quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018
A Deusa de 1967 (The Goddess of 1967)
"A Deusa de 1967" (2000) dirigido por Clara Law (Temptation of a Monk - 1993) é um road movie excêntrico que mistura vários elementos e que tem como fio condutor o carro-fetiche da Citröen, o modelo Déesse. Alternando entre cenas delicadas, poéticas, simbólicas e outras difíceis e tristes de encarar somos completamente absorvidos por uma oscilante e cativante trama.
Tóquio. J.M. (Rikiya Kurokawa) leva uma vida de consumo, tendo como grande sonho a compra de um Citroën DS 1967. O carro é popularmente conhecido como "deusa". Ele fecha a compra através da internet, com um australiano, e ao chegar para pegá-lo apenas encontra B.G. (Rose Byrne), uma jovem cega. Ela lhe conta que o dono do carro atirou na esposa e, em seguida, se matou. Como J.M. ainda está interessado em fechar negócio, B.G. o convida para dirigir o carro até seu verdadeiro dono, que está a cinco dias do local.
Identifica-se logo no início que se está diante de um filme diferenciado e essencialmente cult, tudo acontece de forma estranha, a narrativa é um quebra-cabeças repleto de mensagens simbólicas, a fotografia subexposta gera um clima de sonho e melancolia, o desenvolvimento não convencional proporciona momentos belíssimos e inspirados, os personagens ambos esquisitos e solitários vão se abrindo um para o outro durante a viagem, e ao mesmo tempo que revelam traumas, dores e segredos se unem e experimentam algo novo surgir.
Tudo começa quando J.M fecha a compra pela internet do seu maior sonho, o Citröen DS, um ícone da vanguarda tecnológica, seu desenho e desempenho para a época o fizeram ter fama e por isso, um fetiche para colecionadores, mas o bizarro personagem coleciona cobras e não carros, porém ele não pensa duas vezes, arruma suas coisas e parte para a Austrália, mas chegando lá se depara com uma cena horrorosa, há sangue por todos os lados e cérebro grudado no teto, quem lhe recebe é B.G, uma moça cega que diz que o verdadeiro dono do carro mora a cinco dias dali, como ele está muito afim de ter a Deusa concorda com a viagem pelo amplo deserto australiano, e aí as verdadeiras intenções de B.G vão sendo aos poucos reveladas, ela deseja vingança e J.M também possui suas marcas e segredos, os dois depois de um período acabam conversando bastante e sem perceberem se unem.
Interessante o como a câmera capta os detalhes do carro lhe conferindo uma beleza rara e fetichista, há várias partes que nos introduzem à história do carro, comerciais e detalhes fascinantes, a quantidade de modelos fabricados, suas soluções tecnológicas, como as suas suspensões que davam a impressão de flutuar, o seu desenho futurista, os faróis direcionais na versão de 1967, a Deusa redefiniu vários conceitos, foi caracterizada como a suprema criação de uma era, o modelo ficou ainda mais conhecido quando o presidente Charles de Gaulle escapou de uma tentativa de assassinato. O personagem se emociona ao dirigi-la e diz que se inspirou a comprar quando assistiu o filme "O Samurai", cujo protagonista assassino interpretado por Alain Delon dirige uma Deusa.
A sofisticação do visual encanta e inebria, as cenas são dotadas de uma aura profunda e melancólica, porém possui humor em algumas passagens, como quando J.M para o carro no meio da pista para observar um lagarto e é mordido no dedo, segundo B.G, o lagarto só o soltará quando ele demostrar respeito, então ficam lá no deserto por horas.
Os episódios de flashbacks são importantes para que conheçamos os personagens mais a fundo e entendamos suas dificuldades de interação, especialmente de B.G que possui uma história marcada por abuso físico e psicológico, sua sede de vingança contra o avô é imensa, mas percebemos que sua essência é pura, e J.M é um gentil companheiro que a ajuda a descobrir muitas coisas, ao passo que ela também o ajuda a descobrir outras.
"A Deusa de 1967" é um exemplar que tanto pode agradar aos mais sensíveis e curiosos, mas também pode desagradar a quem não consegue embarcar em propostas diferenciadas, sem dúvidas o que mais chama a atenção é seu visual e suas cenas inspiradas, como a que B.G pede para J.M a ensiná-la dançar ao som de "Walk Don't Run", de The Ventures.
terça-feira, 27 de fevereiro de 2018
Selva (Jungle)
"Selva" (2017) dirigido por Greg McLean (Wolf Creek - 2005) é baseado no livro "Jungle: A Harrowing True Story of Survival", onde conta as memórias e experiências do mochileiro israelense Yossi Ghinsberg, que aconteceu em 1981. O filme exibe momentos de muita tensão e o cansaço do personagem transpassa a tela, uma ótima e crível interpretação de Radcliffe que em todos os instantes captura nossa atenção, seja na ansiedade e impulsividade de querer adentrar a Amazônia, no receio quando percebe que as coisas não saíram como previsto e depois abandonado na selva buscando sobreviver e manter a mente sã. A entrega do ator se deu através do físico também, a fragilidade humana perante à natureza é impressionante.
Yossi Ghinsberg (Daniel Radcliffe) que, acompanhado de dois amigos, viaja até a cidade de La Paz na Bolívia para o que seria uma aventura inesquecível. Guiados pelos caminhos desconhecidos da Amazônia por um austríaco que mora no local há anos, os amigos embarcam numa viagem pela selva que se transforma em um pesadelo de onde nem todos voltarão com vida.
