quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Noivas - Nyfes - Νύφες
"Noivas" (2004) de Pantelis Voulgaris (Mikra Anglia - 2013) é um filme grego baseado em fatos reais que fala sobre o amor proibido.
Estamos em 1922. Niki é uma das 700 noivas encomendadas pelo correio, que navegam da Grécia para Nova Iorque a bordo de um navio para se juntar aos seus pré-arranjados imigrantes maridos. Um fotógrafo americano também está no navio. Ela encontrará seu novo marido em Chicago; ele está indo de volta para casa e de volta para seu casamento fracassado. Essas jovens gregas, búlgaras, romenas, armênias e turcas veem no casamento uma maneira de fugir da guerra greco-turca e começar uma nova vida, a maioria conhece seus noivos apenas por fotografias. O fotógrafo americano Norman Harris (Damian Lewis) está triste, pois suas fotos da guerra foram rejeitadas pelo jornal. Niki (Victoria Haralabidou) em última hora substituiu a irmã mais velha que rejeitou a ideia do casamento arranjado. Ele está na primeira classe, ela na terceira, mas no desenrolar os dois se conhecem e de imediato surge um encantamento. Niki é uma ótima costureira e por intermédio de Norman arranja trabalho na primeira classe. A paixão que acontece é forte, porém proibida. Niki defende a honra de sua família e não permitirá que o que sente estrague tudo. A honra ao nome da família é um valor bastante explorado no filme.
A história é muito bem contada e é impossível não se prender a ela, a cada cena nos apaixonamos mais por Niki, uma mulher de semblante duro, mas de extrema delicadeza. Histórias de amor proibido sempre rendem algumas lágrimas e nesse não é diferente, as personagens são perfeitamente delineadas, observamos o drama de cada uma, o medo, a angústia, o sofrimento, e a esperança. Algumas são feitas de boba e acabam caindo em mãos erradas, são exploradas e infelizmente não têm o que fazer. São perdas, decepções, amores, incertezas, uma avalanche de sentimentos.
A trilha sonora é um primor, carregada de emoção. O roteiro se desenrola de maneira agradável e acabamos nos envolvendo demais, e esteticamente é impecável, tanto a ambientação como a fotografia é de encher os olhos, um dos momentos mais marcantes é quando Norman dá a ideia de fotografar todas as noivas.
É uma imensidão de sonhos e desespero. Os olhares de cada uma dizem tanto! Um lindo retrato sobre tradições, honra, paixões e perdas. É um filme delicado, sensível e muito bem produzido, aliás Martin Scorsese foi um dos produtores. Vale a pena descobrir essa joia rara do cinema grego, um romance bonito e capaz de deixar qualquer um com os olhos marejados.
terça-feira, 18 de agosto de 2015
Kumiko, a Caçadora de Tesouros (Kumiko, the Treasure Hunter)
"Kumiko, a Caçadora de Tesouros" (2014) dirigido por David Zellner (Kid-Thing - 2012) é uma fábula moderna que conta a história de uma moça solitária e ingênua que transforma sua vida comum e banal numa odisseia rumo a um suposto tesouro. É um filme lento, com poucos diálogos, mas muito interessante e curioso, no fundo nada mais é do que a velha história do sonho americano, de que lá na terra do tio Sam tudo pode ser possível.
Uma solitária japonesa convence-se de que uma sacola de dinheiro enterrada em um filme de ficção é, de fato, real. Abandonando sua vida estruturada em Tóquio para ir viver na região congelada e selvagem de Minnesota, ela embarca em uma busca impulsiva para procurar sua mítica fortuna perdida. Baseado na lenda urbana envolvendo a misteriosa morte de Takako Konishi, que surpreendida pelo filme "Fargo" (1996) dos irmãos Coen, resolveu ir encontrar o tesouro enterrado pelo personagem de Steve Buscemi.
