quarta-feira, 26 de dezembro de 2018
O Grande Bazar
"O Grande Bazar" (2006) dirigido por Licínio Azevedo (Comboio de Sal e Açúcar - 2016) exibe com muita pureza a realidade de um garoto pobre no Moçambique. Aos olhos acostumados com estéticas rebuscadas pode soar um tanto incômodo, mas a beleza está justamente na simplicidade de sua composição e história.
O filme centra-se na figura de Paíto, um moçambicano de 12 anos que, após ter sido roubado por um bando de rapazes, decide não voltar para casa enquanto não recuperar o que perdeu. Paíto passa a viver num mercado da capital moçambicana onde conhece Xano, um pequeno ladrão com o qual forja amizade e partilha aventuras. Vendedores, clientes, ladrões e a vida insólita do bazar constituem o pano de fundo. Pelos olhos do jovem Paíto percebemos bem de perto o que significa (sobre)viver numa cidade no sul de África. O filme aprecia com vagar ambientes e cenas comovedoras, transmitindo um olhar sem disfarce sobre o cotidiano.
O recorte social é sincero e em qualquer parte do mundo em que a miséria impera a criatividade em se ganhar dinheiro surge, claro que há a parte que prefere roubar, mas nosso pequeno protagonista faz parte daquela que se vira como dá, cria um jeito aqui e ali, ele vende na porta de sua casa uma espécie de biscoito feito de farinha de trigo, sua mãe pede que ele vá comprar mais, só que chegando lá a farinha acabou e precisa esperar, vendo o pessoal indo comprar cigarro se anima e compra com o dinheiro da farinha um maço e vende os cigarros separadamente a fim de dobrar a quantia que tinha, mas é pego desprevenido por uma gangue local que a maioria teme, sem saber o que fazer e com medo de voltar para casa pega o trem e desce na capital, mais precisamente no grande mercado, lá conhece Xano, um garoto praticamente abandonado que comete pequenos delitos, que no caso Paíto não gosta, mas acabam se ajudando e formando um laço de amizade, além dele conhece um fotógrafo que possui em seu dedo mindinho uma unha com um buraco do qual faz o seu foco e também um vendedor de sapatos que sempre divide sua comida com ele. Com leveza e bom humor seguimos esses meninos pelo grande bazar a tentar ganhar algumas moedas, seja ajudando os turistas ou criando novos meios que agucem a clientela, Paíto é observador, muito simpático e detém grande criatividade, ao ver o preço do alho ao invés de receber uma moeda pelo serviço prestado pede uma cabeça de alho e assim vende os dentes separadamente na feira. São jeitinhos que ele encontra para poder voltar pra casa com a farinha, mas toda vez acontece algo ruim ou é roubado. Nisso a amizade ganha formas ao mesmo tempo em que não concordam, realmente os meninos encantam pela espontaneidade em frente a câmera, eles estão vivendo suas próprias vidas, a câmera passeia pelos cantos do bazar e retrata um pouco dessa realidade pobre e dessas pessoas que criativamente se viram para ganhar dinheiro.
É um filme curto, uma média-metragem na verdade, e retrata os desafios cotidianos e a capacidade das pessoas ultrapassarem desafios para a própria sobrevivência, se por um lado há uma gangue denominada "ninjas" que roubam alimentos, dinheiro, ameaçam e até batem nos pequenos, por outro lado Paíto mantém sua ética e ingenuidade, para ele o certo é voltar para casa apenas quando conseguir dinheiro e comprar a farinha pedida pela mãe. Esses dias perambulando pelo mercado e enfrentando todo tipo de adversidade termina por ser um degrau a mais para sua maturidade e na amizade construída obter seu reconhecimento. Lindo o que o amigo faz por ele ao fim.
Paíto é o retrato sincero da luta pela sobrevivência, de se manter forte perante tantas coisas tristes e traiçoeiras, seu sorriso em conseguir seu próprio negócio fecha o filme com esperança, é um tanto bem-humorado, por exemplo os objetos que se vendem na feira, guarda-chuva com poucos furos ou panela de pressão sem tampa, e é justamente dessa forma leve que o diretor constrói e demonstra a vulnerabilidade e a desigualdade social na sociedade moçambicana.
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