Acompanhamos um jovem com sede de desbravar novos lugares, mas não os pontos turísticos tão frequentados, ele está disposto a ir onde ninguém foi, e por sorte, ou não, encontra Karl (Thomas Kretschmann), um sujeito que quer realizar uma expedição em busca de ouro numa tribo que habita uma parte remota da floresta amazônica, passando confiança e experiência Yossi se fascina com a ideia e convence Marcus (Joel Jackson), um cara alto-astral que conheceu em La Paz e o amigo dele, o fotógrafo e mochileiro veterano Kevin (Alex Russell). Super animados entram nesta jornada, mas não imaginavam que enfrentariam tantos problemas e se deparariam com situações extremas. Marcus é o primeiro a senti-las, seus pés ficam totalmente machucados e o impedem de seguir mais rápido, quanto mais se fica na floresta mais pesada se torna, tanto para o físico quanto para o psicológico. De repente, Karl parece não ser um expedicionário experiente e isso irrita Kevin, principalmente quando precisam seguir pelo rio por conta de Marcus, o rio é traiçoeiro e pode ser fatal. Decisões devem ser tomadas, então Marcus segue com Karl a pé até a aldeia mais próxima e Yossi e Kevin seguem pelo rio, e é aí que tudo dá errado e os dois se separam, Yossi se encontra sozinho e com o passar do tempo com pouco para se manter e nutrir esperanças seu corpo e sua mente vão minguando.
A tensão, o medo e as incertezas pelas quais o personagem sofre são passadas ao espectador de maneira emocionante ainda que o filme tenha um andamento monótono e a luta pela sobrevivência não ter tantos momentos de ação, toda a trajetória é detalhada e a beleza da natureza selvagem é exposta com esmero, há uma cena belíssima quando o personagem completamente destruído depois de suportar tempestades, se deparar com animais perigosos, andar em círculos e sobreviver à areia movediça, encontra um local seguro e simplesmente se deita e sorri, estar ali é um misto de angústia e fascinação. São belos planos dentro da selva e chega um ponto que sua mente se esvai, começa a alucinar e daí alguns flashbacks acontecem, por exemplo, o pai não compreender seu desejo de explorar.
"Selva" é um bom filme de espírito aventureiro e sobrevivência, prende a atenção e surpreende pela ótima interpretação de Radcliffe.
sábado, 24 de fevereiro de 2018
15 Filmes sobre Sonhos (15 Dream Movies)
Segue uma lista que explora o universo dos sonhos, suas camadas, seus mistérios, suas belezas, o onírico se mesclando à realidade, são diversas as obras que passeiam por essas características, portanto, os listados são apenas uma pequena amostra do quão fascinante é quando inconsciente e consciente se unem.
Cesar (Eduardo Noriega) é jovem, rico e bonito. Em torno dele, duas mulheres (Penélope Cruz e Najwa Ninri), mas uma armadilha do destino vai fazer com que ele viva um pesadelo terrível. Tudo começa com um acidente, em que sua namorada morreu e seu rosto foi desfigurado e, para piorar as coisas, ele foi acusado de assassinato e condenado. Ainda na prisão, se submete a várias cirurgias e consegue recuperar seu belo rosto. Mas começa a apresentar um comportamento estranho, que intriga o psiquiatra local.
14- "Sonhando Acordado" (La Science des Rêves - 2006) de Michel Gondry
Stephane Miroux (Gael García Bernal) vê seus sonhos invadirem constantemente a vida real. Quando dorme, se transforma no carismático apresentador do programa "Stephane TV", explicando sua "ciência dos sonhos" na frente das câmeras de papelão. Na vida real, tem um trabalho chato numa editora de calendários em Paris. Ele flerta com a vizinha Stephanie (Charlotte Gainsbourg), mas a moça não está disposta a encarar alguém como ele. Guy (Alain Chabat), colega de trabalho de Stephane, até tenta ajudá-lo na conquista, mas nada funciona. Incapaz de chegar ao coração de Stephanie na vida real, Stephane procurará as respostas em seus sonhos.
13- "Ladrão de Sonhos" (La Cité des Enfants Perdus - 1995) de Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro
Krank (Daniel Emilfork) envelhece numa nebulosa torre aquática por não poder sonhar e tenta resolver a sua limitação sequestrando as crianças das cidades vizinhas para lhes roubar os sonhos. One (Ron Perlman), um caçador de baleias, forte como um cavalo, sai em busca de Denree, seu irmão mais novo que fora sequestrado pelos homens de Krank. Com a ajuda da menina Miette (Judith Vittet), logo eles chegam na cidade das crianças perdidas.
12- "Rabbits" (2002) de David Lynch
É assustador, estranho e até mesmo engraçado. Rabbits é a mãe e o pai de todos os pesadelos. A atuação, os movimentos, as luzes e as câmeras nos levam ao pavoroso e indecifrável mundo do subconsciente, do qual nunca mais iremos querer acordar.
11- "Alice" (Neco z Alenky - 1988) de Jan Svankmajer
Quando Alice seguiu o Coelho Branco no País das Maravilhas, iniciou-se assim uma surpreendente e perigosa aventura onírica pelo mundo infanto-juvenil. O animador tcheco Jan Svankmajer criou uma obra-prima, interpretando de maneira mais surreal e absurda possível o clássico conto de Lewis Caroll. Combinando técnicas de animação e atores reais, ele deu uma nova e fascinante dimensão para uma das melhores fantasias já escritas.
10- "Dream" (Bi-Mong - 2008) de Ki-duk Kim
Jin acorda depois de ter sonhado com um acidente de trânsito ao estar seguindo sua ex-namorada. Guiado pelo sonho, chega até o lugar dos fatos e ali se encontra com o acidente, que realmente aconteceu, e que aconteceu exatamente igual ao seu sonho. Ele segue a polícia até a casa da suspeita, Ran, e alí é testemunha de como ela nega a acusação de atropelamento e fuga, já que declara ter dormindo toda a noite. Jin explica seu sonho aos policiais e pede que acusem ele no lugar dela. A polícia o vê como um louco e prende Ran. Jin logo percebe que, cada vez que ele sonha, Ran, sonâmbula, representa inconscientemente seu sonhos na vida real.
09- "O Congresso Futurista" (The Congress - 2013) de Ari Folman
Uma atriz em fim de carreira (Robin Wright) decide aceitar uma proposta ousada, mas muito bem paga, para ter melhores condições de cuidar de seu filho, portador de deficiência física. Segundo o acordo, ela deve colaborar com uma empresa que vai fazer uma versão digital de sua imagem, criando assim uma atriz virtual idêntica à ela mesma. Enquanto a empresa pode utilizar essa imagem virtual para os fins que desejar, a atriz real será proibida de atuar até o resto de sua vida. Aos poucos, ela começa a perceber as consequências catastróficas da atitude que tomou.
