curioso calendário inventado por ele, revela que o dia seguinte seria o dia do curinga, um dia extra no calendário da ilha. Neste dia havia uma festa em que todos jogavam o "jogo do curinga". O curinga era um anão que tinha aparecido depois dos outros e nunca se inebriara com a bebida púrpura, sendo, portanto, o único ser pensante da ilha, além de Frode, e, agora Hans.
Esta é uma viagem ao fantástico, cheia de simbolismos e filosofia, Jostein Gaarder sabe fazer isto muito bem, tem sua própria maneira de levar a filosofia para os jovens, em uma linguagem simples e genial. Assim como "O Mundo de Sofia" esta fábula pode ser vista como uma maneira divertida de falar sobre um tema dito complexo. É uma história que seduz pelo mundo mágico criado.
"Enquanto somos crianças, ainda possuímos a capacidade de experimentar intensamente o mundo à nossa volta. Com o passar do tempo, porém acabamos por nos acostumar com o mundo. Ser criança e se tornar adulto é como embebedar-se de sensações, e de experiências sensoriais."
"Enquanto somos crianças, ainda possuímos a capacidade de experimentar intensamente o mundo à nossa volta. Com o passar do tempo, porém acabamos por nos acostumar com o mundo. Ser criança e se tornar adulto é como embebedar-se de sensações, e de experiências sensoriais."
segunda-feira, 14 de maio de 2012
Filhos do Paraíso (Bacheha-Ye Aseman)
A história é simples e começa quando o pequeno Ali perde os sapatos de sua irmã Zahra, ambos têm medo de contar para a mãe e o pai, um duro trabalhador. A pobreza é retratada de maneira realista e sem esteriótipos, fator pontual para a película apresentar uma história simplória e que consegue nos tocar. Ao revezarem o mesmo par de sapatos os irmãos lutam contra o tempo, pois estudam em turnos distintos e o garoto sempre chega atrasado no colégio, dificultando seu aprendizado. As complicações que eles enfrentam contribuem para dar uma emoção a mais na trama. O companheirismo apresentado por esses belos irmãos deveria servir de exemplo para muitas famílias que brigam por besteiras. Pode soar piegas, mas as crianças de "Filhos de Paraíso" nos ensinam muitas coisas.
O renomado diretor Majid Majidi conduz a trama de forma muito bem dosada, as escolhas de ângulos são cuidadosos e criam cenas belíssimas, como o foco logo no início, quando o sapateiro arruma o sapatinho velho da irmã de Ali, a corrida sofrida do jovem em busca do terceiro lugar e os peixes sarando seus pés calejados ao final. É pura poesia em cena. "Filhos do Paraíso" é o melhor do cinema iraniano. Majid consegue com este filme um mergulho profundo, no qual o enfoque das mazelas iranianas sai do simples mostrar e tomar posições. Pela primeira vez, vemos uma Teerã rica, e ao mostrá-la fica ainda mais pungente a crítica social, criando a noção das duas realidades no Irã. Esta mensagem surte efeito, e supera muito em complexidade o simples retrato da miséria. As relações inumanas entre classes sociais usa de um recurso tão simples quanto genial: o interfone. Os ricos não se veem face a face com os pobres, os dispensam de longe. Porém, um verdadeiro humanista vê sempre uma saída, e a de Majid está nas crianças, que forçam o contato entre classes. Além dessa crítica social, há as relações de autoridade na escola, na mesquita, e ao mostrar a influência da propaganda danosa na TV no imaginário infantil, criando uma divisão interclasses por valores, como um sapato mais limpo e ao mostrar um painel mais abrangente. Uma cena memorável é quando o pai diz ao menino: "Você já não é mais criança, tem nove anos!", o diretor passa toda a situação das crianças pobres prematuramente adultas.
Esteticamente o filme também é rico, a poesia da simplicidade paira a cada cena, é impossível não se compadecer com os grandes olhos negros do garoto, ao querer contar para a irmã que perdeu seus sapatos, quase sempre um olhar assustado e triste. Esse filme nos faz pensar o quanto a nossa sociedade está perdida em seus vícios de consumo, o nunca estar satisfeito, o querer sempre mais, o quanto não damos valor às coisas que conseguimos, esquecemos o como é difícil adquirir algo, seja a mais simples das coisas. Há muitos valores sendo esquecidos ultimamente.
