segunda-feira, 30 de setembro de 2013
Pós Morte (Post Mortem)
"Pós Morte" (2010) dirigido por Pablo Larraín é o segundo filme de uma trilogia sobre a ditadura chilena. O primeiro "Tony Manero" - 2008, retrata Raúl Peralta (Alfredo Castro), que está obcecado com a ideia de se tornar Tony Manero, o famoso personagem interpretado por John Travolta no clássico filme da era disco "Os Embalos de Sábado à Noite". A fantasia de encarnar seu grande ídolo e assim ser reconhecido como uma estrela no mundo do entretenimento chega a tal nível que acaba levando Raúl a se transformar num assassino em série, o pano de fundo desta história se passa no ano de 1978 com o complicado contexto social da ditadura militar de Augusto Pinochet.
O terceiro fechando a trilogia é "No" - 2012, do qual conta a história do plebiscito que, em 1998, pôs fim a uma ditadura de 15 anos imposta por Augusto Pinochet. Saavedra (Gael Garcia Bernal), é um exilado que volta ao Chile e vai trabalhar como publicitário a serviço da campanha "Não", que tem como objetivo influenciar o eleitorado a votar contra a permanência de Pinochet no poder durante um referendo, feito sob pressão internacional, pelo próprio ditador. Com poucos recursos e sob constante vigilância por homens de Pinochet, ele concebeu um ousado plano para ganhar o referendo.
"Pós Morte" (2010) regressa ao ano de 1973 durante os últimos dias da presidência de Salvador Allende. Um funcionário do necrotério se apaixona por uma dançarina burlesca, que desaparece misteriosamente. Loucamente apaixonado e perturbado pela perda de sua potencial amante, Mario (Alfredo Castro) começa a sua busca frenética por Nancy (Antonia Zegers). Mario é um cara esquisito que pouco sabe do período em que vive, trabalha escrevendo os relatórios das autópsias efetuadas pelos legistas, solitário tenta se aproximar de sua vizinha Nancy, uma mulher complexada.
Obcecado, segue a vida de Nancy, observando todos os seus passos. Até que, uma manhã, ele encontra a casa dela destruída. É então que, em desespero, passa a procurar o seu rosto em cada cadáver que chega à morgue. Até, finalmente, a encontrar...
Tudo se dá de forma não convencional e bizarra, enquanto isso nas ruas de Santiago várias manifestações são registradas, mas Mario pouco se importa. Só mais adiante o incomoda por atrapalhar o seu "romance" com Nancy. O personagem aparentemente é sem graça, mas sua figura silenciosamente excêntrica prende nossa atenção, justamente por querer saber qual será a sua reação diante aos fatos.
Com ritmo lento o aspecto político é tratado com sensibilidade única, os corpos que se amontoam, as autópsias que se seguem, e então a cena ápice do filme, o corpo de Allende com a cabeça desfigurada por um tiro de revólver na grande mesa fria, todos esperam a resposta do legista, mas Mario acaba se atrapalhando com a máquina de escrever elétrica, um soldado ocupa o seu lugar e a autópsia segue. Um momento que explica muito sobre o filme, o quanto este homem é inerte diante a vida, totalmente inexpressivo e alheio do que acontece em seu país. A trama é sobre uma história de amor, sobre duas pessoas apáticas e indiferentes a tudo, o contexto político é um pano de fundo para essa estranha e fantasiosa história de amor.
Interessante pelo lado político abordado elucidando sobre este período caracterizado por uma grande ebulição e também pelo personagem de Alfredo Castro. É um filme diferente e inteligente que compõe a trilogia de Pablo Larraín sobre a ditadura chilena.
O terceiro fechando a trilogia é "No" - 2012, do qual conta a história do plebiscito que, em 1998, pôs fim a uma ditadura de 15 anos imposta por Augusto Pinochet. Saavedra (Gael Garcia Bernal), é um exilado que volta ao Chile e vai trabalhar como publicitário a serviço da campanha "Não", que tem como objetivo influenciar o eleitorado a votar contra a permanência de Pinochet no poder durante um referendo, feito sob pressão internacional, pelo próprio ditador. Com poucos recursos e sob constante vigilância por homens de Pinochet, ele concebeu um ousado plano para ganhar o referendo.
"Pós Morte" (2010) regressa ao ano de 1973 durante os últimos dias da presidência de Salvador Allende. Um funcionário do necrotério se apaixona por uma dançarina burlesca, que desaparece misteriosamente. Loucamente apaixonado e perturbado pela perda de sua potencial amante, Mario (Alfredo Castro) começa a sua busca frenética por Nancy (Antonia Zegers). Mario é um cara esquisito que pouco sabe do período em que vive, trabalha escrevendo os relatórios das autópsias efetuadas pelos legistas, solitário tenta se aproximar de sua vizinha Nancy, uma mulher complexada.
Obcecado, segue a vida de Nancy, observando todos os seus passos. Até que, uma manhã, ele encontra a casa dela destruída. É então que, em desespero, passa a procurar o seu rosto em cada cadáver que chega à morgue. Até, finalmente, a encontrar...
Tudo se dá de forma não convencional e bizarra, enquanto isso nas ruas de Santiago várias manifestações são registradas, mas Mario pouco se importa. Só mais adiante o incomoda por atrapalhar o seu "romance" com Nancy. O personagem aparentemente é sem graça, mas sua figura silenciosamente excêntrica prende nossa atenção, justamente por querer saber qual será a sua reação diante aos fatos.
Com ritmo lento o aspecto político é tratado com sensibilidade única, os corpos que se amontoam, as autópsias que se seguem, e então a cena ápice do filme, o corpo de Allende com a cabeça desfigurada por um tiro de revólver na grande mesa fria, todos esperam a resposta do legista, mas Mario acaba se atrapalhando com a máquina de escrever elétrica, um soldado ocupa o seu lugar e a autópsia segue. Um momento que explica muito sobre o filme, o quanto este homem é inerte diante a vida, totalmente inexpressivo e alheio do que acontece em seu país. A trama é sobre uma história de amor, sobre duas pessoas apáticas e indiferentes a tudo, o contexto político é um pano de fundo para essa estranha e fantasiosa história de amor.
Interessante pelo lado político abordado elucidando sobre este período caracterizado por uma grande ebulição e também pelo personagem de Alfredo Castro. É um filme diferente e inteligente que compõe a trilogia de Pablo Larraín sobre a ditadura chilena.
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
Camille Claudel 1915
"A vocação artística é muito perigosa. Poucas pessoas tem força para resistir. A arte toca certas faculdades particularmente perigosas da mente. A imaginação e a sensibilidade podem facilmente gerar desiquilíbrios."
"Camille Claudel 1915" (2013) do diretor Bruno Dumont (O Pecado de Hadewijch - 2009) é baseado na história verídica da escultora Camille Claudel, que foi levada a um hospício através do seu irmão, passando seus últimos trinta anos sem nunca mais poder seguir a sua arte novamente.
Inverno, 1915. Contra a sua vontade, a escultora Camille Claudel (Juliette Binoche) é internada pelos familiares em um asilo psiquiátrico mantido por religiosas, e permanece durante anos na instituição, sem poder sair. Ela afirma várias vezes que está perfeitamente sã, mas desenvolve uma mania de perseguição, acreditando que seu ex-amante Auguste Rodin conspira contra ela, e que todos no asilo tentam envenená-la. Camille passa os dias cercada por internos com deficiências mentais e surtos psicóticos graves, não tendo ninguém com que conversar. Sua única esperança é a carta enviada clandestinamente ao irmão Paul (Jean-Luc Vincent), implorando por sua liberação. Quando Paul confirma que vai visitá-la, Camille aguarda com impaciência a oportunidade de mostrar ao irmão que pode viver em sociedade.