No filme Takako é Kumiko, vivida pela linda Rinko Kikuchi (Norwegian Wood - 2010), sua personalidade é um tanto peculiar, é quieta e reclusa em seu próprio mundo, sua vida se resume a trabalhar numa pequena empresa como office lady servindo um chefe pouco amigável, seus dias são tediosos, mas ela tem um fascínio exclusivo que é encontrar tesouros, no início a vemos numa praia e ao adentrar uma caverna acaba encontrando um VHS bem surrado do filme "Fargo". Daí ela o leva pra casa e assiste, o aviso inicial que diz que a história é baseada em fatos reais a deixa interessada, e ao ver uma maleta cheia de dinheiro ser enterrada começa a fazer anotações com detalhes do local. Obcecada pausa diversas vezes, até que o videocassete mastiga a fita, irritada compra um aparelho DVD e o filme, então dá seguimento ao seu plano de fugir para a gélida Fargo, em Minnesota.
Constantemente Kumiko é indagada pela mãe sobre arranjar um marido e ter filhos, seu chefe também a questiona, pois já está velha para continuar em seu emprego, ela é distante de todas essas convenções sociais, seu desejo de vida passa longe disso tudo. Talvez, seja medo de encarar a realidade, suas tentativas de socialização são frustrantes e sua única companhia até partir é Bunko, um coelhinho. Tímida, misteriosa e obsessiva, assim é Kumiko.
A Tóquio retratada também é diferente, somos conduzidos pela periferia de pequenos bairros, onde a simplicidade reina. Pode-se dividir o filme em dois: Kumiko e seu casaco vermelho numa Tóquio cinzenta e Kumiko e seu poncho feito de edredom na brancura gélida de Fargo. Nessa parte a fotografia é exuberante, são planos belíssimos no meio do nada. Kumiko ao mesmo tempo que vive presa em seu mundo é livre e corajosa ao ir de encontro ao seu sonho. Ela é aquele ser que vê além, sua ingenuidade a ajuda de certa forma, sem ela jamais seria possível acreditar e seguir em frente. Quantas vezes desejamos fugir pensando encontrar tesouros escondidos e somos travados por nossa consciência?
"Kumiko, a Caçadora de Tesouros" é um filme melancólico que frisa que quando o negócio é ir atrás do que sonha nada e nem ninguém pode fazer você parar, independente do que seja. O longa se assemelha com "Nebraska" (2013), que retrata um velhinho ranzinza que ao receber um panfleto que diz que ganhou 1 milhão de dólares decide colocar o pé na estrada e seguir até Lincoln, onde poderá receber o prêmio. As histórias são diferentes, mas a ingenuidade e a persistência dos personagens faz com que essas duas obras se pareçam.
A misteriosa Kumiko encanta e nos faz refletir bastante sobre a vida e o quanto de valor damos para o que queremos realmente. É um belo exemplar do cinema independente americano!
segunda-feira, 17 de agosto de 2015
Em Nome de... (W Imie...)
"Em Nome de..." (2013) da diretora polonesa Malgorzata Szumowska (Elas - 2011) é um filme lindíssimo que retrata o tabu religião versus homossexualidade.
O padre Adam assume uma pequena paróquia no meio do nada. Ele organiza um centro comunitário para meninos com histórico familiar conturbado. Sua energia e disposição são apreciadas pelos moradores, que o aceitam como um dos seus. Mas ninguém sabe que ele esconde seu próprio segredo. Depois de conhecer um jovem introvertido e incomum, que não se relaciona com a comunidade, o padre Adam é obrigado a enfrentar uma questão pessoal há muito tempo esquecida. Como as piores suspeitas dos moradores se confirmam, Adam passa a ser visto pelos outros como um inimigo.