"Filhos do Paraíso" é um filme excepcional, longe de ser um melodrama barato, é o modo como alerta sobre as desigualdades sociais através de objetos e atitudes de aparência singela. Um par de sapatos ganha um significado monumental para os irmãos, mas existe um real motivo para isso, e nós o conhecemos muito bem. A pobreza tende a exaltar coisas que para muitas pessoas soam insignificantes. Em determinado ponto da história, Ali presenteia Zahra com um lápis e uma caneta como forma de agradecimento pela compreensão, e a menina fica felicíssima, como se tivesse ganhado a coisa mais maravilhosa do planeta. A inquietação dos filhos diante aos problemas financeiros dos pais é natural, e essa temática ganha dimensões metafísicas no filme.
Ausente de moralidades e com um raro grau de ternura obtido poucas vezes no cinema, este filme emociona do início ao fim, e faz jus ao pensamento: A grandeza das coisas está na simplicidade.
quinta-feira, 10 de maio de 2012
A Perseguição (The Grey)
Um grupo de operários de um posto remoto de extração de petróleo no Alasca é vítima de um acidente de avião enquanto voltavam à civilização. Os sobreviventes encontram-se em um descampado gelado, a centenas de quilômetros de qualquer ajuda e sem possibilidade de resgate. Liam Neeson vive o atormentado Ottway, um oficial de segurança que assume a liderança do grupo. Mas o clima deixa de ser o único desafio quando uma alcateia se aproxima.
"A Perseguição" não é exatamente um filme de ação, os ataques acontecem de modo calculado e há um certo respeito entre os lobos e os sobreviventes. Ottway sabe lidar muito bem com os animais, pois era ele que os matava para manter a segurança dos trabalhadores da região, então, ele é o que mais permanece equilibrado, conhece a filosofia dos lupinos. Liam Neeson interpreta um sujeito desesperançoso, triste e solitário, mas tem a firmeza necessária e uma sinceridade angustiante ao revelar os seus medos.
Poucos têm a coragem do diretor e roteirista Joe Carnahan para fazer um filme como este sem apelo comercial. Ele vai ficando cada vez mais tenso e forte conforme o desenrolar, e a beleza está em cada detalhe. É um filme sobre situações extremas e o choque entre o homem racional e a sua parte irracional e primitiva.
O drama inserido no longa coube perfeitamente, pois quem não irá questionar os desígnios de Deus, a sorte e a existência humana quando se está perdido no meio do nada, no frio congelante, sem comida e para piorar no território dos lobos? É da natureza humana questionar quando tudo está perto do fim. Muito interessante o modo como Ottway de forma carinhosa segura as mãos de um amigo que está partindo, e diz que a morte é quente e reconfortante, e pede-lhe que pense nas lembranças boas e que aos poucos a dor logo irá sumir.
Não criem expectativas sobre grandes ataques, ou de que haja aventura nessa jornada pela sobrevivência. É um drama com pitadas de ação, todos os personagens são importantes e todos têm as suas histórias, e até os lobos se tornam protagonistas, animais inteligentes que agem por hierarquia.
Liam Neeson faz um personagem humano, firme e também delicado, sua voz densa e encorpada dá o tom perfeito, assim como seus olhares e gestos. O tema sobrevivência aqui é diferente, pois toma uma profundidade gigantesca, o desespero leva as pessoas a fazerem qualquer coisa.
A fotografia é linda, não tem como não se deslumbrar diante àquela imensidão de gelo, a atmosfera criada nos envolve e sentimos as dores dos personagens. A frase "Viva ou morra hoje" dita o sentido do filme, ela é repetida algumas vezes e sentimos isso no finalzinho, aliás há uma cena nos créditos finais, portanto, não desgrude os olhos da tela.
Por fim, o homem também é feito de instinto, e é preciso desta vontade incontrolável para seguir vivo, "A Perseguição" trata destas forças. É direto, seco e selvagem.
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Redenção (Machine Gun Preacher)
"Redenção" (2011) dirigido por Marc Foster, conta a história real de Sam Childers, interiorano dos EUA que, depois de sair da cadeia, encontrou Cristo, largou as drogas e o crime, e influenciado por um missionário católico, partiu para a África. Em 30 anos, Childers construiu um orfanato para vítimas da guerra civil no Sudão e ganhou o apelido de "Pastor da Metralhadora". Críticos de Childers, como uma médica sem fronteiras que aparece no filme, enxergam nele um mercenário que responde à bala, como seus inimigos, os radicais sudaneses, aos conflitos da região.
