sexta-feira, 28 de outubro de 2016
Mãe Só Há Uma
"Mãe Só Há Uma"
(2016) dirigido por Anna Muylaert (Que Horas Ela Volta? - 2015), retrata
conflitos e complexidades numa narrativa desprendida e suscita reflexões acerca
de vários assuntos relevantes.
Inspirado no famoso caso
Pedrinho, do qual descobriu apenas na adolescência ter sido roubado na
maternidade, Pierre (Naomi Nero), um jovem em fase de descobertas vê sua vida
se transformar após sua mãe ir presa e ser jogado em um lar completamente
oposto o da sua criação, o conceito que ele tinha de família se desorganiza,
sua irmã mais nova também tinha sido roubada, mas por mais criminosa e monstro,
como Aracy (Daniela Nefussi) é chamada, ela foi uma mãe. O mundo dele vem
abaixo com a descoberta, como deixar de ver a pessoa com quem conviveu até ali
como não sendo a sua mãe? A confusão de sentimentos toma conta do garoto quando
vai morar com a família verdadeira e ainda mais por estar vivendo um momento
de transformações no âmbito da sexualidade.
Pierre parece estar
desconectado da situação, as reações não são demonstradas inicialmente, ele é
passivo, talvez por não ter outra alternativa e pelo choque da mudança, um
reconhecimento de si e do entorno. A nova família é de classe média alta e tem
toda uma postura correta, rígida, percebe-se por Joca (Daniel Botelho), irmão
de Pierre - que agora é chamado de Felipe, o menino tem referências
controladoras, as suas atitudes são em decorrência desta educação. Os conflitos
com o passar do tempo vão se inflando, existe uma forçação de barra, tentativas
de agradar que mais atrapalham, querem moldar Pierre e escolher o seu futuro, o
garoto nem chegou e já planejam tudo. Compreensível que desejam resgatar o
tempo de sofrimento, mas fazem de maneira torta, não se cria laços do dia para
noite, o amor se constrói, e a compaixão por aquelas pessoas se desfaz quando a
hipocrisia dá as caras e o amor se revela puro egoísmo.
O pai (Matheus
Nachtergaele) aparece algumas vezes chorando e tem receio de o perder
novamente, porém no decorrer identifica-se um sujeito egoísta e preconceituoso,
no episódio em que vai à loja comprar roupas com o filho é perfeito, enquanto
Pierre/Felipe escolhe roupas despojadas, ele pega as camisas sociais, de saco
cheio o garoto decide experimentar um vestido, o que desconstrói completamente
o personagem de pai amoroso. A mãe, Glória, também interpretada por Daniela
Nefussi, não quer enxergar a realidade, tenta abafar não conversando sobre as
atitudes dele e sempre com expressões que beiram a repulsa, seu desgosto
perante o filho é nítido.
O tão desejado reencontro
não foi como eles sonharam, Pierre se cansa do conservadorismo daquela família
e cada vez mais necessita mostrar quem é, começa a confrontá-los e é aí que o filme fica ótimo, o garoto finalmente se impõe, ganha uma boa carga dramática, são tantos
conflitos envolvendo o personagem, além de ter que lidar com a nova família,
precisa entender a sua sexualidade, que está em fase de experimentação, nesse
ponto o longa não usa de esteriótipos e não diz a orientação sexual ou
identidade de gênero, os pais que diziam amá-lo o encaram como uma anomalia por
ele sair fora das normas e despejam preconceito atrás de preconceito.
Destaque para as cenas de
explosões emocionais e para as interpretações, Daniela Nefussi encara de forma
magistral as duas mães, passa imperceptível de tão bem delineada as
personagens, Matheus Nachtergaele também incrível expondo todo o lado de um pai
que teve a chance de recuperar o seu filho, mas não o aceita como é, em um
diálogo ele diz: "De quantas formas você quer que a gente te perca?",
e Naomi Nero entrega um personagem repleto de dilemas, ele o construiu de
maneira sensível e espontânea.
"Mãe Só Há Uma"
tem uma narrativa livre, autêntica e subjetiva, promove inúmeras reflexões,
importantes questões perpassam a trama, principalmente em relação a vínculo
familiar e sexualidade, apesar de se sutil e ter delicadeza não deixa de ser
pertinente e incômodo em muitos momentos.
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Este filme eu ainda não assisti.
ResponderExcluirDos outros trabalhos da diretora, gostei de "Que Horas Ela Volta?".
Outros como "É Proibido Fumar" e "Durval Discos" achei apenas razoáveis.
Abraço