O assunto abordado é tratado com muita sensibilidade, não há artifícios baratos ou didatismos, é tudo muito natural e tocante, além dos belos planos, cenas cheias de significados e sentimentos. O padre Adam (Andrzej Chyra), adquire rapidamente o respeito da comunidade, ele ajuda jovens que não se integram à sociedade, meninos perdidos e violentos que usam dos mais fracos para benefício próprio. O vemos constantemente pregando o evangelho e se socializando com os moradores. Só que um dia o padre se depara e se encanta por Lukasz (Mateusz Kosciukiewicz), um rapaz destemido, quieto e que não se importa ao revelar que sente afeição por ele. Adam é um homem maduro que esconde seus verdadeiros desejos em prol de sua missão religiosa, é desesperador vê-lo chorar pelos prazeres que não pode satisfazer.
O interessante é a descaracterização que acontece com a figura religiosa, afinal Adam é um ser humano, homem, e sente pulsão sexual, o vemos se masturbar por diversas vezes. O entrelaçamento dos personagens é sutil e é retratado de maneira até banal, em situações cotidianas. Adam se vê testado quase o tempo todo. Quando a população começa a desconfiar e é denunciado, ele termina sendo transferido novamente, Lukasz se desespera ao perdê-lo, mas ao saber de seu paradeiro corre atrás e numa bela cena consumam o amor, porém as coisas não são tão simples, a moralidade impera e nesse ambiente a única maneira de sobreviver é fazer parte dele. A cena final é triste e esmagadora, ta aí o porquê do título "Em Nome de..."
É uma obra bonita, contestadora e definitivamente vale a pena para poder abrir o olhar perante um tema que continua sendo polêmico. O longa também denuncia a hipocrisia que habita os antros religiosos, que ao invés de libertar e pregar o amor acaba aprisionando e oprimindo. Jovens que por se sentirem mal com seus desejos veem na igreja uma suposta salvação, uma fuga de si mesmo, mas é óbvio que num momento ou outro eles vêm à tona. Há muita culpa, solidão, sofrimento, e então percebemos o quanto a religião faz mal e castra o que de mais bonito o ser humano pode sentir, o amor. De ritmo lento e priorizando os detalhes, os sentimentos e as agonias, "Em Nome de..." é um filme crítico, sensível e imensamente bem construído.
sexta-feira, 14 de agosto de 2015
Jauja
"Jauja" (2014) de Lisandro Alonso (Liverpool - 2008) é um filme difícil e até maçante, mas não deixa de ser interessante. Rodado no formato clássico 4:3 com contornos arredondados e uma fotografia estonteante em cores saturadas, o deserto é o grande protagonista, os planos abertos exemplificam a sua importância em relação aos personagens que quase nunca são mostrados de perto.
Os dinamarqueses Gunnar Dinesen (Viggo Mortensen) e Ingeborg (Viilbjørk Malling Agger), pai e filha, viajaram de seu país de origem para um deserto que, aparentemente, situa-se nos confins da terra. A sua filha acaba fugindo ao se apaixonar e o pai parte em uma violenta busca para encontrá-la. A única certeza é que todos que tentaram se encontrar neste lugar se perderam pelo caminho. Jauja é uma terra mítica repleta de felicidade e abundância, assim como Eldorado, mas todos que tentam chegar ao local acabam se perdendo.
O filme se passa na Patagônia do século XIX, durante o período das colonizações, onde está havendo muitos conflitos, um personagem constantemente citado mas que nunca aparece é o ex-general Zuluaga, que divide opiniões sobre sua índole. Correm alguns boatos sobre ele, como por exemplo estar cometendo roubos vestido de mulher, o que para os oficiais chega a ser fantasioso. Corto, o jovem soldado é incumbido de saber mais sobre isso, mas a noite rouba um cavalo e foge com a filha de Gunnar, que ao se dar conta fica enraivecido e parte sozinho em busca de Ingeborg.
O filme tem poucos diálogos, o que importa de fato é a imagem e a sensação que ela provoca, a angústia, a solidão e o desespero do personagem é tão forte que é inevitável não se sentir mal, a demora incomoda. O cenário é grandioso, o deserto engole a vida humana, chega um momento que a incansável busca de Gunnar ultrapassa a lógica de tempo e espaço. Entre alucinações algumas questões ficam pairando no ar, e o pior é que as respostas das quais criamos em nossa mente são insatisfatórias, somos jogados junto com o protagonista naquele deserto do qual não há escapatória, apenas andar, andar para nada encontrar.