A história desta icônica mulher já foi apresentada em 1998 sob a direção de Bruno Nuytten e protagonizada por Isabelle Adjani, nesta produção é possível conhecer os pormenores de sua vida, sua genialidade como artista e o relacionamento com Rodin, principal motivo que a levou à loucura. Camille Claudel de Bruno Dumont já se concentra nos anos em que ela foi posta pelo irmão em uma espécie de casa de repouso para loucos.
Juliette Binoche dá vida a Camille e expõe toda a sua angústia por não saber o porquê de estar trancada, e apesar do lugar ser belo, a sufoca e enclausura a suas ideias. Ao longo do filme observamos o sofrimento de Camille por estar ao lado daquelas pessoas completamente insanas que urram o tempo todo como que pedindo algo. Ela procura a arte nas pequenas coisas para tentar sobreviver, mas toda vez que se depara com a arte se desespera. Em uma conversa com o médico Camille muito angustiada lhe diz que seu desejo era morar em uma casinha e poder dar vida a suas ideias, porém sua paranoia vai se mostrando quando menciona Rodin. Camille foi aluna, aprendiz e amante do escultor, mas em certo momento vendo que Rodin jamais deixaria a esposa para ficar com ela, decide ir embora e tentar fazer seu próprio nome, já que suas esculturas eram muito semelhantes a de seu mestre, o que gerava grandes burburinhos.
Nesta fase Camille se enclausura em seu próprio ateliê e a paranoia começa a ficar muito latente. Ela acredita que Rodin quer roubar suas esculturas e expô-las como sendo suas, ela crê na sua imaginação e perde-se totalmente da realidade. Depois de muito tempo encerrada em seu ateliê, seu irmão mais novo Paul, decide interná-la num sanatório, mas com a explosão da primeira guerra mundial acabou sendo transferida para uma casa de repouso em Villeneuve-lès-Avignon onde morre, após trinta anos de internação e desespero. Tudo é expressado pelos olhos da belíssima atriz Juliette Binoche, da qual faz um trabalho maravilhoso. Camille Claudel foi uma grande artista e sua personalidade orgulhosa e esnobe só a fez sofrer ainda mais.
É um filme contemplativo, com diálogos que geram reflexões acerca da loucura e do como é terrível não estar no controle de sua mente, a sensação é de puro sufocamento.
O irmão de Camille é extremamente religioso e de certa forma acredita que a irmã está pagando por pecados que cometeu, como se relacionar com um homem casado, levar uma vida livre esculpindo homens nus, entre outras coisas. Ele crê que a arte tirou o equilíbrio emocional de Camille, justamente por trabalhar muito a imaginação. O diálogo que tem com um padre é o ponto alto do filme, esmiúça-se o fanatismo religioso e o moralismo.
O lugar em que Camille Claudel se encontra é lindo e bucólico, de uma natureza exuberante que deveria fornecer calmaria, mas o que se vê é o oposto. A ausência de trilha sonora ressalta o inferno que é estar perdida dentro de si mesma. O sentimento de angústia dá o tom à história, a liberdade que lhe foi tirada causou a incapacidade de criar.
"Camille Claudel 1915" tem planos bem trabalhados e precisos que focam nas expressões que perpassam o rosto de Binoche. Uma obra imensamente artística.
"Camille Claudel 1915" tem planos bem trabalhados e precisos que focam nas expressões que perpassam o rosto de Binoche. Uma obra imensamente artística.
terça-feira, 24 de setembro de 2013
A Vida em Um Dia (Life in a Day)
"A Vida em Um Dia" (2011) é uma experiência global histórica para criar um filme gravado pelos usuários do Youtube para documentar um único dia na Terra. No dia 24 de julho de 2010, pessoas do mundo inteiro gravaram um momento de suas vidas e enviaram ao site. Mais de 80.000 vídeos foram enviados por pessoas de 197 países. Dirigido por Kevin MacDonald em parceria com outros 16 codiretores e produzido por Ridley Scott e Tony Scott é sem dúvidas um projeto ousado, pois é difícil imaginar que mais de 4.500 horas de gravação se converteria em 90 min de muita coesão. São fragmentos de momentos aparentemente banais de pessoas dos mais variados países, feito de sensações a vida pulsa neste documentário e surpreende pela sua grandiosidade.
Seguindo uma ordem cronológica pessoas anônimas expõem suas intimidades mostrando situações corriqueiras, como escovar os dentes, fazer a barba, se vestir. No decorrer do dia muitas pessoas e muitas culturas são evidenciadas, às vezes esses momentos duram apenas alguns segundos, mas o suficiente para serem guardados. O poder da imagem é imensurável, os detalhes ganham grandes proporções e consequentemente nos fazem refletir. É a vida comum, portanto há pessoas de todos os tipos, há aquelas que têm o mundo em si, como o homem coreano que viaja de bicicleta e que fica maravilhado com a diferença entre as moscas dos lugares que passou, uma bela metáfora sobre nós humanos. Há também o superficial e isto nos faz lembrar que as pessoas gostam de se exibir, o documentário inteligentemente faz um belo contraponto, enquanto um cara mostra a sua Lamborghini, em outro lugar do mundo um garoto engraxa sapatos para poder ajudar sua família. São retratados anseios, alegrias, tristezas, esperança, inocência, amor, reencontros, preconceitos, violência e ignorância. Ao longo para criar um contexto algumas perguntas são feitas, como por exemplo: Do que você tem medo? O que você tem no bolso? O que você ama? É intenso e comovente algumas destas respostas.
Com o tempo esquecemos que existem outros além de nós mesmos, pensamos sempre nos nossos sentimentos, nas nossas certezas e acabamos não prestando atenção que cada um tem um mundo em si, e não há nada mais gratificante do que reconhecê-los, compreendê-los e descobri-los para fazer da vida algo que valha a pena.
Indiscutivelmente o documentário traz à tona o sentimento de humanidade, dá vontade de abraçar algumas dessas pessoas. Esse emaranhado de imagens é feito de pluralidades e várias delas são inefáveis.
O registro final é de uma moça que relata que só pôde gravar o vídeo a noite porque trabalhou o sábado todo, cansada diz que esperou algo especial acontecer em seu dia, mas nada realmente se deu, esse desabafo tão comum dá o poder de uma reflexão absurda, pois a verdade é que não precisamos esperar, a vida já está acontecendo e nós é que temos o poder de conduzi-la e transformá-la. Essa série de imagens aparentemente desconexas criam uma gama de pensamentos sobre nó mesmos.
"A Vida em Um Dia" é feito de imagens que geram sensações únicas a quem o assiste, portanto, a experiência se torna pessoal e cada um guarda os momentos que mais lhe tocaram. O documentário é capaz de acender novamente a centelha que às vezes se apaga em nós, a vontade de viver. É extremamente lindo, grandioso e ousado.
"Eu amo a palavra 'mamihlopinatapai'. É da língua Yagan, que hoje é uma língua morta. Mas ela era falada na Terra de Fogo, o ponto mais ao sul da America do Sul. Nunca ouvi a palavra dita corretamente, então posso está pronunciando de forma errada. Mas o sentido é muito bonito. Significa aquele momento ou sentimento quando duas pessoas querem começar algo, mas nenhuma delas quer ser a primeira a fazê-la. Podem ser dois lideres de tribos, talvez querendo um acordo de paz, mas nenhum querendo ser aquele que começa, ou pode ser duas pessoas em uma festa querendo falar uma com a outra e nenhuma delas tem a coragem para dar o primeiro passo."