O filme começa quando Childers sai da prisão e logo tem seu primeiro embate com a realidade, o que nos chama a atenção é a sua surpresa diante do óbvio: ele injeta heroína de noite e, na manhã seguinte, olha-se no espelho em choque, como se nunca tivesse passado por uma ressaca. Ao mesmo tempo, as elipses que o roteirista Jason Keller impõe ao filme tiram de Childers suas etapas de aprendizado, a assimilação do erro, ele passa por uma experiência, e em seguida reage em direção oposta. Ao chocar-se com as drogas, por exemplo, larga-as depois. Não há um processo, uma reflexão no filme sobre essas experiências. "Redenção" engloba o poder da fé na construção de uma vida melhor a um povo que precisa de ajuda, através das mãos de um homem. A maneira como se chega a essa melhoria é o grande ponto de análise do filme estrelado pelo ator escocês Gerard Butler.
O filme traz diversas sequências de guerra rodadas com bastante realismo em locações, o que o torna incômodo por diversas vezes, atingindo assim um dos seus objetivos. Além da crueldade reinante, fica clara também a confusão que há na disputa política, com salvadores da pátria transformando-se em tiranos em pouco tempo. No fim da história (que na verdade não tem fim) são as crianças que mais sofrem.
No final, já no cair dos créditos vemos depoimentos do verdadeiro Sam Childers. O profeta guerreiro é intenso e Gerard Butler tem seus méritos na boa construção de seu protagonista, porém assemelha-se a figura do Rambo.
Marc Foster não deixa de adocicar a trama com recursos fáceis, mutas vezes inconsistentes. Um exemplo é o diálogo travado entre o herói e sua esposa, quando ele pensa em largar tudo, ela diz: "Pare de choramingar, as crianças não desistiram."
A fé é a grande propulsão do ser humano, o poder de acreditar em algo é o que nos move, seja na religião ou não, até porque fé não está vinculada à religião. Sam crê que Deus lhe enviou uma missão e faz de tudo para não desistir desta. Na visão dele as ações é o que Deus quer ver, seja como for. A última frase dita por ele exprime bem isso: "Se você perdesse seu filho e eu o trouxesse de volta, importaria como eu trago?".
terça-feira, 8 de maio de 2012
Edukators (Die Fetten Jahre Sind Vorbei)
Jan (Daniel Brühl) e Peter (Stipe Erceg) moram juntos e, secretamente, são os Edukators, dupla revolucionária que invade mansões vazias, mudam de lugar todos os móveis e deixam misteriosos bilhetes com mensagens, como: "Seus dias de abundância estão contados". Jule (Julia Jentsch), namorada de Peter, encara privações financeiras desde que bateu seu carro no Mercedes de um ricaço, o empresário Hardenberg (Burghart Klaußner), e foi condenada a ressarci-lo pelo caríssimo conserto, o que ela considera uma tremenda injustiça. Afinal, terá de trabalhar durante sua vida inteira para pagar o prejuízo de 100 mil, enquanto que esse carro não faz a mínima diferença para o empresário.
Quando Peter viaja para Barcelona, Jan e Jule se aproximam e o rapaz se comove com o drama dela, então resolvem invadir a mansão de Hardenberg para lhe dar uma lição. Mas os dois acabam tendo problemas e devem recorrer à ajuda de Peter para sequestrar o empresário. É quando eles começam a perceber que seus ideais, apesar de estarem corretos, não cabem mais no mundo de hoje, especialmente depois de descobrirem que o empresário fora um militante como eles na década de 70. Ainda por cima eles têm de lidar com um triângulo amoroso no grupo.
Ao mesmo tempo em que "Edukators" procura uma solução para o capitalismo e as corporações, como as que usam mão de obra infantil para fabricar tênis que custam centenas de reais, soluções pacíficas acabam não dando resultado. O filme mostra que as mudanças devem acontecer primeiro em nós mesmos para que, depois, possamos mudar algo lá fora. "Edukators" não é uma apologia à revolução, muito menos ao fato de que ela não exista mais. O filme de Hans Weingartner (A Cabana - 2011), que também foi um revolucionário em sua juventude, mostra por meio de um inteligente roteiro, que é melhor agirmos a simplesmente pensarmos na ação. Nem sempre a ação é bem-sucedida, mas pelo menos aprendemos.