Jauja se assemelha a um sonho, uma miragem, ou um amontoado de memórias onde nada faz sentido. Exige-se paciência, a narrativa não convencional nos deixa inquietos, mas a beleza está presente para quem quiser vê-la, além de que o filme deixa uma questão dificílima de responder. A proposta do filme é diferente, portanto para quem aprecia algo mais experimental é aconselhável, sua estética é linda e sua narrativa é cheia de possibilidades. O silêncio é bem trabalhado e o sentimento de agonia permeia toda a trama, é um perder-se na imensidão. Introspectivo e surreal é uma obra para se admirar e adentrar num universo repleto de perguntas.
quarta-feira, 12 de agosto de 2015
O Orador (O Le Tulafale)
"O Orador" (2012) de Tusi Tamasese reflete sobre tradições fincadas nos princípios do amor e do respeito, é um curioso retrato sobre a cultura samoana.
O filme conta a história do agricultor Saili e sua família que procuram viver em paz, e para isso evitam, ao máximo, o contato com outras pessoas de sua vila. Porém, diversos acontecimentos o obrigarão a assumir seu papel de líder. Quando uma tragédia se abate sobre sua família, Saili deve superar suas dificuldades físicas e sociais e impor-se, rompendo sua invisibilidade social e conquistando o respeito de sua comunidade.
As ilhas Samoa fica no sudoeste do oceano pacífico, a meio caminho entre o Havaí e a Nova Zelândia, definitivamente um pontinho perdido no meio do oceano pacífico, e sem dúvidas um lugar belíssimo por sua natureza e interessante por suas tradições. É o primeiro longa-metragem vindo de lá e uma ótima oportunidade de conhecer a cultura local, assim como as suas belezas. Falado no idioma samoano o longa é um drama contemporâneo sobre honra, coragem e questões de superação. Saili (Fa'afiaula Sanote) é um anão agricultor casado com uma mulher que foi banida da família, ela não pode frequentar os lugares e portanto se mantém afastada em um casebre isolado da aldeia juntamente com sua filha Litia (Salamasina Mataia), uma adolescente como qualquer outra a descobrir as novidades da vida. Em dado momento ela se envolve com um homem casado e termina por engravidar. Vaaiga (Tausili Pushparaj) é uma mulher calma e que está muito doente, o tempo todo a vemos fazendo artesanatos.
A terra é muito importante para eles, é passada de geração em geração, e a morte é algo que não existe, os seus parentes são enterrados no quintal de casa para que continuem de algum modo ainda vê-los. Os antepassados tem grande peso sobre a família, há muito respeito por aqueles que se foram. A religião é muito cultivada e todos seguem corretamente os horários de cada oração. O perdão é outra coisa abordada no longa, existe um ritual em que a pessoa se ajoelha na frente da casa coberta por um manto até que seja perdoada.
Há muita ternura no personagem, um lado quase inocente em percorrer pela vida. A simplicidade rege o seu caminho, mas a coragem vai crescendo dentro dele devido as circunstâncias. Saili precisa arranjar forças quando sua esposa morre, pois o irmão leva o corpo a fim de enterrá-la com os seus, mas isso é injusto e Saili necessita ganhar voz e se tornar um orador, o que só o chefe da aldeia pode conceder, e assim poder ir formalmente em nome de sua comunidade até a família de Vaaiga e conseguir a permissão para ficar com o corpo dela. Uma das cenas mais emocionantes é quando Saili cava o buraco no quintal de sua casa do qual enterrará sua mulher e acaba por ficar preso lá sob uma pesada chuva, quem o salva é Litia, que até então não gostava dele, também é ela que o segue quando ele se torna orador, aliás a única. Esse momento é sublime e demonstra amor, honra e coragem.