08- "A História de Marie e Julien" (Histoire de Marie et Julien - 2003) de Jacques Rivette
Julien (Jerzy Radziwilowicz) é um relojoeiro frustrado de 40 anos, que está chantageando Madame X (Anne Brochet): ele sabe de coisas misteriosas que a envolvem no tráfico de objetos antigos, mas desconhece a ligação entre ela e a sublime Marie (Emmanuelle Béart), por quem Julien havia se apaixonado perdidamente cerca de um ano antes. Tendo reencontrado a amada, ele percebe que algo mudou no seu comportamento: apesar do seu crescente amor por Julien, Marie parece incapaz de encontrar a sensação das coisas. Julien fará o que puder para ajudar Marie a se liberar desse estado.
07- "Cidade dos Sonhos" (Mulholland Dr. - 2001) de David Lynch
Um acidente automobilístico na estrada Mulholland Drive, em Los Angeles, dá início a uma complexa trama que envolve diversos personagens. Rita (Laura Harring) escapa da colisão, mas perde a memória e sai do local rastejando para se esconder em um edifício residencial que é administrado por Coco (Ann Miller). É nesse mesmo prédio que vai morar Betty (Naomi Watts), uma aspirante a atriz recém-chegada à cidade que conhece Rita e tenta ajudar a nova amiga a descobrir sua identidade. Em outra parte da cidade o cineasta Adam Kesher (Justin Theroux), após ser espancado pelo amante da esposa, é roubado pelos sinistros irmãos Castigliane.
06- "Corpo e Alma" (Testről és Lélekről - 2017) de Ildikó Enyedi
Uma história de amor que começou em sonho, literalmente. Numa dualidade entre o dormir e o acordar, duas pessoas que não se conhecem têm sonhos exatamente iguais, e acabam se encontrando diariamente todas as noites nesse mundo paralelo de fantasia. Quando chega a hora de se encontrarem de verdade, a situação se mostra ainda mais complexa. Saiba+
05- "Paprika" (Papurika - 2006) de Satoshi Kon
Num futuro próximo, o Dr. Tokita (Tôru Furuya) inventa um poderoso aparelho chamado DC-Mini, que torna possível o acesso aos sonhos das pessoas. Sua colega, a Dra. Atsuko Chiba (Megumi Hayashibara), psicoterapeuta e pesquisadora de ponta, desenvolve um tratamento psiquiátrico revolucionário a partir do aparelho. Mas, antes de seu uso ser sancionado pelo governo, o DC-Mini é roubado. Quando vários dos pesquisadores do laboratório começam a enlouquecer e a sonhar em estado de vigília, Atsuko assume seu alter-ego, Paprika, a bela "detetive de sonhos", para mergulhar no mundo do inconsciente e descobrir quem está por trás da tragédia.
04- "Sereia" (Rusalka - 2007) de Anna Melikyan
Era uma vez, uma garota chamada Alisa, que morava numa cidade litorânea, cantava no coral, sonhava em ser bailarina e tinha um dom: transformar desejos em realidade. Aos seis anos, ela parou subitamente de falar e passou a frequentar uma escola especial. Aos 17 anos, se mudou para Moscou e o destino a levou a conhecer um homem com um profundo desejo de ser salvo e protegido. Alisa decidiu ajudá-lo, sem saber que sua vida mudaria para sempre. Saiba+
03- "O Fantasma da Sícilia" (Sicilian Ghost Story - 2017) de Antonio Piazza e Fabio Grassadonia
Giuseppe (Gaetano Fernandez) é um corajoso garoto de 13 anos de idade, que desapareceu nas mediações de uma misteriosa floresta localizada na pequena aldeia em que vivia. A única pessoa que parece não se conformar com o sumiço dele é a pequena Luna (Julia Jedlikowska), que está disposta a enfrentar todos os perigos para resgatar seu amigo. Saiba+
02- "Acordar para a Vida" (Waking Life - 2001) de Richard Linklater
Após não conseguir acordar de um sonho, um jovem passa a encontrar pessoas da vida real em seu mundo imaginário, com quem têm longas conversas sobre os vários estados da consciência humana e discussões filosóficas e religiosas.
01- "Sonhos" (Dreams - 1990) de Akira Kurosawa
"Sonhos" é uma obra baseada em sonhos verdadeiros que Kurosawa teve ao longo de sua vida, dividido em oito segmentos destaca-se alguns temas bem recorrentes, como a morte e a guerra. Somos contemplados por tradições e passeamos pela cultura japonesa. Por mais que se fale deste filme nunca será o suficiente, é daqueles que toda vez que é assistido tira-se algo de novo. Saiba+
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018
Dalida
"Dalida" (2016) dirigido por Lisa Azuelos (Um Reencontro - 2014) é um filme biográfico que foca na personalidade da mais importante cantora francesa do século XX, Dalida não fez sucesso apenas na França, ela conseguiu ser amada pelo seu talento em várias partes do mundo, como Áustria, Alemanha, Holanda, Grécia, Líbano, Rússia, Japão e ainda conquistou o difícil mercado estadunidense. A vida desta mulher foi marcada por ilusões, perdas, tristezas e momentos sublimes, a história discorre sobre sua personalidade complexa e uma vida repleta de desespero, beleza e brilho.
A vida, obra e trajetória da cantora Dalida (Sveva Alviti) que nasceu no Cairo e se tornou um ícone da música francesa e mundial. Cantando em diversas línguas diferentes, uma mulher nascida para uma vida de sucessos e de fama, atuando em filmes famosos e vendendo milhões de discos no mundo inteiro até sua trágica morte.
