"A Deusa de 1967" (2000) dirigido por Clara Law (Temptation of a Monk - 1993) é um road movie excêntrico que mistura vários elementos e que tem como fio condutor o carro-fetiche da Citröen, o modelo Déesse. Alternando entre cenas delicadas, poéticas, simbólicas e outras difíceis e tristes de encarar somos completamente absorvidos por uma oscilante e cativante trama.
Tóquio. J.M. (Rikiya Kurokawa) leva uma vida de consumo, tendo como grande sonho a compra de um Citroën DS 1967. O carro é popularmente conhecido como "deusa". Ele fecha a compra através da internet, com um australiano, e ao chegar para pegá-lo apenas encontra B.G. (Rose Byrne), uma jovem cega. Ela lhe conta que o dono do carro atirou na esposa e, em seguida, se matou. Como J.M. ainda está interessado em fechar negócio, B.G. o convida para dirigir o carro até seu verdadeiro dono, que está a cinco dias do local.
Identifica-se logo no início que se está diante de um filme diferenciado e essencialmente cult, tudo acontece de forma estranha, a narrativa é um quebra-cabeças repleto de mensagens simbólicas, a fotografia subexposta gera um clima de sonho e melancolia, o desenvolvimento não convencional proporciona momentos belíssimos e inspirados, os personagens ambos esquisitos e solitários vão se abrindo um para o outro durante a viagem, e ao mesmo tempo que revelam traumas, dores e segredos se unem e experimentam algo novo surgir.
Tudo começa quando J.M fecha a compra pela internet do seu maior sonho, o Citröen DS, um ícone da vanguarda tecnológica, seu desenho e desempenho para a época o fizeram ter fama e por isso, um fetiche para colecionadores, mas o bizarro personagem coleciona cobras e não carros, porém ele não pensa duas vezes, arruma suas coisas e parte para a Austrália, mas chegando lá se depara com uma cena horrorosa, há sangue por todos os lados e cérebro grudado no teto, quem lhe recebe é B.G, uma moça cega que diz que o verdadeiro dono do carro mora a cinco dias dali, como ele está muito afim de ter a Deusa concorda com a viagem pelo amplo deserto australiano, e aí as verdadeiras intenções de B.G vão sendo aos poucos reveladas, ela deseja vingança e J.M também possui suas marcas e segredos, os dois depois de um período acabam conversando bastante e sem perceberem se unem.
Interessante o como a câmera capta os detalhes do carro lhe conferindo uma beleza rara e fetichista, há várias partes que nos introduzem à história do carro, comerciais e detalhes fascinantes, a quantidade de modelos fabricados, suas soluções tecnológicas, como as suas suspensões que davam a impressão de flutuar, o seu desenho futurista, os faróis direcionais na versão de 1967, a Deusa redefiniu vários conceitos, foi caracterizada como a suprema criação de uma era, o modelo ficou ainda mais conhecido quando o presidente Charles de Gaulle escapou de uma tentativa de assassinato. O personagem se emociona ao dirigi-la e diz que se inspirou a comprar quando assistiu o filme "O Samurai", cujo protagonista assassino interpretado por Alain Delon dirige uma Deusa.
A sofisticação do visual encanta e inebria, as cenas são dotadas de uma aura profunda e melancólica, porém possui humor em algumas passagens, como quando J.M para o carro no meio da pista para observar um lagarto e é mordido no dedo, segundo B.G, o lagarto só o soltará quando ele demostrar respeito, então ficam lá no deserto por horas.
Os episódios de flashbacks são importantes para que conheçamos os personagens mais a fundo e entendamos suas dificuldades de interação, especialmente de B.G que possui uma história marcada por abuso físico e psicológico, sua sede de vingança contra o avô é imensa, mas percebemos que sua essência é pura, e J.M é um gentil companheiro que a ajuda a descobrir muitas coisas, ao passo que ela também o ajuda a descobrir outras.
"A Deusa de 1967" é um exemplar que tanto pode agradar aos mais sensíveis e curiosos, mas também pode desagradar a quem não consegue embarcar em propostas diferenciadas, sem dúvidas o que mais chama a atenção é seu visual e suas cenas inspiradas, como a que B.G pede para J.M a ensiná-la dançar ao som de "Walk Don't Run", de The Ventures.