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Paraíso: Fé (Paradies: Glaube)
"Paraíso: Fé" (2012) é o segundo filme da polêmica trilogia intitulada "Paraíso", do diretor Ulrich Seidl. O anterior chamado "Paraíso: Amor" (2012) fala sobre a busca desesperada pela felicidade e o terceiro "Paraíso: Esperança" (2013) é sobre jovens garotas que acreditam que o amor não é uma ilusão. Os filmes de Ulrich Seidl são hiper-realistas e por isso incomodam, as histórias são cruas, abordam o universo feminino e quase sempre a violência está presente.
Em "Paraíso: Fé" a personagem Anna Maria é uma católica fervorosa e fanática, que se flagela, caminha de joelhos pela casa, impreca os pecadores e chega ao ponto de se masturbar com o crucifixo. Anna Maria acha que a felicidade suprema tem de vir da fé. Radiologista durante o dia, no tempo que lhe sobra empenha-se na missão de evangelizar almas perdidas - um casal que vive em pecado, um alcoólatra e outros seres humanos sem rumo. Através da abnegação total dos prazeres carnais, da penitência diária, da tentativa de conversão dos "hereges", da limpeza obsessiva e de orações e cânticos, Anna tenta manter-se afastada do sexo e outros pecados. A sua fé é apenas posta à prova pelo marido que, apesar de impedido de andar, não desiste do seu ideal de amor, que inclui um casamento consumado. Mas Anna é implacável na sua decisão de direcionar a vida e o amor para Jesus. Um sentimento que parece infinito mas não é apenas etéreo.
Anna inconformada com a falta de fé das pessoas reza e pede muito a Jesus, depois de suas visitas a pessoas geralmente perdidas na vida, a maioria imigrantes, bêbados e prostitutas, chega em sua casa e se autoflagela acreditando que livrará o pecado daquelas pessoas. Em um dessas visitas Anna debate com um casal sobre o cristianismo, uma parte interessante do filme em que pontua o quanto Anna estava embebida neste universo religioso, e portanto cega para a razão. Outra cena que demonstra sua loucura é a da orgia, ela segue o barulho dos gemidos e encontra pessoas fazendo sexo no meio do mato, Anna é completamente bitolada, para ser uma verdadeira cristã tem que se abdicar do sexo, mas isso só ajuda ela a pensar ainda mais. Com o regresso do marido fica mais evidente, Nabil é muçulmano e está inválido, necessita de cuidados e acredita que ainda pode recuperar o casamento. Veja o grau em que se encontra esta mulher, Nabil não pode fazer nada e mesmo assim ela foge como o diabo foge da cruz, ele apenas deseja ser abraçado, mas Anna é incapaz de entender.
Com ritmo lento a sensação é de estar espiando, pois a câmera fixa num ponto enquanto alguma situação se desenrola. É um filme seco que retrata até onde é capaz de chegar o fanatismo de uma pessoa. Na questão do pecado, Anna os cometia e nem se dava conta, por exemplo, quando invade a casa de pessoas praticamente enfiando goela abaixo a sua religião sem se importar se fossem ou não católicos, ou com seu marido, a cena em que tira a cadeira de rodas dele e o faz rastejar pela casa é uma violência e tanto. Na verdade, Anna é uma mulher vazia, desacreditada da vida e que encontrou refúgio na religião, cujo único intuito é satisfazer a si própria.
O filme permite grandes reflexões, a quebra de tabus e o que o excesso pode ocasionar na vida da pessoa e para quem está ao lado, tudo é destruído, o egoísmo se sobrepõe cegando o indivíduo. Anna deposita todo o seu amor a Jesus e esse amor é levado ao desejo carnal, ela diz que nenhum homem é mais bonito que ele, e a cena polêmica envolvendo o crucifixo é o ápice. É doentio e digno de pena.
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
170 Hz
"170 Hz" (2011) é um romance dramático holandês do diretor Van Ginkel, que conta a história de dois jovens surdos que tentam encontrar um lugar no mundo para poder viver livremente o amor.
Evy (Gaite Jansen) é filha de pais ricos e leva uma vida tediosa e solitária até conhecer Nick (Michael Muller), um rapaz também surdo que vive como quer, o filme não especifica o porquê de ter abandonado sua família abastada, mas ele é muito revoltado. Nick trabalha em uma oficina mecânica e não tem amigos, podemos observar o quanto de raiva há nele numa cena em que um cara zomba de sua surdez e ele o olha fixamente com o desejo de matá-lo e quase o faz. Depois de um tempo saindo com Evy, ele é chamado para jantar e conhecer os pais da garota, mas os bons modos de Nick não são lá aquelas coisas, no que desencadeia brigas entre a família. O pai de Evy não aceita o namoro e então os dois arquitetam um plano infantil e vão morar em um velho submarino abandonado. A partir daí o filme segue lento, recheado de brigas, confronto de personalidades e muita paixão.
Como o casal protagonista é surdo, o filme todo é trabalhado nas libras e no silêncio, mas isso não quer dizer que careça de força, ao contrário, pois intensifica a ideia de que palavras não são tão necessárias, os olhares e os gestuais ganham grandes proporções e visualizamos cenas esplendorosas, aliás a fotografia é um ponto extremamente relevante, a cena da tinta vermelha, cuja ilustra o poster é uma das mais lindas.
Não dá para saber ao certo o trauma que Nick teve com o pai para ter feito o que fez, mas podemos imaginar algo com as imagens que o filme vai inserindo, já Evy tem uma família que a protege e a fecha do mundo exterior. No jantar o pai de Evy não para de perguntar sobre a família de Nick e diante de todas as formalidades irritantes que acontecem nestes encontros, Nick responde de maneira fugaz, principalmente quando o pai de Evy o questiona sobre ele não colocar o aparelho auditivo. Rudemente ele explica: "Não quero, pois ninguém tem nada interessante a dizer, a não ser Evy".
Claramente palavras não servem de nada, mas é possível ver a melancolia que envolve Evy em relação a sua surdez. Vários momentos exemplificam essa angústia.
"170 Hz" (frequência máxima de um som que Nick consegue captar) é um filme completamente despretensioso ao focar no casal surdo, pois o tema não é explorado de forma que sirva de lição ou algo do tipo. O lado psicológico dá o tom e ele vai ganhando força quando descobertas acontecem e a linha entre amor e obsessão, paixão e violência se tornam muito tênues.
É uma história de paixão intensa em que o mundo parece ser apenas o outro e não se pensa duas vezes ao deixar a vida aparentemente insignificante para trás, porém logo descobre-se outros sentimentos embutidos, além das descobertas acerca do outro. E o que era para ser o "felizes para sempre" acaba dando lugar ao medo, e por fim ao trágico. É um filme que inova nos elementos e nos presenteia com uma fotografia hipnótica que enfatiza ainda mais as emoções e o psicológico dos personagens.
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
Sala do Suicídio (Sala Samobójców)
"Sala do Suicídio" (2011) do diretor polaco Jan Komasa gira em torno de Dominik (Jakub Gierszal), um garoto comum, ele tem um monte de amigos, pais ricos e dinheiro para gastar em roupas de marca. Mas um beijo inocente com um colega muda tudo. Ele sofre bullying e começa a isolar-se do mundo exterior, vivendo todo o seu tempo em seu computador. Ele conhece uma garota anônima que lhe apresenta a "sala suicida", um lugar do qual não há escapatória. Pego em uma armadilha tecida por suas próprias emoções, Dominik torna-se enredado numa teia de intrigas e gradualmente perde o que ele mais aprecia.