A vida de Dalida foi um turbilhão de emoções, ainda no Cairo modelou e atuava em filmes, aconselhada a fazer carreira de atriz na França, o que de início não aconteceu, sua estrela brilhou de fato quando se apresentou em um show de calouros, onde Bruno Coquatrix, Eddy Barclay e Lucien Morisse se encantaram pela figura misteriosa dela e a colocaram num patamar de diva rapidamente, as canções atingiam o público em cheio e ganhou enorme prestígio entre outros artistas. Dalida mantinha um romance com Lucien (Jean-Paul Rouve), ele a admirava intensamente e às vezes esquecia de olhá-la como mulher, isso a afetava demais, pois queria ter um filho e uma vida comum, só que ele estava decidido a cada vez mais deixá-la entre as mais requisitadas artistas, quando casaram ela já não sentia o mesmo e não demorou para encontrar um amante, a inconstância na vida amorosa sempre a deixava frágil e terminava de maneiras trágicas, também não era fácil estar do lado de alguém como ela, tudo se confundia, mas ela continuava a sonhar e a amar. A primeira tragédia se deu quando se relacionou com Luigi Tenco (Alessandro Borghi), um artista maravilhoso, porém perturbado, ele havia trabalhado por anos em uma canção chamada "Ciao amore ciao", para se apresentar junto de Dalida em um importante festival de música, mas os jurados não gostaram e os desclassificaram, Tenco revoltado não compareceu ao jantar e Dalida ao voltar para o hotel o encontrou morto com um bilhete escrito que se matara como forma de protesto contra os jurados. Esse episódio destruiu Dalida que tempos depois tentou o suicídio, mas foi salva por uma camareira. Graças ao apoio do irmão e do público se reergueu e encontrou nos aplausos a força para continuar.
Dalida cruzou fronteiras com sua música, cantou em diversos idiomas, passou por diversos estilos, na sua vida pessoal enfrentou lutas internas e tragédias, o suicídio a rondava e a cada perda suas forças iam se exaurindo, nestas partes o sentido da vida acaba sendo bastante questionado e estamos ali com a protagonista sentindo suas dores e incertezas. Impressionante a entrega da atriz Sveva Alviti, além da ótima caracterização é maravilhosa em cena, emociona tanto em suas apresentações, como quando a conhecemos fora dos palcos, as tristezas amorosas a acompanharam a vida toda, enquanto o brilho de seu talento era cada vez mais intenso. Sua personalidade misteriosa, uma mulher com traços fortes, altiva e talentosa, fascinante toda a sua história. Todos os atores estão excelentes, Riccardo Scamarcio (O Primeiro que Disse - 2010) como Orlando, o irmão cuidadoso e empresário visionário, Nicolas Duvauchelle como o apresentador Richard Chanfray, que teve um relacionamento conturbado com Dalida, Alessandro Borghi como o intenso Luigi Tenco e Jean-Paul Rouve como Lucien Morisse, ex-marido de Dalida e um dos principais a contribuir com sua carreira. Tenco, Richard e Lucien se suicidaram, sendo que Richard e Lucien já não estavam mais com Dalida, esta que em 1987 encerrou com sua vida tomando elevada dose de barbitúricos.
"Dalida" é uma biografia cheia de momentos belíssimos, a vemos fascinar o público com sua presença e potente voz resplandecendo durante décadas, Dalida deixou um legado, canções imortalizadas e que são cultuadas geração após geração, a história de toda a sua trajetória de dor e desespero pessoal e sua glória nos palcos envolve e nos faz admirá-la ainda mais, a obra é uma boa chance para aqueles que não conhecem Dalida e mergulhar em suas inspiradas canções através de sua trágica história.
A trilha sonora conduz a trama, cada música representa um momento, e é incrível a quantidade de hits, como "Bambino", "Paroles, Paroles", "Je Suis Malade", "Le Temps des Fleurs", "Bang Bang", "Laissez Moi Danser", entre tantas outras.
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018
Souvenir
"Souvenir" (2016) dirigido por Bavo Defurne (No Caminho das Dunas - 2011) é um filme leve e despretensioso dentro da soberba filmografia de Isabelle Huppert, ela abrilhanta a narrativa que soa como um conto de fadas, é um romance açucarado e permeado de obstáculos, mas que garante ao final da sessão um sentimento de aconchego e felicidade.
Laura (Isabelle Huppert), caiu no anonimato após perder uma final para o grupo ABBA no Festival Eurovisão da Canção, ela vive agora trabalhando em uma fábrica de patê. Um jovem colega de trabalho, Jean Leloup (Kévin Azaïs), descobre seu segredo e, com charme, a convence a se apresentar pela primeira vez em anos. Aspirante a boxeador, ele se empolga com a nova possibilidade de negócio e, apaixonados, os dois decidem tentar fazer com que o retorno dela aos holofotes aconteça.
Acompanhamos a tediosa rotina de Liliane na fábrica, sua solidão é quebrada quando um jovem belo e cheio de vida começa a fazer um estágio na fábrica e se encanta por ela, ele desconfia que ela seja Laura, uma famosa cantora do passado por causa que seu pai é um grande fã, inclusive enciumando a sua esposa, entre olhares e pequenas conversas se aproximam e quando Jean de fato descobre seu "segredo" a convida para uma apresentação fechada no clube em que treina boxe, inicialmente reluta, mas logo sente-se preenchida por poder dar vida a seu talento novamente. A relação entre os dois se estreita cada vez mais e Jean a incentiva a continuar na carreira depois que vazam sobre Liliane voltar à ativa após essa apresentação, ele é um jovem cheio de sonhos e passa toda a energia para a cantora que reaviva seus desejos. O relacionamento entre os dois vai da ternura a grandes rompantes, existem muitos obstáculos, mas sempre conseguem um meio de driblar as diferenças, há uma grande admiração vinda dos dois lados.
Kévin Azaïs vive um personagem adorável, carismático, o jovem encanta Liliane, vivida por Huppert de modo charmoso e descontraído, a beleza de Jean e o interesse que ele demonstra por ela a faz reavivar o que há muito havia se perdido, a história tem uma leveza surpreendente e fascina por sua simplicidade e colocar dois personagens, que apesar de idades díspares cultivam a pureza dos sonhos e da coragem de se entregar mesmo com todo o receio e incertezas.