O filme poderia ser manipulador e fazer do milionário um vilão detestável e dos jovens nossos heróis, mas não é o que acontece. Para quê trabalhar tanto e acumular coisas que nem se tem tempo para usufruir? O milionário diz que é da natureza humana competir e querer juntar mais e mais. Tal justificativa é das mais furadas, já que nada é natural, tudo é construído. Somos condicionados a acreditar que o que dizem é o certo. E o que é natural não pode ser combatido. O filme humaniza o ricaço a tal ponto que ficamos com pena, mas o final nos dá um tapa na cara e diz: "Há pessoas que nunca mudam".
O sistema capitalista precisa dos pobres para que hajam os ricos, se não for dessa forma, não funciona, o ritmo é quebrado. É revoltante ver pessoas morando em verdadeiros palácios, usando roupas de marca, carros luxuosos, iates, enquanto crianças passam fome e adoecem; ou mesmo a pessoa comum que trabalha 12 horas por dia para ganhar um salário miserável. As melhores ideias permanecem, por isso é importante não nos acomodarmos, mesmo que pense que não interfira na sua vida, pois de algum modo reflete, seja na TV, fazendo com que acredite que está tudo no lugar, na política e afins. É importante se mexer e buscar entender como funciona o sistema e se posicionar. A alienação da sociedade precisa terminar, por isso filmes como esse são sempre bem-vindos. Esse é o cinema alemão contemporâneo!
segunda-feira, 7 de maio de 2012
Confissões (Kokuhaku)
"Confissões" (2010) é um Thriller surpreendente tecido através, como sugere o título, de confissões feitas pelos personagens que pouco a pouco vão nos dando informações necessárias para entendermos o que, de fato, está acontecendo.
A história principal é apresentada em uma sequência inicial que relata a confissão da professora de ginásio Yuko Moriguchi (Takako Matsu) explicando para seus alunos o porquê de estar se demitindo após aquela aula. Explica que seu marido Masayoshi Sakuramiya, um educador assim como ela, a influenciara e como a fez ver o valor da vida após constatar que estava com AIDS. Tendo isso em foco, conta que havia recentemente perdido sua filha e que, diferente do que todos acreditavam, sabia que ela havia sido assassinada por dois de seus alunos presentes naquela sala, os quais decide chamar de A e B. De maneira fria e quase didática, o que dá um teor mais tenso ao filme, somado ao contraponto do furor dos alunos que acompanham cada palavra da professora dando pulos das cadeiras e mandando mensagens de seus celulares, ela vai contando como havia descoberto a identidade dos dois, transformando de algum jeito aquela confissão em um suspense onde seus alunos deveriam adivinhar quem eram os assassinos.
Por fim, explica que no Japão, crianças não são punidas pela lei quando cometem erros tão graves como matar uma pessoa, ilustrando com o caso de uma garota que se autointitulava Lunacy, que decidiu relatar por meio de um blog como iria matar seus pais através de envenenamento, e que além de não ter sido presa, virou ícone pop entre os jovens desajustados. Portanto, ela como educadora, deveria dar uma lição em seus alunos para que valorizassem mais a vida, não só a dos outros mas também as próprias, terminando a sequência com um laço de roteiro estarrecedor. O enredo é repleto de reviravoltas e hipnotiza a cada segundo, assim não conseguimos desgrudar os olhos diante as informações que recebemos, seja dos alunos, da professora e de outros personagens que complementam com suas confissões. Em uma das últimas cenas acompanhamos em slow motion um prédio explodindo e um copo se desintegrando em meio às chamas, dentro do contexto é um esplendor visual. Tudo isso acompanhado pela música "Last Flowers to the Hospital", de Radiohead.
A professora Moriguchi quer se vingar dos dois alunos que mataram sua filha, a vingança dela é uma tortura psicológica terrível, ela enlouquece os meninos, acerta em cheio os seus pontos fracos e destrói o que mais admiram.
A sociedade japonesa ao mesmo tempo em que vive uma modernidade incontrolável, ainda se baseia em suas antigas tradições. Vemos adolescentes depressivos se comunicando com o colega ao lado por SMS, são preconceituosos e o bullying é algo corriqueiro, e principalmente, o ritmo infindável de trabalho dos pais acaba interferindo na vida dos filhos.