"O Orador" é um filme tranquilo, silencioso e que traduz muito bem a cultura da Samoa. As coisas são ditas quando precisam ser ditas, não há desperdício de palavras, tem até um diálogo entre mãe e filha que diz assim: "Uma pedra pode apodrecer, mas as palavras não. As pessoas falam muito." Isso exemplifica o quanto de valor eles dão para o que se é dito, por isso existem os rituais de perdão e de oratória, para que se aprenda a usar o dom da fala de maneira adequada.
Refletindo valores, cultura e tradições, é uma linda obra vinda desse paraíso perdido!
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
Corações Famintos (Hungry Hearts)
"Corações Famintos" (2014) dirigido pelo italiano Saverio Costanzo (A Solidão dos Números Primos - 2010) é um drama psicológico intenso e excruciante.
Baseado no livro de Marco Franzoso, "Il bambino indaco", conta sobre Jude (Adam Driver), um americano e Mina (Alba Rohrwacher), uma italiana. Os dois se conhecem, por um acaso, na porta do banheiro de um restaurante e se apaixonam. Rapidamente, eles se casam e vão ter um bebê. Desde o início da gestação, Mina tem certeza que seu filho será uma criança especial. Quando ele nasce, uma luta interna será travada pelo casal por conta das excentricidades de Mina, que pode estar afetando a saúde daquela criança. Uma batalha que afetará, para sempre, essa história de amor. Surpreendente o desenrolar da trama, o início se dá de forma leve e bem-humorada, os dois se conhecendo em uma situação constrangedora no banheiro de um restaurante. Mina trabalha pra embaixada, Jude é engenheiro, ambos solitários e prontos para amar.
A história corre rápido, os vemos apaixonados, curtindo momentos agradáveis juntos e não demora para que Mina engravide, o que os pegam desprevenidos e adiando planos. Um dos últimos instantes felizes do casal será o casamento, pois Mina entra em parafuso em relação ao bebê que carrega, principalmente depois de ir a uma vidente e esta lhe dizer que a criança que espera é um ser índigo, predestinada e especial. A coisa fica feia de fato quando ela decide não ir ao médico para fazer os exames de praxe e em não se alimentar adequadamente. A sua aparência vai se modificando, fica pálida e praticamente esquelética. Jude é atencioso e tenta de tudo para que Mina entenda as circunstâncias, mas ela se nega e quer fazer do seu jeito, o excluindo até de ser pai. Tudo gira obsessivamente em torno de seu filho, mas esse excesso o prejudica, já que sua maneira de cuidar inclui alimentá-lo apenas com legumes que ela própria planta, não o deixar tomar ar puro, além de ninguém poder tocá-lo sem uma higienização exacerbada. Jude muito preocupado um dia leva o bebê escondido ao médico, e este lhe receita vitaminas e nutrientes dos quais estão faltando para seu desenvolvimento normal. Jude começa a alimentá-lo secretamente com papinhas, carnes e leite, enquanto Mina também escondida lhe dá um composto estranho.
A falta de diálogo neste ponto é imensa. Impressionante a mudança drástica da personagem, tanto fisicamente como psicologicamente, sentimos raiva de sua maneira de se portar, e também por Jude não tomar uma iniciativa e levá-la a força para se tratar. Chega um ponto em que torcemos para que ele chame a assistência social. Os dois se tornam rivais e disputam a criança e confunde os espectadores, ora entendemos Jude, ora Mina, que acaba se tornando passiva e imensamente doente. É dolorido vê-la sofrendo tanto, assim como dói ver Jude tentando fazer alguma coisa.
Com o decorrer dos acontecimentos o modo como vemos o casal vai mudando. Uma das coisas mais interessantes destes filmes sobre gravidez é que desmistifica vários conceitos, como o instinto materno, o amor incondicional e todas as maravilhas que pintam em torno de se estar grávida. A adaptação custa, não é de uma hora pra outra, além de que varia de mulher pra mulher. Outra coisa que o filme discute é sobre a desinformação, por exemplo, Mina se torna vegana sem ter uma base, um apoio nutricional.