Há beleza em todos os aspectos do longa, seja na interpretação, no desenvolvimento da história, na fotografia que exibe uma aura fantasiosa e na composição dos cenários, como a casa de Liliane que é totalmente vintage, como a televisão, vitrola, etc, uma sensação de nostalgia permeia o ambiente, ela de fato parou no tempo e vive o cotidiano de maneira mecânica, mas devagar com a chegada do vivaz Jean a imponência de Liliane vem à tona, e são esses momentos que nos fisga, quando Laura emerge novamente com todo o brilho cantando suas charmosas canções, como "Souvenir" e "Joli Garçon", a responsável por seu renascimento.
"Souvenir" tem ares de conto de fadas, traz sensação de nostalgia e exibe graciosidade e simplicidade, um ótimo filme para alimentar sonhos, imaginação e amores. Impossível não sair cantarolando ♪Joli garçon. Je dis oui ♪
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018
Uma Mulher Fantástica (Una Mujer Fantástica)
"Uma Mulher Fantástica" (2017) dirigido por Sebastián Lelio (Gloria - 2013) é um filme real e essencial que disserta sobre o preconceito e a discriminação intrínseca, comentários, olhares, curiosidade, e também explícitos, como na repulsa e suspeitas, é preciso muita força perante tanta ignorância, atitudes absurdas e julgamentos das pessoas. Com sutileza, coragem e muita determinação a personagem passa por diversas tristezas, privações, mas segue firme, ela precisa encontrar o seu caminho.
Marina (Daniela Vega) é uma garçonete transexual que passa boa parte dos seus dias buscando seu sustento. Seu verdadeiro sonho é ser uma cantora de sucesso e, para isso, canta durante a noite em diversos clubes de sua cidade. O problema é que, após a inesperada morte de Orlando (Francisco Reyes), seu namorado e maior companheiro, sua vida dá uma guinada total.
Após perder seu companheiro, Marina enfrenta dificuldades para ter o direito de luto, proibida de participar do velório e enterro, ainda é investigada para provar que nada teve a ver com a morte, Marina não consegue vivenciar a fase da perda, a tristeza de ter perdido o seu amor, os familiares questionam o tipo de relação, debocham e humilham Marina, a ex-mulher chega a chamá-la de quimera. Tiram o carro, o apartamento, a dignidade, suas forças chegam a minar, mas precisa manter sua cabeça erguida e tão pouco provar alguma coisa, pois não há nada para ser provado, só que cada vez mais a tristeza a consome, a ausência de Orlando, seu desejo de vê-lo pela última vez, as suas tentativas de luta sempre terminam mal, todos duvidam e não aceitam de que ela mantinha um relacionamento com Orlando, há uma cena simbólica que demonstra a força que necessita ter para passar por esse tormento, ela caminha e uma grande ventania a toma.
A delicadeza é um dos pontos mais lindos do filme, a personagem é como o título diz, uma mulher fantástica, repleta de nuances, complexidades e beleza, exibe uma carga dramática intensa e tudo se deve a incrível interpretação de Daniela Vega que doa muito de si mesma para Marina, por exemplo, seu talento para o canto, impossível não se encantar com as passagens em que solta a voz, além de poder passar a veracidade das situações, pois conhece muito bem os preconceitos. Seus grandes olhos entregam tudo, compreendemos suas atitudes e seus silêncios.
Após perder seu companheiro, Marina enfrenta dificuldades para ter o direito de luto, proibida de participar do velório e enterro, ainda é investigada para provar que nada teve a ver com a morte, Marina não consegue vivenciar a fase da perda, a tristeza de ter perdido o seu amor, os familiares questionam o tipo de relação, debocham e humilham Marina, a ex-mulher chega a chamá-la de quimera. Tiram o carro, o apartamento, a dignidade, suas forças chegam a minar, mas precisa manter sua cabeça erguida e tão pouco provar alguma coisa, pois não há nada para ser provado, só que cada vez mais a tristeza a consome, a ausência de Orlando, seu desejo de vê-lo pela última vez, as suas tentativas de luta sempre terminam mal, todos duvidam e não aceitam de que ela mantinha um relacionamento com Orlando, há uma cena simbólica que demonstra a força que necessita ter para passar por esse tormento, ela caminha e uma grande ventania a toma.
A delicadeza é um dos pontos mais lindos do filme, a personagem é como o título diz, uma mulher fantástica, repleta de nuances, complexidades e beleza, exibe uma carga dramática intensa e tudo se deve a incrível interpretação de Daniela Vega que doa muito de si mesma para Marina, por exemplo, seu talento para o canto, impossível não se encantar com as passagens em que solta a voz, além de poder passar a veracidade das situações, pois conhece muito bem os preconceitos. Seus grandes olhos entregam tudo, compreendemos suas atitudes e seus silêncios.
A obra é intimista e faz questão de mostrar que a personagem tenta seguir sua vida trabalhando, treinando seu canto, e depois do falecimento do namorado poder chorar por ele, como todos que perdem alguém amado, mas ela é impedida, é questionada pelas autoridades, é obrigada a fazer um exame de perícia e a família de Orlando invade sua vida, entra no apartamento, como o filho, que comete violência em todos os sentidos, ela tem sua dignidade arrancada por ignorância daqueles que não querem entender a situação e tão pouco enxergá-la como ser humano. Há momentos que demonstram preconceitos corriqueiros, comentários que saem até de pessoas que dizem não ser preconceituosas, uma amostra do quanto a sociedade ainda pensa estreitamente e necessita de um despertar de consciência maior para que esse tipo de pensamento seja eliminado das próximas gerações e que todos consigam viver em paz. Marina, infelizmente, tem sua vida paralisada porque os outros a impedem, a olham torto e duvidam de sua capacidade a rotulando por ser uma mulher trans.