É preciso adentrar na vida deste garoto para poder ver os reais motivos de sua depressão, já no início observamos que é propenso a uma melancolia, na festa de formatura exprime bem sua antipatia com o todo. Sua mãe pede para ele sorrir e o máximo que consegue é um sorriso de canto de boca forçado. Aparentemente tem tudo, mimado ao extremo pelos pais ausentes o suprindo com bens materiais e status, o que o tornou um alguém insuportável, que não sabe lidar com o próximo sem exigir. A cena do ônibus em que pede para desligarem o som mostra o quanto é infantil, pois ele age assim com seu motorista e este sempre acata seu desejo.
O mundo gira em torno dele, mas existe uma grande divergência nisto tudo, ao mesmo tempo que é mimado, também é autodestrutivo e o desencadeamento acontece quando beija em comum acordo um colega, ele se sente confuso em relação a sua sexualidade e acaba se envolvendo emocionalmente, mas o episódio na aula de artes marciais faz com que Dominik mergulhe no mais profundo do seu ser. Dominik enquanto luta com seu colega, se excita e acaba ejaculando, no dia seguinte no facebook é alvo de piadas terríveis. Depois disso não vai mais à escola, se tranca no quarto e se infiltra num mundo onde pode ser quem quiser. O mundo dele agora é a "sala do suicídio", um lugar dentro do jogo "Second Life", lá se comunica com Sylwia, uma garota que diz que cometerá suicídio em breve. Os dois se encontram neste universo juntamente com outros membros e discutem sobre como tirarão a própria vida. A verdade é que Sylwia influenciou Dominik, ele estava muito sensível e suscetível a pensamentos mórbidos.
O filme exibe vários clichês, mas que se fazem essenciais, por exemplo, o personagem emo, rico e mimado que reclama da vida, os pais ausentes, o bullying, é um uma série de questões que geram angústia. Os créditos são todos de Jakub Gierszal que interpreta Dominik, ele é intenso, confuso e passa exatamente a dor de ser incompreendido. Algumas cenas ele praticamente agoniza, como quando sai de seu quarto e implora desesperado ao pai para que reconecte o cabo da internet, o ápice acontece aí. Há muito o que se pensar nesta parte. A vida deste garoto estava no virtual, na conexão que criou com Sylwie, que por vezes nos passa a impressão de estar se aproveitando da situação de Dominik, e por outras parece estar realmente envolvida.
"Sala do Suicídio" tem uma fotografia dark, mas o que se sobressai é a mescla de realidade com cenas de animação. É um drama pesado que retrata a existência de forma crua e passeia por temas difíceis, como a influência da internet na vida de jovens depressivos, o bullying, a solidão, a carência afetiva, pais ausentes que pensam que dinheiro supre as necessidades dos filhos, e daí vem a necessidade de ter uma segunda vida, ser uma outra pessoa e o virtual é uma saída, cria-se a sensação de preenchimento. O filme junta todos estes assuntos e joga na nossa cara uma realidade bem amarga.
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Um Bairro Distante (Quartier Lointain)
"Um Bairro Distante" (2010) é uma adaptação do mangá de Jiro Taniguchi, o filme narra a história de Thomas, um cartunista e pai de família na faixa dos cinquenta anos, Thomas se sente distante da família e apesar dos fãs adorarem suas personagens, o lado profissional está afetado, ele gostaria de fazer algo mais intimista e emocional. Thomas sem querer toma o trem errado e volta à cidade onde cresceu, em uma visita ao cemitério desmaia e desperta quarenta anos antes em seu corpo de adolescente. De volta ao passado, deverá entender as razões da misteriosa partida de seu pai.
A grande sacada do filme é que Thomas volta a sua adolescência com a mentalidade e a consciência de adulto, ou seja, ele revive todos os acontecimentos antes da estranha partida de seu pai de maneira mais compreensiva. A volta ao passado lhe dá a oportunidade de mudar o ocorrido, mas será que é possível mudar o que já aconteceu?
Os sentimentos pessoais se tornam egoístas quando envolvem outras pessoas, no caso de Thomas ele tenta segurar seu pai na casa no dia em que ele irá embora, só que o desejo do pai era o mesmo, fugir de uma vida da qual lhe foi imposta, uma vida que o aprisionava. O menino aos poucos vai descobrindo o que há por trás daquele homem sempre quieto, e então compreende que mesmo que as decisões de seu pai o afete, não poderá mudar o passado.
Thomas volta em uma cidade do interior de Paris dos anos 70, onde viveu sua adolescência, seu primeiro amor, suas descobertas e seus traumas. São cenas charmosas e imensamente nostálgicas. Quando somos crianças o mundo a nossa volta parece pequeno, tudo se resume aos pais e aos nossos desejos supridos. Quando adolescentes começamos a perceber que a vida não é feita de cores a todo instante, nossos pais têm problemas, às vezes já nem se entendem mais, ou na verdade, nunca se entenderam, e mesmo assim não levamos em conta os seus sentimentos, ainda não somos capazes de enxergá-los com distanciamento. Só mais tarde é que compreendemos a dimensão de alguma situação que quando adolescentes não compreendíamos.
A grande sacada do filme é que Thomas volta a sua adolescência com a mentalidade e a consciência de adulto, ou seja, ele revive todos os acontecimentos antes da estranha partida de seu pai de maneira mais compreensiva. A volta ao passado lhe dá a oportunidade de mudar o ocorrido, mas será que é possível mudar o que já aconteceu?
Os sentimentos pessoais se tornam egoístas quando envolvem outras pessoas, no caso de Thomas ele tenta segurar seu pai na casa no dia em que ele irá embora, só que o desejo do pai era o mesmo, fugir de uma vida da qual lhe foi imposta, uma vida que o aprisionava. O menino aos poucos vai descobrindo o que há por trás daquele homem sempre quieto, e então compreende que mesmo que as decisões de seu pai o afete, não poderá mudar o passado.
Thomas volta em uma cidade do interior de Paris dos anos 70, onde viveu sua adolescência, seu primeiro amor, suas descobertas e seus traumas. São cenas charmosas e imensamente nostálgicas. Quando somos crianças o mundo a nossa volta parece pequeno, tudo se resume aos pais e aos nossos desejos supridos. Quando adolescentes começamos a perceber que a vida não é feita de cores a todo instante, nossos pais têm problemas, às vezes já nem se entendem mais, ou na verdade, nunca se entenderam, e mesmo assim não levamos em conta os seus sentimentos, ainda não somos capazes de enxergá-los com distanciamento. Só mais tarde é que compreendemos a dimensão de alguma situação que quando adolescentes não compreendíamos.
Thomas com mentalidade adulta em corpo de criança revive uma situação traumática, seu pai o abandonou no dia de seu próprio aniversário, para todos da família foi um episódio estranho e sem explicação, mas agora ele pode enxergar os porquês, mas principalmente compreender e até perdoar.
Thomas ao regressar encontra seus amigos de escola, as brincadeiras, a garota da qual era apaixonado, mas essas coisas de menino vão sendo deixadas pra trás, as descobertas acerca de sua mãe e seu pai vão lhe abrindo caminhos. Tinha algo que segurava seu pai na cidade e não era a família que ele formou por pura ocasionalidade. É uma realidade difícil de encarar mas completamente necessária, já que a partida do pai o perseguiu pela vida toda.