As interpretações são ótimas, tanto Naoki com sua loucura em ficar sujo para sentir seu fedor e perceber que está vivo, ao mesmo tempo que limpa tudo ao seu redor até brilhar para sua mãe não ficar doente. Shuya, com sua frieza, a idolatria pela mãe que o abandonou e sua obsessão em agradá-la. Takako Matsu está maravilhosa, a evolução de sua personagem passando de uma pessoa calma e serena à uma mulher de sangue frio é marcante. "Confissões" é um longa criativo, original e uma experiência inesquecível.
sexta-feira, 4 de maio de 2012
Intocáveis (Intouchables)
Baseado em fatos reais, "Intocáveis" (2011) é um filme encantador que retrata a deficiência física com muita comédia e um espírito de amizade incomparável.
Dos diretores Eric Toledano e Olivier Nakache, François Cluzet, faz o refinado cadeirante Philippe, um milionário que era um dos chefes da Pommery, fabricante de champanhe. Após um acidente de parapente fica tetraplégico e agora vive rodeado de empregados, necessitando de um auxiliar de enfermagem para atividades rotineiras, contrata Driss (Omar Sy), um ex-presidiário senegalês, que vem da periferia de Paris, e sem qualquer especialização para o cargo.
Os personagens distintos entre si penetram um na vida do outro de maneira muito natural, Driss trata Philippe como uma pessoa normal e não como um inválido, e isso vai cativando o milionário que cansou de ser tratado como se fosse quebrar a qualquer momento. Aos poucos Driss vai inserindo uma imensa alegria na vida de Philippe, uma vontade de viver, de sorrir e de respirar invade a alma daquele ser humano. Driss é um homem que tem cicatrizes pelos anos vividos, é simples e não há meios termos com ele, mas tem bom caráter e o convívio com Phillipe o faz pender ainda mais para o lado do bem.
A atuação de Omar Sy é o que faz o filme ser maravilhoso, seu jeito, todo o bom humor diante a uma questão tratada com tantos tabus, sua maneira sutil e os diálogos surpreendentes nos mostra que a deficiência não impede a pessoa de sentir e viver, ao contrário, a felicidade sentida é mais intensa.
François Cluzet com seu sorriso tímido é um granfino muito gente boa, ele aposta tudo em uma pessoa que não teria chance, de alguma maneira ele também deu vida a Driss, que estava acomodado e insatisfeito com a vida.
É bonito ver uma amizade dessa forma, sem rótulos, sem preconceitos, amar pelo que a pessoa é em sua essência, ajudar não por obrigação ou piedade, e é isso que Philippe encontrou em Driss, uma rara amizade.
Não é um filme apelativo, as cenas são deliciosas e sempre trazem uma surpresa engraçada. Emociona sem precisar tirar lágrimas de quem o assiste. Um grande exemplar recente do cinema francês. O segredo do sucesso? A delicadeza, o amor não convencional, quebras de tabus, a amizade em seu estado mais puro e verdadeiro, o querer fazer o outro feliz, enfim, uma homenagem à vida.
Essa dramédia tem o poder de nos fazer sorrir diante os nossos problemas, e principalmente, nos revela o quanto somos frágeis em relação a tudo que nos cerca. "Intocáveis" celebra a amizade, e por isso merece ser apreciado, assim como a nossa vida!
Dos diretores Eric Toledano e Olivier Nakache, François Cluzet, faz o refinado cadeirante Philippe, um milionário que era um dos chefes da Pommery, fabricante de champanhe. Após um acidente de parapente fica tetraplégico e agora vive rodeado de empregados, necessitando de um auxiliar de enfermagem para atividades rotineiras, contrata Driss (Omar Sy), um ex-presidiário senegalês, que vem da periferia de Paris, e sem qualquer especialização para o cargo.
Os personagens distintos entre si penetram um na vida do outro de maneira muito natural, Driss trata Philippe como uma pessoa normal e não como um inválido, e isso vai cativando o milionário que cansou de ser tratado como se fosse quebrar a qualquer momento. Aos poucos Driss vai inserindo uma imensa alegria na vida de Philippe, uma vontade de viver, de sorrir e de respirar invade a alma daquele ser humano. Driss é um homem que tem cicatrizes pelos anos vividos, é simples e não há meios termos com ele, mas tem bom caráter e o convívio com Phillipe o faz pender ainda mais para o lado do bem.