"Uma Mulher Fantástica" tem uma narrativa delicada e não há grandes arcos dramáticos, observamos a luta de Marina, deveras silenciosa, pois é impossível reagir diante a quem não tem intenção de ouvir, ela não briga por ter o carro e o apartamento tomado, apenas deseja chorar e velar por seu amado, ter o cão que morava com eles para si e seguir em frente. O quão mesquinho e intolerante o ser humano pode ser para negar a alguém o direito de sentir e ser quem se é?
Angustiante, sensível e um real retrato, a personagem possui um oceano de dor em si, mas sua força é extrema e inspiradora, assim como o título diz, fantástica!
Angustiante, sensível e um real retrato, a personagem possui um oceano de dor em si, mas sua força é extrema e inspiradora, assim como o título diz, fantástica!
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018
Como Nossos Pais
"Como Nossos Pais" (2017) dirigido por Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças - 2001) é uma obra brasileira excelente que disserta com grande naturalidade questões cotidianas e familiares com viés feminista, os embates, as responsabilidades, as frustrações, uma série de coisas que tanto a criação como a sociedade vai impondo e que aos poucos a personagem vai se desvencilhando, ela se redescobre como mulher e permite a mudança.
Rosa (Maria Ribeiro), 38 anos, é uma mulher que se encontra em uma fase peculiar de sua vida, marcada por conflitos pessoais e geracionais: ao mesmo tempo em que precisa desenvolver sua habilidade como mãe de suas filhas, manter seus sonhos, seus objetivos profissionais e enfrentar as dificuldades do casamento, Rosa também continua sendo filha de sua mãe, Clarice (Clarisse Abujamra), com quem possui uma relação cheia de conflitos.
A necessidade de se mostrar como capaz é enorme, a supermulher, que trabalha, cuida das filhas enquanto o marido corre atrás do sonho, repleta de afazeres e estressada com tudo, o convívio familiar é conflituoso e tudo desmorona de fato quando a mãe diz que ela não é filha de Homero (Jorge Mautner), mas sim de outro homem, essa informação dada de um jeito estranho foi um agente para a cabeça de Rosa começar a questionar diversas outras, não só em querer saber quem é o cara que é o seu verdadeiro pai, mas quem é a Rosa nisto tudo. Por mais difícil que seja a relação entre Rosa e Clarice existe um laço afetivo bem forte e é inegável a semelhança das atitudes entre uma e outra, Rosa não percebe que está traçando o mesmo caminho que sua mãe até um ponto específico da trama.
Clarice é uma mulher autêntica que viveu um grande e fugaz amor em Cuba, ela sempre foi forte, dona de tudo e que sustentou o ex, Homero, figura excêntrica da qual Rosa ama e nutre grande carinho, Clarice não se priva do prazer de fumar ao saber que tem câncer e Rosa de início fica brava, mas no decorrer há aproximação e diálogos ótimos que denotam suas personalidades e o rumo que Rosa irá tomar. A questão da liberdade da mulher, de se desfazer de obrigações e mesmo com responsabilidades, como as filhas, encontrar um caminho mais leve para seguir, Rosa em diversos momentos julga a mãe, mas não percebe que age igual, como quando inicia um caso com Pedro (Felipe Rocha), que se faz de descolado longe da esposa, Rosa é admirada por ele e como está em atrito com o marido a chama da paixão acende, só que há algo que ela repensa em determinado ponto que é crucial para sua decisão de liberdade. E a liberdade está apenas em si mesma, deixar tópicos de lado e apenas viver, recuperar o entusiamo pelos sonhos, como a escrita, da qual tem paixão.
Os momentos que compartilha com sua mãe são recheados de mágoa e amor, uma confusão atordoante que gera diálogos exasperantes e reflexivos, o desenvolvimento de Rosa é lento e ambíguo, e não é à toa que o filme tenha o mesmo título da canção de Belquior, o trecho: "Minha dor é perceber, que apesar de termos feito tudo o que fizemos. Ainda somos os mesmos. E vivemos como os nossos pais", exemplifica perfeitamente. Rosa é cobrada pelas gerações, sente o peso da responsabilidade, amargura-se, mas depois surge uma nova consciência e começa a se libertar, mas sem precisar sair do lugar de onde está. O filme também faz uma analogia entre Rosa e Nora, personagem do livro "Casa de Bonecas", de Ibsen, ela monta um roteiro inspirado no fim da história, quando Nora cansada de se sentir inferior na sociedade, revolta-se e abandona deixando marido e filhos.
"Como Nossos Pais" possui camadas pertinentes e quanto mais se pensa nele mais coisas surgem, exibe discussões necessárias sobre transformações dentro das relações e no comportamento em sociedade, como romper obrigações destinadas às mulheres. Maria Ribeiro está natural na pele de Rosa, uma mulher repleta de nuances que aos poucos e duramente se redescobre, e enfim busca se desvencilhar de tudo aquilo que a prende e a sufoca.
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018
Glory (Slava)
"Glory" (2016) dirigido pelos búlgaros Kristina Grozeva e Petar Valchanov (A Lição - 2014) é o segundo filme da dupla que tem como tema o realismo social, um pulsante retrato das articulações do sistema, os esquemas de corrupção, a manipulação midiática, as burocracias e o cidadão sendo explorado, sugado e descaracterizado como indivíduo. Em tom tragicômico acompanhamos uma série de situações que acaba tirando a dignidade do protagonista e que nos faz questionar até onde pode-se aguentar.
Tsanko Petrov (Stefan Denolyubov), um trabalhador ferroviário, encontra uma enorme quantia de dinheiro nos trilhos do trem. Ele entrega todo o montante para a polícia, que o recompensa com um novo relógio de pulso, que logo para de funcionar. Enquanto isso, Julia Staikova (Margita Gosheva), chefe do departamento de relações públicas do Ministério dos Transportes, perde o antigo relógio de Petrov. Ele começa então uma luta desesperada para obter seu velho relógio de volta, assim como sua dignidade.