A tensão vai aumentando aos poucos culminando num final estarrecedor. Mina dá a sensação de claustrofobia, enquanto Jude nos dá a sensação de desespero. É um filme que provoca a mente do espectador, nos deixando a pergunta sobre o que faríamos em uma situação dessas. "Corações Famintos" passeia por alguns gêneros e nos brinda com atuações intensas e inquietantes, uma obra que se revela impressionante resultando e um amontoado de questões.
sexta-feira, 7 de agosto de 2015
Uma Família de Tóquio (Tôkyô Kazoku)
"Uma Família de Tóquio" (2013) de Yôji Yamada (Chiisai Ouchi - 2014) é uma refilmagem do clássico cultuado "Era Uma Vez em Tóquio" (1953) de Yasujiro Ozu, na verdade é uma bela homenagem para celebrar os 50 anos da obra, e nessa versão atual Yamada consegue ser tão bom quanto, os conflitos familiares e a tradição foram atualizados e o que vemos é um lindo drama emocional repleto de simplicidade e reflexão.
Um casal idoso que mora em um vilarejo no Japão decide tomar um trem e visitar os filhos adultos em Tóquio. Chegando no local, eles descobrem que os filhos levam vidas muito ocupadas e diferentes das suas, e que não têm tempo para dedicar aos seus pais. Apenas uma morte trágica reunirá todos, permitindo que conversem e descubram porque se afastaram tanto uns dos outros. Logo no início acompanhamos a impaciência dos filhos em relação a chegada dos pais e então vamos aos poucos nos familiarizando com os personagens, o mais velho Koichi (Masahiko Nishimura) é médico e portanto tem pouco tempo, a sua mulher fica encarregada de acolhê-los o melhor possível, a outra filha, Shigeko (Tomoko Nakajima), que é cabeleireira e também não quer ter obrigações em um momento dá a ideia de colocá-los num hotel para poder dar seguimento a sua vida normal. O casal de idosos fica de lá pra cá e sentem pelo filho caçula, Shoji (Satoshi Tsumabuki), que aparentemente não tem rumo na vida.
Shukichi (Isao Hashizume) e Tomiko Hirayama (Kasuko Yoshiuki) são como um peso para eles, nas cenas o desconforto é aparente e conforme os dias vão passando isso tudo se torna bem triste, chega um ponto que o casal não quer perturbar mais os filhos e decidem se virar sozinhos, enquanto o pai vai na casa de um amigo e acaba num bar, a mãe vai na casa de Shoji, que se depara não com um filho bagunceiro, mas com um ser humano que se permite viver e amar, inclusive o dia mais lindo para Tomiko é este, pois conhece Noriko (Yû Aoi), a namorada de Shoji.
O filme promove a reflexão sobre o papel de cada um dentro da família, assim como as expectativas que os pais depositam nos filhos, e também quando estes constroem suas próprias famílias os deixando de lado. Aonde é que os pais se encaixam diante a uma vida corrida em que não há tempo para sentar, conversar e até sentir carinho? Dissertando sobre valores, como lealdade, honra, respeito, o contraste de gerações e a perda de tradições na atualidade, acabamos por olhar para nós mesmos e nos perguntarmos qual o papel que exercemos na nossa família.
Sensível em questionar uma sociedade que não acolhe seus idosos, os dois parecem não ser dali, não há mais os ensinamentos e as tradições, como a dedicação pela família, assim como Tomiko nos mostra, tudo é muito ágil, as pessoas só pensam em trabalhar para poder comprar e a falta de tempo acaba destruindo grande parte destes valores. O tema do filme é universal, pois no cerne as famílias são todas iguais, o conflito geracional, de valores, a perca de intimidade devido a distância, etc...