"Um Bairro Distante" é um filme sensível, segue de forma leve e passa a mensagem sutilmente nos dando a possibilidade de olhar por diversos ângulos.
Tem ótimas atuações e uma fotografia maravilhosa, além de ser fiel ao mangá de Jiro Taniguchi, que passa o seguinte recado: Não podemos mudar o nosso passado, mas podemos compreendê-lo, e por conseguinte, nos entendermos melhor.
Thomas ao regressar encontra seus amigos de escola, as brincadeiras, a garota da qual era apaixonado, mas essas coisas de menino vão sendo deixadas pra trás, as descobertas acerca de sua mãe e seu pai vão lhe abrindo caminhos. Tinha algo que segurava seu pai na cidade e não era a família que ele formou por pura ocasionalidade. É uma realidade difícil de encarar mas completamente necessária, já que a partida do pai o perseguiu pela vida toda.
"Um Bairro Distante" é um filme sensível, segue de forma leve e passa a mensagem sutilmente nos dando a possibilidade de olhar por diversos ângulos.
Tem ótimas atuações e uma fotografia maravilhosa, além de ser fiel ao mangá de Jiro Taniguchi, que passa o seguinte recado: Não podemos mudar o nosso passado, mas podemos compreendê-lo, e por conseguinte, nos entendermos melhor.
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
Luz Depois das Trevas (Post Tenebras Lux)
"Luz Depois das Trevas" (2012) do mexicano Carlos Reygadas (Japón - 2002) é um filme curioso composto por fragmentos, memórias, sonhos e ilusões, ele passeia ao mesmo tempo pelo obscuro e a luminosidade, assim como o título propõe. Não é cinema feito para agradar, sua narrativa não segue nada em absoluto, mas evoca sensações únicas e isso poucos diretores conseguem. Carlos Reygadas conhecido por filmes não convencionais já disse várias vezes que não pretende a aceitação dos críticos ou da maioria dos espectadores, mas apenas tocar algumas pessoas. A sua maneira de fazer cinema é completamente livre, e, portanto, completa.
Uma família de classe média alta se muda da cidade do México para viver no interior do país, Juan e sua família devem se adaptar a um local onde a vida é compreendida de uma maneira diferente da conhecida por eles. Entre o sofrimento e o prazer, estes dois mundos distintos coexistem. Resta saber se se complementam ou lutam inconscientemente pela eliminação um do outro. Carlos Reygadas partiu de suas memórias, medos, sonhos e esperanças para contar uma nova história, mesclando fatos reais e ficcionais.
O filme ressalta a natureza de modo transcendental, além de mostrar uma figura estranha: a silhueta vermelha do diabo entrando na casa da família. É realmente estranho e um tanto chato assisti-lo, mas é daqueles filmes que não nos arrependemos, pois só tende a acrescentar ao final. Explicar é impossível, mas pegando algumas partes observamos, por exemplo, a decadência da aparente família feliz, Natália e Juan tem dois filhos, Rut e Eleazar (filhos do diretor), e conforme o desenrolar percebemos que Juan é um ser humano imprevisível e irritado, a cena do cachorro sendo espancado retrata a sua personalidade perturbada. Em certo momento ele diz: Porque destruo tudo que amo? É o bem e o mal constantemente imerso nesse contexto familiar, a natureza e os filhos simbolizam o bem, os laços e a esperança, mas o mal é introduzido drasticamente e logo toda essa beleza é quebrada.
A cena inicial é dotada de inocência e deslumbramento, a menininha se inebria com a natureza e os animais, mas tudo se desfaz com uma tempestade que se aproxima nos dizendo que nada se salva deste mundo.
Tudo são apenas sonhos, a filmagem que em quase todo o filme é desfocada nos cantos dá essa sensação. Estamos vivendo num sonho e quando partimos entraremos em outro e assim por diante. Há uma mistura incansável de fatos reais e fantasia, a cena da sauna free sex com salas com nomes de filósofos é uma das mais intrigantes, são fragmentos de memórias ou fantasias não realizadas.
Há diversas metáforas que talvez somente o diretor entenda, já que é uma espécie de autobiografia, por isso várias críticas atribuíram ao filme o adjetivo de esnobe. Não dá para dizer que é um filme gostoso de assistir e com certeza a experiência é única a cada pessoa. É cinema experimental e para quem deseja se aventurar aconselho a se desprender das convencionalidades e das narrativas lineares. Não há como criar vínculo emocional com nada.
Decerto que várias coisas passam despercebidas, mas alguns diálogos são maravilhosos, como quando citam um trecho de "Guerra e Paz", de Tolstói, sobre o desejo de ter poder e o de perdê-lo. Eis que essa frase cai bem: "Para conquistar o poder é preciso amá-lo. Ora, a ambição nunca está de acordo com a bondade, mas apenas com a duplicidade e a violência. Logo, não são os melhores, são os piores que se apoderam do poder."
Um outro momento válido para se entender algo é quando Juan está acamado por ter levado um tiro de seu empregado e Natália ao piano canta "It's a Dream, de Neil Young. Somos feitos de memórias, sonhos, fantasias, e o bem e o mal sempre está circulando em nossa mente. "Luz Depois das Trevas" é um filme obscuro que aguça nossa curiosidade, feito para sentir e não entendê-lo. Você vê e sente, descrevê-lo é pura ousadia.
terça-feira, 10 de setembro de 2013
A Parede (Die Wand)
"A Parede" (2012) é baseado no livro homônimo da escritora austríaca Marlen Haushofer. O argumentista e realizador austríaco Julian Roman Pölsler filmou a história em Salzkammergut, tendo mantido sempre uma rigorosa proximidade ao texto original. Sendo o livro tanto um conto, um romance de emancipação ou uma crítica civilizacional, parece ser também de uma grande atualidade no que se diz respeito às questões sobre o comportamento humano em relação à natureza e a si próprio.
Uma mulher (Martina Gedeck) faz um passeio com um casal até uma cabana de caça nas montanhas. Pela noite, os amigos vão visitar o bar situado numa aldeia do vale, mas a mulher fica em casa com o cão. Na manhã seguinte, o casal ainda não chegou em casa e a mulher põe-se a caminho da aldeia, se deparando com algo inimaginável. Existe uma parede invisível que a separa do resto do mundo e atrás da qual parece não existir vida. Agora a mulher é obrigada a sobreviver na floresta, sozinha com um cão, um gato e uma vaca. Escreve os seus pensamentos, preocupações e necessidades num caderno, que talvez ninguém voltará a ler.
"A Parede" é um filme que explora o lado existencialista e não da sobrevivência. Inicialmente vemos a mulher e um casal de amigos mais velhos a caminho de um lugar lindo rodeado por montanhas, mas ela acaba ficando sozinha, pois eles resolveram ir ao vilarejo mais próximo, o cachorro Luchs por algum motivo decide ficar junto da mulher. No dia seguinte, dada a ausência dos amigos ela dá uma volta para tentar encontrá-los, porém um inimaginável obstáculo aparece, uma parede invisível a impede de passar. Ela apalpa não acreditando nesta possibilidade, o desespero em sua fisionomia vai aos poucos assumindo tons de agonia, ela olha, para, senta, pensa e sente a parede. Abismada volta para trás e ao regressar se depara com uma casa em meio as árvores com dois velhinhos, mas há uma parede impedindo sua passagem e não sendo o suficiente as pessoas estão paralisadas como se o tempo tivesse parado. Ela não compreende o que está acontecendo, então explora todas as alternativas de sair do local, cuja natureza é exuberante.
