terça-feira, 18 de setembro de 2018

O Vazio do Domingo (La Enfermedad del Domingo)

"O Vazio do Domingo" (2018) dirigido por Ramón Salazar é daqueles filmes em que a Netflix injeta dinheiro justamente por enxergar potencial em agradar uma gama dos seus assinantes, os amantes de filmes ditos de arte, então é lançado como original Netflix no mundo todo, nada mais que uma troca, já que é uma boa chance do diretor ser visto e sua obra admirada.  
Mais de trinta anos depois de abandonar sua família, Anabel (Susi Sánchez) recebe uma visita inesperada de sua filha Chiara (Bárbara Lennie - Magical Girl, 2014). Ela cede a seu desejo de passar dez dias em uma vila remota entre a Espanha e a França. Melancólico, reflete profundamente a relação entre mãe e filha, o abandono, a culpa e as maneiras de se reconectar. 
O roteiro tem uma evolução tocante, o que de início fica duvidoso o porquê da reaproximação da filha com a mãe, com o desenrolar percebemos que vai muito além de elo de sangue, mágoas e acerto de contas, é sobre conexões emocionais construídas a partir de um acontecimento e convivência. Nesse contexto a sutileza impera, são momentos dotados de silêncios. Tudo se inicia quando Chiara vai trabalhar de garçonete na mansão de Anabel, uma milionária casada com um homem importante, vemos o quão exigente é com o jantar e o como os garçons devem se apresentar, Chiara faz tudo ao contrário, não tira seus brincos, serve o vinho errado e quando permanece após tudo terminar Anabel percebe que aquela moça é sua filha, abandonada há cerca de 30 anos com o marido francês, claramente seu primeiro pensamento é relacionado a dinheiro, depois de tanto tempo só pode ser esse o motivo, também sente medo de uma vingança e assim manchar o nome e a tranquilidade da família. Chiara não quer um centavo de Anabel, mas o marido pede que ela assine um documento que garantirá que não pedirá absolutamente nada e que não importunará mais depois que passar os dez dias pedidos por ela. Então a madame segue com Chiara para um chalé no meio da floresta, onde Chiara cresceu com o pai, que diz ter morrido. Suas roupas de grife destoam do ambiente rústico, as duas precisam de alguma maneira manter uma relação, o que nos primeiros dias não acontece, Anabel tem receio das intenções de Chiara, esta que articula meios de aproximação, como pegar um cachorro, o enlamear e depois dizer que o resgatou para que a mãe esboce algum sentimento, ela também a força a fazer as tarefas, a sair do salto alto, viver a vida ali, sentir alguma coisa fora da sua bolha.
A maternidade é retratada sob um ponto de vista realista, sem romantizações acerca de elos e amor incondicional, o egoísmo e os desejos de Anabel falaram mais alto e para ela era o certo a fazer, depois de tantos anos esqueceu-se de que tinha uma filha, mas ao se deparar com ela e depois com o pedido de passar dez dias juntas, isso a revolveu por dentro, o que de início soou estranho com o passar dos dias esse pedido ganhou uma significação importante. Ali ela pode repensar, remexer suas memórias, compreender a si mesma e a filha, em meio a natureza, a quietude; o tempo.

O drama é envolto por mistérios e essa relação vai sendo reconstruída, mas não de maneiras clichês, são momentos dos quais ora aproximam, ora repelem, a mágoa, a culpa e a dor permeiam o ambiente, será possível estabelecer um elo materno depois de anos e anos distantes? O sentimento de abandono misturado ao de querer conhecer a pessoa que lhe fez se sentir vazia é imensamente triste, mas Chiara tem seus motivos de tê-la procurado, uma maneira de se sentir em paz. O final é extremamente doloroso e certamente a cada um tocará de uma forma.

"O Vazio do Domingo" diz sobre as escolhas e o sentimento de impotência diante das consequências delas, mas de alguma forma é preciso passar por esses pesos para que de algum modo se transformem. "Algumas lembranças se movem e nos ajudam a viver. Outras... ficam estagnadas. São muito poderosas. Se não as puser em movimento de novo, elas o perturbam", essa frase é citada num ponto crucial da história, Anabel após passar os dez dias com a filha e estabelecer vínculo surge mais um pedido e é aí que mais uma vez ela precisa escolher, os instantes finais é um ato de coragem, de renovação e de amor. Com certeza Anabel olhará a vida de outra maneira, não poderá tampar esse vazio, mas enfim conseguiu encará-lo.

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