Dotado de delicadeza, o casal protagonista carrega uma doçura ao mesmo tempo que uma rigidez. Imergimos em cenas cotidianas simples e carregadas de questionamentos. Uma linda homenagem de Yamada ao valoroso clássico de Ozu, que retrata as consequências da velhice e no como as relações se perdem independente de laços familiares.
quinta-feira, 6 de agosto de 2015
O Mundo (Shijie)
"O Mundo" (2004) de Jia Zhang-Ke (Mountains May Depart - 2015) retrata a China moderna e o quanto ela ainda é fechada, apesar de sua ocidentalização.
O parque Mundo fica na região central de Pequim e é o lugar onde os visitantes podem ver monumentos internacionais sem sair da cidade, ele exibe várias réplicas em menor proporção da Torre Eiffel, do Arco do Triunfo, do Big Ben, da Torre de Pisa, das Torres Gêmeas, do Taj Mahal, das Pirâmides do Egito, etc. Nesse falso universo acompanhamos a vida de alguns jovens, todos solitários, desamparados e sem perspectivas. Essa falsificação do mundo reflete muito bem o como os chineses se sentem em relação a suas vidas, em muitos diálogos dizem que não precisam sair de lá para ver o mundo e assim continuam a exercer atividades falsas em um lugar falso.
Alguns personagens se sobressaem, Tao vive suas fantasias no parque, a jovem dançarina e seu namorado fazem performances em frente à réplica do Taj Mahal, da Torre Eiffel e do Big Ben. Mas a relação dos dois está num impasse, pois Tainsheg sente-se atraído pela bela designer Qun que ele encontrou numa viagem. Enquanto isso, a jovem Xiaowei questiona seu futuro, já que o namorado Niu é um irresponsável. Todos eles formam o retrato de uma nova geração sem horizontes de futuro.
O filme é monótono, assim como a vida dos jovens representados, a sensação de vazio é enorme, Tao se apega a seu namorado e sente medo que ele a traia, inclusive diz que é capaz de matá-lo, Tainsheg se encanta por uma mulher mais velha que copia as roupas que fazem sucesso no ocidente. A história caminha sem grandes eventos, mostra-se o cotidiano no parque, as apresentações, o trabalho de segurança de Tainsheg e os relacionamentos confusos entre eles. Outro personagem que se destaca mesmo aparecendo pouco é irmãzinha, apelido de um amigo de infância de Tainsheng, que sai do interior para tentar trabalhar em obras, infelizmente seu desfecho não é satisfatório e vemos o como as pessoas se portam diante o fato, inclusive os familiares.
O diretor prima em retratar a realidade atual da China e o quanto seu desenvolvimento é rápido e abrupto. "O Mundo" disserta sobre a incomunicabilidade, a solidão, os avanços tecnológicos e o capitalismo. Jia Zhang-Ke é brilhante ao expor as relações humanas, o vazio e a sensação de deslocamento dos jovens chineses.
"O Mundo" tem um tom documental e uma fotografia exuberante em cores vibrantes, os personagens são distantes uns dos outros mesmo se relacionando, são sentimentos distorcidos por uma realidade que aprisiona e que sequer exibe uma luz que indique um caminho melhor. O parque é uma ilusão, os visitantes se exibem diante das réplicas, fotografam e dão a volta pelos cinco continentes em um dia, esquecem-se de seus problemas e se deslumbram com sonhos, assim como a própria propaganda prega. É um filme interessante e que propõe refletir sobre a rapidez agressiva com que a China cresce e o como isso reflete na população.