Tsanko é um trabalhador que se desgasta em um trabalho pesado, num dia como todos os outros o executando encontra algumas notas espalhadas pelo trilho, guarda-as no bolso e mais adiante se dá conta de um montante de dinheiro, ele simplesmente para toma água e a seguir descobrimos que ele é um homem de caráter irretocável, devolve o dinheiro às autoridades e por causa de sua atitude é transformado em um herói, Tsanko passa por momentos constrangedores, é ridicularizado por conta de sua gagueira e daí por diante tudo que o envolve é podridão, sua honestidade parece intacta, na sessão de fotos com o chefe acaba dizendo sobre o roubo de combustíveis e que é por isso que o salário está atrasado há dois meses, mas o chefe desconversa, um jogo muito sujo está sendo feito a partir da atitude de Tsanko, a atenção dada a ele é falsa e com intenções de tirar o foco de outras, Julia é uma workaholic que dá a alma para o que faz, não mede consequências para atingir seus objetivos, só que ela não passa também de um marionete do sistema, mas, claro, com inúmeros privilégios. Julia é egocêntrica e não demonstra nenhum tipo de sentimento, observamos o marido sempre atrás dela lembrando das injeções que precisa tomar para poder engravidar, é arrogante, fria, robotizada e imersa no sistema que também a devora, ela tira o relógio do pulso de Tsanko antes da homenagem, pois ele ganhará um novo, ele fica preocupado e pede para que depois o devolva, acontece a tediosa celebração, a festa, e nada do relógio. Passa-se os dias e Tsanko percebe que o relógio que ganhou parou e tenta encontrar Julia de qualquer jeito, ela faz pouco caso e nem sabe onde está o tal relógio, até tenta enganá-lo devolvendo uma cópia, mas o de Tsanko tem uma inscrição, pois foi um presente de seu pai. As coisas começam a ficar desesperadoras, dá agonia acompanhar tantos momentos de descaso e ver Tsanko sendo tratado como lixo.
Margita Gosheva domina as cenas e encarna perfeitamente o tipo de pessoa que se devota ao trabalho, que tem sede de poder e atropela as pessoas com sua falta de empatia, Stefan Denolyubov como Tsanko é sublime e sentimos junto dele todas as agruras, seu sembante cabisbaixo diante dos acontecimentos e a sua gagueira representando o desespero e a falta de voz que as pessoas comuns têm perante quem comanda, a intensidade desse desespero aumenta com o desenrolar e cada vez mais sua dignidade vai sendo escoada, até que chega um ponto que ela é eliminada e o personagem reage, daí as consequências se tornam trágicas.
Um exemplar sensacional do como o indivíduo é engolido, descaracterizado e injustiçado transformando-se irremediavelmente. Difícil, pesado, mas essencial para refletir no como funcionamos na sociedade e que tipo de peça somos.
"Glory" é uma obra que retrata dilemas morais e questões sociopolíticas com destreza, realidade e um humor trágico. Como permanecer honesto diante de um sistema corrupto que se beneficia justamente em cima do mais pobre? Ridicularizam e massacram até não sobrar mais nada, o indivíduo é reduzido, além de todas as burocracias e acrobacias midiáticas que ludibriam e invertem a atenção. Tsanko aguentou até não poder mais e o final exemplifica toda a sua revolta, a injustiça da qual foi alvo. Filmaço!
terça-feira, 6 de fevereiro de 2018
A Região Selvagem (La Región Salvaje)
"A Região Selvagem" (2016) dirigido por Amat Escalante (Heli - 2013) é um filme polêmico e poderoso que traz uma história envolvendo uma mulher traída e um alienígena que desperta prazeres sexuais, uma crítica ao conservadorismo, a repressão, o machismo e preconceitos, tudo exposto de forma bizarra, mas que com certeza captura nossa atenção.
Um meteorito cai em uma montanha. Em uma cidade próxima, um jovem casal se esforça para se reconectar, e o homem trai a mulher. O processo é autodestrutivo para ambos. De repente, algo de fora deste mundo surge, mudando suas vidas para sempre.
Após a queda do meteorito somos inseridos na cena em que Veronica (Simone Bucio) se satisfaz sexualmente com os tentáculos do alienígena, o casal que detém o extraterrestre teme por ela, pois nessa "sessão" saiu machucada, Veronica carrega um semblante pesaroso, pois sabe que não poderá mais vê-lo e o prazer jamais vai ser sentido novamente, no hospital quem cuida da ferida dela é o enfermeiro Fabian (Eden Villavicencio), muito simpático o moço chama ela pra sair junto de sua irmã Alejandra (Ruth Ramos) e o cunhado Ángel (Jesús Meza), do qual mantém uma relação escondida, um hipócrita que cospe preconceitos e evita falar com Fabian perto da esposa pelo fato de ser gay, mas escondido manda mensagens e sai com ele. Há uma tensão sexual entre Veronica e Fabian, partindo mais do lado dela, e Ángel fica enciumado e desconta sua raiva das formas mais machistas e preconceituosas possíveis, começa a ameaçar Fabian e então este decide romper com a relação abusiva. Nisso, Veronica o insere no mistério envolvendo o alienígena que desperta grandes prazeres nas pessoas, só que no dia seguinte ele é encontrado pelado inconsciente num lago, a irmã desesperada tenta entender o porquê e ao entrar na casa do irmão encontra o celular e visualiza as mensagens entre ele e seu marido, algumas de cunho ameaçador, logo a suspeita cai toda em cima de Ángel, atormentada pela traição de ambos denuncia o marido e Veronica a acolhe e lhe mostra o caminho para o alienígena, e é nesta relação que encontra alívio e satisfação. A cena que se sucede é estranha, o casal de idosos lhe dá um chá que a droga e depois a coloca no celeiro, de início se assusta com o que vê e aos poucos a câmera revela o ser que habita ali e emana tanta excitação. As cenas são altamente eróticas, tentáculos que passam e adentram o corpo, uma carga sexual libertadora.