Demora alguns dias para que a mulher entenda que não há o que fazer. Sua vida agora é se preocupar com a alimentação e a solidão que cada vez mais a rodeia. Tudo muda realmente quando aparece uma vaca prenha, um ser vivo lhe dá a esperança e um certo aconchego. Logo também chega uma gatinha também grávida. Esses animais, principalmente o cachorro são a energia que a move, ela passa os dias ocupada trabalhando, tirando leite, plantando e caçando, essa atividade em especial é a mais árdua, ela entende que é necessário, mas se sente muito mal.
Pouco a pouco a integração com a natureza acontece, começa a entender os ciclos e como tudo funciona, não mais se preocupa com calendário, mas apenas com as estações do ano e como passar por elas da melhor maneira. Reconhece em Luchs um verdadeiro companheiro, sabe o que cada gesto ou olhar significa, ela não é capaz de sentir tristeza perto dele. Interessante é que em nenhum momento os animais são humanizados, eles são o que são e a mulher se adapta a eles, capta os seus sinais e a forma que sobrevivem. A convivência com Luchs a fez compreender que o cachorro é o animal mais dependente do homem, sua domesticação o fez ter sentimentos parecidos com os nossos. Outra parte curiosa é quando a gatinha é morta por uma raposa, a mulher sabe que esta gatinha é frágil e nasceu no lugar errado e sabe que a raposa agiu conforme seus instintos, não foi violência. Seria violência se ela, um animal racional, matasse esta raposa por um sentimento egoísta. A protagonista cresce a cada cena, ganha proporções existenciais, não há falas, somente seus relatos dos quais escreve em papéis soltos.
"Eu ficaria mais tranquila com alguma forma de loucura do que com a terrível coisa invisível."
Uma das cenas mais lindas é quando ela relata sobre um corvo branco. Mesmo sendo diferente dos outros corvos ele voa junto, porém não muito próximo. Enquanto todos pousam na mesma árvore, ele pousa em outra, sabe que faz parte daquela espécie, mas não é aceito por ser diferente. A mulher pensa: quem sabe no meio da floresta encontre um corvo igual a ele e não prossiga mais só, mas corvos brancos são raros e a chance de encontrar é mínima. Isto simboliza a necessidade do ser humano de se relacionar, a busca pelo seu igual, a sensação de preenchimento e ser aceito pelo que se é verdadeiramente. Há diversas cenas grandiosas, mas destaco as que a mulher juntamente com o cachorro deita sobre a grama e sente o toque suave da natureza, o sopro da brisa lhe acariciando o rosto, o sol reenergizando seu corpo. É a imensidão tomando conta, são sensações através de sensações. É o silêncio que fala.
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
E Agora, Aonde Vamos? (Et Maintenant On Va Où?)
Numa vila do Líbano isolada por minas terrestres, mulheres muçulmanas e cristãs se unem para proteger suas famílias da violência e do sofrimento. Elas inventam todo tipo de estratégia para impedir que seus maridos se enfrentem e gerem ainda mais mortos num lugar marcado pela guerra. Para distrair os homens, elas vão desafiar tabus, chamando um grupo de dançarinas ucranianas para visitar o lugar e servindo biscoitos com maconha numa festa. Mas quando uma morte trágica acontece, elas serão obrigadas a adotar uma tática bem mais radical.
Dirigido e protagonizado pela linda Nadine Labaki (Caramelo - 2007), o filme mostra como seria mais fácil se as mulheres ficassem a frente de tudo. Com muita sensibilidade essas mulheres que já perderam demais numa guerra totalmente movida por egos, convivem em paz com cristãos e muçulmanos, enquanto o resto do país guerreia em prol sabe-se lá do quê, pois como percebemos no desenrolar, lá na própria aldeia muçulmanos e cristãos desencadeiam as brigas por motivos banais, que na última instância agride a religião do outro.
A cena de abertura é maravilhosa, uma procissão de mulheres todas vestidas de preto indo ao cemitério visitar seus entes queridos que morreram na guerra, elas estão cansadas de sofrer, então decidem evitar a qualquer custo todo tipo de informações que vêm de fora, quando todos se juntam para assistir televisão o canal de notícias é evitado, isso funciona também com os jornais que chegam, o intuito é viverem em paz. Mas infelizmente, não é tão simples, os homens movidos pela ânsia de estar sempre certos pelo aspecto religioso acabam arrumando atritos. Um dia, a mesquita é invadida pelos animais de criação, enfurecendo os muçulmanos que culpam os cristãos pela heresia. Em represália, os muçulmanos quebram a imagem de uma santa. Falta pouco para que cada lado pegue em armas e inicie a matança, mas é aí que as mulheres da aldeia articulam um plano para distraí-los, elas trazem algumas dançarinas ucranianas, apelam para bolinhos de haxixe e até forjam um milagre. É incrível a maneira leve que o filme aborda os conflitos religiosos. As músicas inseridas e o humor dão um tom completamente doce. Aquelas mães, esposas e filhas querem apenas mostrar aos seus que não faz sentido matar seu semelhante pela religião que escolheu.
A diversidade religiosa no Líbano é grande, as divergências de pensamentos em relação a sua identidade faz dele um país difícil de decifrar. Nadine Labaki traz uma história séria com uma linda mensagem e surpreende com a ousadia com que é tratada, um filme sob a ótica das mulheres e como seria mais ameno viver sob o comando delas. Há várias cenas dramáticas, uma das mais lindas é quando uma mãe perde o filho e o esconde no poço para que os homens da aldeia não recorram à vingança e destruam a paz existente, essa cena mostra a força de uma mãe para um bem maior, é dilacerante e extremamente belo.
Nadine Labaki tem a sua própria maneira de fazer cinema, as mulheres são o foco em seus filmes e isso só tende a acrescentar, pois num país tão machista esse olhar feminino gera delicadeza e doçura.
Entre tantos filmes que abordam o tema sobre conflitos religiosos esse é diferente, contém todo o drama e o peso que as mulheres carregam por conta de uma guerra irracional e suas perdas irreparáveis, mas ao final deixa claro que não importa a religião, somos todos humanos e nada melhor do que viver em paz com os nossos vizinhos.
Dirigido e protagonizado pela linda Nadine Labaki (Caramelo - 2007), o filme mostra como seria mais fácil se as mulheres ficassem a frente de tudo. Com muita sensibilidade essas mulheres que já perderam demais numa guerra totalmente movida por egos, convivem em paz com cristãos e muçulmanos, enquanto o resto do país guerreia em prol sabe-se lá do quê, pois como percebemos no desenrolar, lá na própria aldeia muçulmanos e cristãos desencadeiam as brigas por motivos banais, que na última instância agride a religião do outro.
A cena de abertura é maravilhosa, uma procissão de mulheres todas vestidas de preto indo ao cemitério visitar seus entes queridos que morreram na guerra, elas estão cansadas de sofrer, então decidem evitar a qualquer custo todo tipo de informações que vêm de fora, quando todos se juntam para assistir televisão o canal de notícias é evitado, isso funciona também com os jornais que chegam, o intuito é viverem em paz. Mas infelizmente, não é tão simples, os homens movidos pela ânsia de estar sempre certos pelo aspecto religioso acabam arrumando atritos. Um dia, a mesquita é invadida pelos animais de criação, enfurecendo os muçulmanos que culpam os cristãos pela heresia. Em represália, os muçulmanos quebram a imagem de uma santa. Falta pouco para que cada lado pegue em armas e inicie a matança, mas é aí que as mulheres da aldeia articulam um plano para distraí-los, elas trazem algumas dançarinas ucranianas, apelam para bolinhos de haxixe e até forjam um milagre. É incrível a maneira leve que o filme aborda os conflitos religiosos. As músicas inseridas e o humor dão um tom completamente doce. Aquelas mães, esposas e filhas querem apenas mostrar aos seus que não faz sentido matar seu semelhante pela religião que escolheu.