quarta-feira, 5 de agosto de 2015
Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência (En Duva Satt på en Gren och Funderade på Tillvaron)
"Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência" fecha a trilogia "sobre ser um ser humano" de Roy Andersson, e mais uma vez ele fez a proeza de analisar a espécie humana de fora, consequentemente refletimos sobre toda a estupidez que permeia nossa vida. O primeiro "Canções do Segundo Andar" (2000), continua sendo meu favorito, talvez pelo impacto da narrativa e seus simbolismos ao retratar a morte da cultura e o humor negro em relação a nós humanos em não ter mais tempo de sentar, ouvir e pensar diferente. O segundo "Vocês, os Vivos" (2007), é ainda mais irônico e ridiculariza certas ações das quais nós nem percebemos que fazemos no dia a dia, todas praticamente sem sentido, mas que continuamos a fazer para a engrenagem seguir funcionando. A comédia é inserida em todos os seus filmes, porém não é nada convencional, rimos mas logo percebemos que estamos rindo de nós mesmos. O terceiro segue dois homens – um vendedor ambulante e um homem com um ligeiro distúrbio mental. Pelo filme afora vamos assistindo às explicações do vendedor de como a sociedade realmente é. O longa é baseado num detalhe (os pássaros pousados em galhos) de um famoso trabalho a óleo de Pieter Brueghel, intitulado "Os Caçadores na Neve".
Se a existência for analisada de muito perto ela se torna insustentável, por isso o distanciamento se faz necessário, o absurdo está praticamente em tudo, como no cotidiano tedioso de empregos escrotos, de pessoas que não se interessam pelo outro verdadeiramente e que apenas os usam conforme vão precisando. A aparência dos personagens segue o padrão dos outros longas anteriores, todos pálidos, lentos e quase sem vida. Completamente melancólicos, os dois protagonistas vendem objetos que dizem alegrar pessoas, eles garantem o riso, o que torna tudo ainda mais engraçado é o fato de que tanto os objetos como eles próprios são inúteis. Tomar consciência da sua existência é uma das coisas mais desesperadoras, um dos escapes dos personagens é a bebida, cenas no bar são uma constante. Em dado momento um deles diz: "O que seria da vida se não tomássemos umas?"
A narrativa não tem linearidade, são cenas aleatórias que alternam personagens e situações, algumas bem difíceis de decifrar, mas que propõem o que o próprio título explica, a câmera sempre está estática, mas há grande movimentação de personagens, principalmente aqueles que estão ao fundo. Muitas coisas se passam na tela, desde bobagens cotidianas a grandes tragédias, incluindo a guerra, massacres e o poder que alguns seres acreditam ter sobre outros. Simbolismos vão e vêm, repetem-se conforme o desenrolar, um deles é a frase sempre dita ao telefone: "Fico feliz que esteja tudo bem". Frases que costumamos articular no automático sem se preocupar em sua veracidade, por exemplo quando perguntamos se está tudo bem a alguém, sendo que nem queremos saber a resposta. Não importa, são apenas convencionalidades, infelizmente.
Antes que o título te seduza é preciso saber que se está diante de um filme existencialista e filosófico, para quem não tem o hábito de assistir obras com narrativas diferenciadas não irá gostar, tudo nele é estranho, agora quem curte experimentar e aprecia este estilo de cinema vá sem medo. É um estudo crítico e cômico ou ainda trágico sobre os seres humanos. Diversas interpretações podem ser dadas, é subjetivo e particular, algumas passagens refletem o quanto estamos deslocados no mundo, apenas percorrendo pelos dias sem nem mesmo saber se é quarta ou quinta. Nos conectamos com a história de acordo com as situações que se assemelham a nossa própria vida. Vale ressaltar seu prólogo que retrata três mortes e que até mesmo aí o ser humano é capaz de ser absurdo e sem sentido.
"Um Pombo Pousou..." observa o ser humano em momentos cotidianos, o como ele acontece na vida e o que a vida representa para ele. Mesmo tendo um tema pesado e até medonho, pois muitas pessoas evitam pensar literalmente em suas vidas e no seu inevitável fim, tudo é conduzido com um peculiar bom humor, rimos das situações, mas logo o sorriso se afrouxa e lembramos que também fazemos parte deste grande teatro chamado vida.
Assinar:
Postagens (Atom)