Mas o que será que o alienígena realmente quer das pessoas, ele simplesmente precisa se saciar sexualmente e quando cansa torna-se perigoso, ou poderia ter algo haver com a tendência, que ao entrar no local com o caráter totalmente exposto transfigurava-se em prazer sexual ou violência? Várias questões surgem e a subjetividade é imensa, e é por isso que a obra se torna grande, por exemplo, sobre o desejo feminino, a cena em que Ángel faz sexo com Alejandra demonstra essencialmente o egoísmo machista, ela ali é apenas um objeto, logo a vemos no banho se masturbando, mas os filhos a interrompem, parece não haver espaço para o prazer feminino, como se não existisse, e ao final Veronica até tenta transar com um homem, mas não consegue sentir nada, uma pequena amostra do quanto o ato sexual é ainda repleto de tabus e permeado de preconceitos.
"A Região Selvagem" acerta em cheio na atmosfera criada, provoca o espectador com a quebra dos estereótipos e ideias arcaicas, tabus religiosos que reprimem e tantos preconceitos que envolvem as relações, a cabana com o extraterrestre representa a libertação de todos os paradigmas e desnuda quem está ali, mostrando o seu lado primitivo onde convenções sociais não interferem no desejo. Um filme libidinoso, pulsante e que abre um leque de ideias interessantes e primordiais.
sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018
A Atração (Córki Dancingu)
"A Atração" (2015) dirigido pela polonesa Agnieszka Smoczyńska é um musical excêntrico que tem como tema sereias, mesclando drama, comédia, musical e horror o resultado final é original e surpreendente. Baseado no conto de fadas de Hans Christian Andersen "The Little Mermaid", publicado em 1837, a obra segue duas irmãs, Prateada (Marta Mazurek) e Dourada (Michalina Olszanska), que são sereias. Com fome de amor e de carne, as duas chegam a Varsóvia, assumem uma forma humana e vão trabalhar num clube noturno. Contudo, quando uma delas se apaixona, surge a inveja, a obsessão e com isso o perigo.
Numa bela noite, Prateada e Dourada surgem e encantam um grupo de amigos músicos, que as levam e as acolhem no clube onde trabalham, lá começam a fazer alguns números que chamam bastante atenção do público, com o passar do tempo se apegam à forma humana, principalmente, Prateada que se apaixona pelo guitarrista vivido por Jakub Gierszal - Sala do Suicídio (2011), os dois tentam ficar juntos de qualquer maneira, mas pelo fato de serem de espécies diferentes atrapalha, porém ela o seduz e mostra que pode ser possível, como a cena da banheira, onde ela mostra o corte em sua grande cauda, a bizarrice toma conta da história e é preciso embarcar na proposta, é realmente diferente, a lenda da sereia não ganha tons suaves apesar de todo o romance envolvendo os personagens, as sereias são maliciosas e a paixão logo se torna uma obsessão difícil de controlar, a vontade de ser inteira e vivenciar o amor domina Prateada e as consequências de seu ato são trágicos, enquanto isso sua irmã experimenta inveja, raiva e começa a agir conforme seu instinto.
As atrizes encarnam com destreza as sereias e nos passam exatamente toda a aura misteriosa, sensual e sangrenta, Michalina Olszanska (Eu, Olga Hepnarová - 2016) está hipnotizante e demonstra tudo pelo olhar, a raiva por sua irmã ter se apaixonado, pois a ideia era só de passarem pelo local e seguirem viagem, tudo isso sem comer ninguém, mas nada dá certo e as duas entram em atritos, também o dono do clube as usam, cantam e dançam sem receberem nada, os clientes do bar ficam loucos a cada apresentação, o clima de lascívia impera, os números musicais tem um quê de comédia ao mesmo tempo que fascina, além de a história caminhar também por um tom de melancolia. As cores vibrantes se mistura ao macabro, Prateada quer de todo jeito se tornar humana, ter pernas e um órgão genital para enfim ser amada, só que o moço apenas a usa e deixa claro em várias partes que por ela ser de uma espécie diferente nunca dará certo, e quando ela decide passar por uma bizarra cirurgia em prol dessa paixão aí é que tudo dá errado e Prateada se dá conta, uma metáfora maravilhosa sobre preconceito e exploração.
As atrizes encarnam com destreza as sereias e nos passam exatamente toda a aura misteriosa, sensual e sangrenta, Michalina Olszanska (Eu, Olga Hepnarová - 2016) está hipnotizante e demonstra tudo pelo olhar, a raiva por sua irmã ter se apaixonado, pois a ideia era só de passarem pelo local e seguirem viagem, tudo isso sem comer ninguém, mas nada dá certo e as duas entram em atritos, também o dono do clube as usam, cantam e dançam sem receberem nada, os clientes do bar ficam loucos a cada apresentação, o clima de lascívia impera, os números musicais tem um quê de comédia ao mesmo tempo que fascina, além de a história caminhar também por um tom de melancolia. As cores vibrantes se mistura ao macabro, Prateada quer de todo jeito se tornar humana, ter pernas e um órgão genital para enfim ser amada, só que o moço apenas a usa e deixa claro em várias partes que por ela ser de uma espécie diferente nunca dará certo, e quando ela decide passar por uma bizarra cirurgia em prol dessa paixão aí é que tudo dá errado e Prateada se dá conta, uma metáfora maravilhosa sobre preconceito e exploração.
A trilha sonora é a grande protagonista e é numa vibe anos 80 que tudo se dá, são canções originais em polonês e outras repaginadas, como "Byłaś Serca Biciem", de Andrzej Zaucha, além de contar com coreografias divertidas, como a sequência inicial com a música "I Feel Love", de Donna Summer. Para quem não gosta de musicais cansa ver tantas sequências de canto e dança, a narrativa às vezes se perde nessa loucura toda, mas ao todo é uma produção que com certeza deixará alguma marca, a ambientação estilizada, a comunicação entre as irmãs com sequências de sons arrepiantes, a cauda nada bonita e impressionantemente longa, as cenas macabras e pela lenda ser retratada com tanta personalidade.
"A Atração" é um filme incomum que conta com interpretações brilhantes e cativa por sua estranheza por misturar gêneros, é divertido e sedutor ao trazer alguns conflitos morais e sentimentais numa fábula de sereias com toques de horror, provoca com as esquisitices e termina poeticamente interessante. Uma boa pedida para quem busca por produções que não seguem cartilha.
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