A diversidade religiosa no Líbano é grande, as divergências de pensamentos em relação a sua identidade faz dele um país difícil de decifrar. Nadine Labaki traz uma história séria com uma linda mensagem e surpreende com a ousadia com que é tratada, um filme sob a ótica das mulheres e como seria mais ameno viver sob o comando delas. Há várias cenas dramáticas, uma das mais lindas é quando uma mãe perde o filho e o esconde no poço para que os homens da aldeia não recorram à vingança e destruam a paz existente, essa cena mostra a força de uma mãe para um bem maior, é dilacerante e extremamente belo.
Nadine Labaki tem a sua própria maneira de fazer cinema, as mulheres são o foco em seus filmes e isso só tende a acrescentar, pois num país tão machista esse olhar feminino gera delicadeza e doçura.
Entre tantos filmes que abordam o tema sobre conflitos religiosos esse é diferente, contém todo o drama e o peso que as mulheres carregam por conta de uma guerra irracional e suas perdas irreparáveis, mas ao final deixa claro que não importa a religião, somos todos humanos e nada melhor do que viver em paz com os nossos vizinhos.
quinta-feira, 5 de setembro de 2013
O Visitante (The Visitor)
Walter Vale, um professor de Economia de Connecticut, precisa ir a Nova Iorque para uma conferência. Porém, descobre que tem um casal morando em seu apartamento: Tarek e Zainab, imigrantes ilegais que tocam suas vidas normalmente na Big Apple. Após um habitual período de desentendimentos, o professor acaba propondo abrigo para eles em seu apartamento e, aos poucos, vai se envolvendo com essas pessoas e com o tambor sírio, instrumento que Tarek toca.
Apesar de falar sobre as complicações da imigração, "O Visitante" (2007) é sobre transformações feitas a partir da diversidade cultural, Walter é um homem que já não tem ambições na vida, depois de perder sua mulher, sua vida se resume a dar aulas repetitivas para apenas uma turma e fingir que escreve um livro. A cena inicial o mostra tentando tocar piano, a professora tenta, mas percebe que o dom não existe nele, sua cisma em aprender deve ser para ficar próximo de algo que sua mulher adorava fazer. Walter é solitário e angustiado, um homem completamente fechado. Quando vai para NY para a conferência dá de cara com dois imigrantes morando em seu apartamento, ao invés de expulsá-los ou ficar assustado, ele tenta entender o que se passa e no fim das contas deixa-os ficar lá. Com o tempo Walter se interessa pela música de Tarek, este sempre animado decide ensiná-lo, e eis que uma mudança começa a acontecer no interior desse homem enclausurado. Os personagens são apaixonantes, a diversidade cultural fascina, Tarek é sírio e sua namorada que fabrica artesanatos é senegalesa, também há a mãe de Tarek que é da palestina. Essa mistura acrescenta um dinamismo interessante à história.
Uma amizade se forma entre Walter e Tarek e juntos chegam a tocar tambor no Central Park, porém na volta pra casa Tarek é preso no metrô acusado de não pagar o bilhete, e acaba indo para uma casa de detenção para imigrantes. Walter se sentindo culpado pelo incidente no metrô contrata um advogado para Tarek, mas as leis são rígidas quando se trata de imigrantes ilegais, ainda mais com o recente atentado de 11 de setembro, todos eram vistos como suspeitos. Alguns ficavam presos por anos e anos, outros deportados. A situação sobre a imigração é tratada sob uma ótica despretensiosa e leve, o que importa na verdade é a relação que se forma entre pessoas tão diferentes entre si.
Com a chegada de Mouna, mãe de Tarek, a vida de Walter ganha mais cor e significado, como ela também está ilegal no país ele a convida para ficar em seu apartamento, entre conversas e cafés os dois se apaixonam e formam uma amizade mais que especial, é inevitável não ficarmos apaixonados pelos dois, mais ainda por Walter, que carrega em si uma personalidade rica e afetuosa. Walter é o tipo que já perdeu muito pelo caminho e por isso se fechou, mas mesmo assim esbanja doçura.
As melhores cenas é as que Walter batuca seu djembê, é a transformação feita através da música e da diversidade cultural.
Walter é o visitante de sua própria terra, um homem discreto, mas terno que carrega em si lindos valores, a sua personalidade aparentemente fechada é apenas consequência de uma vida que não lhe dava mais nada, toda sua doçura aparece quando encontra um caminho para uma bela mudança interior recheada de música e cultura.
terça-feira, 3 de setembro de 2013
Expurgo (Puhdistus)
Baseado na obra homônima da escritora finlandesa Sofi Oksanen, "Expurgo" (2012) conta a história de Aliide, uma velha senhora que vive solitária em uma floresta da Estônia, um dia acolhe em sua casa Zara, uma jovem russa. Apesar das desconfianças e precauções iniciais, as duas começam a se conhecer melhor e desenvolvem uma relação de amizade. Zara era uma escrava sexual na Rússia, e depois que fugiu passou a ser caçada por dois mafiosos que estavam envolvidos no mercado sexual. Aliide vê na nova amiga uma oportunidade de contar sua trajetória e suas experiências pela União Soviética, tentando se livrar dos próprios fantasmas. O ano é 1992, pouco tempo após o fim do regime soviético na Estônia. Passado e presente se cruzam nos revelando a história de duas mulheres oprimidas.
Uma breve introdução sobre a Estônia se faz necessário para compreender melhor o drama em que a personagem Aliide vive. A Estônia fica situada entre a Finlândia, Letônia, Rússia e Suécia, na Segunda Guerra Mundial os alemães ocuparam a Estônia, mas em 1944 a União Soviética expulsou os nazistas e o exército vermelho assumiu o comando. O regime soviético então foi restabelecido, no que causou mais danos para a população. Quem não aderisse era massacrado, morto ou deportado. As punições diminuíram um pouco só quando Stalin morreu, mas ainda assim inúmeros crimes foram cometidos e a Estônia se tornou independente em 1991.
A história acontece nesse contexto, sai os nazistas entra os soviéticos, Aliide e sua irmã Ingel se apaixonam por Hans Pekk, este por sua vez sente-se atraído por Ingel, Aliide não tem uma beleza extraordinária e acaba se retraindo por conta disso, ela passa então a nutrir um amor obsessivo em relação a Hans, capaz de qualquer coisa por um único momento, um único olhar, ou mesmo um elogio. Ingel e Hans se casam e não demora muito para terem um bebê, Aliide vive em função da irmã para ficar mais próxima de Hans, e em dado momento tem a ideia de que para Hans não morrer lutando é preciso escondê-lo, com o consentimento da irmã prepara um esconderijo do qual ele ficará por algum tempo, enquanto isso ela enfrenta perguntas e mais perguntas sobre o paradeiro de Hans, ela defronta-se com muita violência e abuso sexual da parte dos comunistas.
O filme passeia entre passado e presente, vai revelando aos poucos sobre as histórias que se cruzam, a menina Zara que foge dos mafiosos do ramo de exploração sexual aparece na casa de Aliide, e esta se depara com o destino e vê a oportunidade de expurgar seus pecados do passado.