A atuação de Omar Sy é o que faz o filme ser maravilhoso, seu jeito, todo o bom humor diante a uma questão tratada com tantos tabus, sua maneira sutil e os diálogos surpreendentes nos mostra que a deficiência não impede a pessoa de sentir e viver, ao contrário, a felicidade sentida é mais intensa.
François Cluzet com seu sorriso tímido é um granfino muito gente boa, ele aposta tudo em uma pessoa que não teria chance, de alguma maneira ele também deu vida a Driss, que estava acomodado e insatisfeito com a vida.
É bonito ver uma amizade dessa forma, sem rótulos, sem preconceitos, amar pelo que a pessoa é em sua essência, ajudar não por obrigação ou piedade, e é isso que Philippe encontrou em Driss, uma rara amizade.
Não é um filme apelativo, as cenas são deliciosas e sempre trazem uma surpresa engraçada. Emociona sem precisar tirar lágrimas de quem o assiste. Um grande exemplar recente do cinema francês. O segredo do sucesso? A delicadeza, o amor não convencional, quebras de tabus, a amizade em seu estado mais puro e verdadeiro, o querer fazer o outro feliz, enfim, uma homenagem à vida.
Essa dramédia tem o poder de nos fazer sorrir diante os nossos problemas, e principalmente, nos revela o quanto somos frágeis em relação a tudo que nos cerca. "Intocáveis" celebra a amizade, e por isso merece ser apreciado, assim como a nossa vida!
quarta-feira, 2 de maio de 2012
Circunstância (Circumstance)
Romances e paixões proibidas foram contadas inúmeras vezes no cinema, e sempre tem um sabor gostoso em vê-las, mas neste longa iraniano, como o próprio título sugere não é bem assim, já que o modo de vida deles é completamente diferente de qualquer outro país. O Irã é um lugar onde não se tem liberdade, é opressor em relação as mulheres, mas de uma forma ou outra, o jovem de hoje em dia tenta se desvencilhar dessas circunstâncias, mas infelizmente, quase sempre as tentativas falham.
Atafeh e Shireen são duas amigas que estão descobrindo a natureza do amor, elas buscam em meio à repressão poder se expressar e se divertir, mas acabam caindo no mesmo dilema religioso e político do país. As meninas se apaixonam e a situação vai se complicando a ponto de ser insuportável.
O irmão de Atafeh é um ex-viciado em drogas, que ao voltar para casa depois do tratamento, se converte ao islamismo, e não demora para que ele fique fanático e obcecado por Shireen. Interessante que é retratado no filme o submundo da vida noturna do Irã, que não é tão diferente do ocidente, se não fosse proibido o comportamento que ali se passa.
É um filme que expõe uma história homossexual entre duas garotas num país completamente fechado, e isso já pode ser considerado um triunfo, serve para gerar discussões, principalmente no próprio país. O problema é que a história é arrastada, pois não se pôde aprofundar no relacionamento das meninas, é contido e logo as cenas de casamentos arranjados aparecem. O sonho de Atafeh em fugir para Dubai, um país livre, deixa claro o quanto os jovens se sentem castrados em viver ali.
Destaque para a beleza das garotas e todo o charme da mulher iraniana, mas é desolador ver que o machismo é dominante e impede-as de serem livres, elas são vistas como parideiras, e nas leis mais rígidas, dependendo da família, elas não podem ficar sem o hijab diante dos próprios familiares, porém há os que já deixaram esta "formalidade" de lado. No caso de Atafeh, o pai é um homem liberal e já tinha sido um revoltado com o regime quando mais novo, então entende a sua filha, só que seu irmão Mehran não vê as coisas por esse lado e as circunstâncias acabam sendo as mesmas de sempre.
As interpretações são boas e a trilha sonora maravilhosa, resplandece toda a cultura do país. A jovem cineasta Maryam Keshavarz cresceu nos EUA, e o filme foi rodado no Líbano, longe dos olhares conservadores do Irã. As preocupações com a segurança limitaram a criação de um Irã nas telas, então as locações ficaram restritas para não soar artificial.
Alguns ativistas dizem que a separação entre meninos e meninas nas escolas, criam confusão sexual. O que fazer quando uma garota não pode chegar perto de um garoto para não causar polêmica? Este filme deve ser visto, pois nem todos tem a consciência do que acontece no Irã. Independente de saírem soluções, só de gerar a discussão já é um enorme passo.
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