Para viver na Estônia em tempos de guerra era preciso mentir e até trair, e foi o que Aliide fez, ainda mais movida por um amor não correspondido, ela foi capaz de trair a própria irmã a delatando juntamente com a filhinha e logo foram deportadas para um campo de trabalhos forçados. Casou-se com um comunista e mudou para sua casa com o marido, tudo com o objetivo de ficar mais próxima de Hans, para ele reconhecer nela uma mulher. Hans nesse meio tempo enclausurado enlouquece, quer a mulher e sua filha de volta, mas Aliide inventa que elas estão bem e que isso foi necessário. Toda vez que seu marido sai ela o tira do esconderijo, o limpa, o alimenta e se ilude achando que a amará. Com certeza Aliide fez coisas horríveis, mas de certo modo na inocência, se Hans simplesmente a olhasse já seria o suficiente, mas não o fez e então esse amor foi a consumindo e diante do contexto em que vivia agiu para conseguir sobreviver.
A personagem aparentemente sem sal vai ganhando uma beleza imensurável, o desfecho ressalta isso. Ela se transformou em uma mulher dura, pois foi mal vista por todos e esquecida por seus familiares. Na verdade, os chamados crimes e pecados foram sacrifícios necessários em um período repressor. O filme tem um roteiro encorpado que fascina à medida que avança, a personagem se livra da sujeira do passado através de Zara, e esta graças a Aliide se livra da sua. A cena final é libertadora e aliviante.
"As pessoas correm e fogem enquanto têm forças. Quando já não têm forças tentam se esconder. Mas nem todos podem correr rápido o suficiente, ou encontrar um esconderijo suficientemente bom."
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
Quatro Minutos (Vier Minuten)
Traude Krüger (Monica Bleibtreu) trabalha há anos como professora de piano em uma penitenciária. Ao reconhecer o talento musical de Jenny (Hannah Herzsprung), uma jovem violenta e indisciplinada, presa e condenada por assassinato, resolve se tornar sua tutora e inscrevê-la num concurso de piano. A relação das duas se desenvolve quando a professora de piano também se revela autoritária e intransigente, possuindo interesses pessoais na vitória de Jenny no concurso. Jenny é uma mulher cuja vida acabou. Presa por assassinato em uma penitenciária feminina, ela não demonstra qualquer remorso. Mas por trás de sua fachada impenetrável, esconde-se um surpreendente talento musical.
Drama de superação é um grande problema, por mais lindo que seja sempre acaba caindo em clichês e melodramas, mas o diferencial de "Quatro Minutos" é a trajetória das personagens, o pessoal de cada uma, tanto da professora presa em si mesma pelos anos em que sofreu por conta do nazismo, e Jenny que aos poucos vai deixando seu interior calejado dar lugar a um talento imensurável, que explode justamente na última cena, cujo título exemplifica, são quatro minutos de redenção e libertação.
O drama alemão dirigido por Chris Kraus ganhou inúmeros prêmios, mas mesmo assim não se tornou comercial, foi uma enorme surpresa e um prazer conhecê-lo, é emocionante e capaz de nos arrancar lágrimas e sorrisos ao mesmo tempo. Jenny e Traude são pessoas frias, sofridas, uma totalmente reclusa, a outra explosiva e violenta. Com o desenrolar percebemos que as duas na verdade não são tão diferentes assim.
O conflito do novo e velho aparece na forma de música, Traude ensina Schumann, bem tradicional, por sua vez Jenny toca "música de negros", segundo a rígida professora.
Ao longo do filme entendemos o porquê Traude é tão endurecida, esse aspecto é visível em seu rosto e na sua postura corporal, o passado e a culpa a atormenta. Jenny sempre teve muito talento musical, mas foi muito pressionada pelo pai, seu caminho tornou-se incerto e ao final restou-lhe a prisão.
O concurso que dá a Jenny um novo rumo acaba por não ser tão fácil assim, as outras presas invejam a detenta pianista, e junto com o carcereiro que um dia Jenny agrediu tentam boicotar queimando sua mão enquanto dorme. Para Jenny conseguir se apresentar Traude é capaz de muitas coisas, inclusive ajudá-la a fugir da prisão. E então, eis que surge o grand finale repleto de significados.
Geralmente filmes que abordam o tema música e que envolvem concertos têm finais extasiantes, só que em "Quatro Minutos" é muito mais que uma apresentação rica musicalmente, ele abrange todo o sentimento que ficou incubado na personagem, é uma explosão de si mesma, de gritar através de sua música seus conflitos e todo o seu talento. Isso acontece também a Traude que reluta ao assisti-la por sua descompostura diante a platéia, mas ela acaba a entendendo e sente orgulho finalmente, e Jenny em sua reverência final demonstra que a respeita também.
As atuações são impecáveis, de uma densidade incrível, tanto Jenny com toda sua violência, e Traude com a sua rigidez. Muitas críticas afirmaram que o longa vale mesmo só pelos quatro minutos finais, discordo totalmente, a cena final não teria tanta força se não fosse pelo desenvolvimento de suas personagens.
Drama de superação é um grande problema, por mais lindo que seja sempre acaba caindo em clichês e melodramas, mas o diferencial de "Quatro Minutos" é a trajetória das personagens, o pessoal de cada uma, tanto da professora presa em si mesma pelos anos em que sofreu por conta do nazismo, e Jenny que aos poucos vai deixando seu interior calejado dar lugar a um talento imensurável, que explode justamente na última cena, cujo título exemplifica, são quatro minutos de redenção e libertação.
O drama alemão dirigido por Chris Kraus ganhou inúmeros prêmios, mas mesmo assim não se tornou comercial, foi uma enorme surpresa e um prazer conhecê-lo, é emocionante e capaz de nos arrancar lágrimas e sorrisos ao mesmo tempo. Jenny e Traude são pessoas frias, sofridas, uma totalmente reclusa, a outra explosiva e violenta. Com o desenrolar percebemos que as duas na verdade não são tão diferentes assim.
O conflito do novo e velho aparece na forma de música, Traude ensina Schumann, bem tradicional, por sua vez Jenny toca "música de negros", segundo a rígida professora.
Ao longo do filme entendemos o porquê Traude é tão endurecida, esse aspecto é visível em seu rosto e na sua postura corporal, o passado e a culpa a atormenta. Jenny sempre teve muito talento musical, mas foi muito pressionada pelo pai, seu caminho tornou-se incerto e ao final restou-lhe a prisão.
O concurso que dá a Jenny um novo rumo acaba por não ser tão fácil assim, as outras presas invejam a detenta pianista, e junto com o carcereiro que um dia Jenny agrediu tentam boicotar queimando sua mão enquanto dorme. Para Jenny conseguir se apresentar Traude é capaz de muitas coisas, inclusive ajudá-la a fugir da prisão. E então, eis que surge o grand finale repleto de significados.
Geralmente filmes que abordam o tema música e que envolvem concertos têm finais extasiantes, só que em "Quatro Minutos" é muito mais que uma apresentação rica musicalmente, ele abrange todo o sentimento que ficou incubado na personagem, é uma explosão de si mesma, de gritar através de sua música seus conflitos e todo o seu talento. Isso acontece também a Traude que reluta ao assisti-la por sua descompostura diante a platéia, mas ela acaba a entendendo e sente orgulho finalmente, e Jenny em sua reverência final demonstra que a respeita também.
As atuações são impecáveis, de uma densidade incrível, tanto Jenny com toda sua violência, e Traude com a sua rigidez. Muitas críticas afirmaram que o longa vale mesmo só pelos quatro minutos finais, discordo totalmente, a cena final não teria tanta força se não fosse pelo desenvolvimento de suas personagens.
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