terça-feira, 27 de agosto de 2013
Canções do Segundo Andar (Sånger Från Andra Våningen)
"Canções do Segundo Andar" (2000) do diretor sueco Roy Andersson (Vocês, os Vivos - 2007) é um filme feito de simbolismos, do qual mostra a morte da cultura. A frase que abre o longa e constantemente repetida no desenrolar: "Amado seja aquele que senta" do poeta peruano César Vallejo nos explica a essência, mas não é fácil entender suas metáforas, é preciso prestar atenção no que as imagens têm para nos dizer e aí o filme se torna totalmente compreensível. O que o torna chato por vezes é a narrativa que não segue os padrões convencionais e as tomadas estáticas que remetem a um quadro. Há pitadas de humor negro em relação a nós humanos, a sociedade capitalista e consumista que não para em nenhum momento para se perguntar o porquê de tudo isso, e quem está disposto a parar, observar, pensar, analisar e destrinchar é visto com maus olhos, e por conseguinte, louco.
É noite em algum lugar do hemisfério norte. Naquela cidade, uma série de estranhos incidentes está acontecendo. Aparentemente, uns não se relacionam com os outros. Aliás, o nível de situações surreais que apresentam é tão grande que, por vezes, parecem não ter nenhuma relação: um imigrante perdido na cidade é violentamente espancado no meio da rua; um mágico comete um terrível erro durante um de seus números. No meio dessa confusão, uma figura se sobressai, Karl, que acaba de colocar fogo em sua loja para pegar o dinheiro do seguro. Dormir naquela noite não será fácil para nenhum morador da cidade. No dia seguinte, os sinais do caos estão espalhados por todo o local. Karl é um dos poucos que consegue ver além das aparências. Gradualmente, ele toma consciência do absurdo em que o mundo se transformou e percebe como é difícil se comportar como um ser humano.
O único personagem recorrente é Karl, ele tem dois filhos, um internado como louco por escrever poemas e um taxista que absorve todas as ladainhas dos passageiros e se embebeda no final do expediente. Karl é um livreiro que colocou fogo no seu acervo para poder receber o dinheiro do seguro, o aniversário de 2000 anos de Cristo está chegando e ele resolve aproveitar e comercializar crucifixos, mas a ideia vai por água abaixo, pois ninguém está afim de comprar tal objeto, a fé já não é tão importante, e como um dos personagens diz: "Quem irá comprar um perdedor crucificado?", todos os valores se foram, isso é claro. A mercantilização é o que move essa sociedade caótica. Dia após dia o que interessa é o que convém para si mesmo, ninguém importa-se com o outro, o dinheiro move as pessoas, as seguem como um demônio, a cena em que empresários andam em uma procissão, param e se açoitam é genial, ou o trânsito que não se move, o aeroporto lotado de pessoas carregando bagagens gigantes como se quisessem levar todos os bens materiais existentes, e o sacrifício de uma menina quando diz preferir dividir um bolo ao invés de ficar com ele inteiro, simbolizando a divisão de recursos.
A impressão é que todos estão mortos, a maquiagem empalidece demais os rostos, há uma estafa constante nos personagens, e algumas cenas nos induzem a pensar que todos estão numa espécie de purgatório, há também alguns fantasmas que seguem Karl, que significa que sempre devemos algo a alguém neste mundo insano, sempre tem alguém nos cobrando por algo, não há sossego em momento algum. E o que fazer diante disso? Continuar como escravos, trabalhando feito loucos para ter migalhas. Parar? Nem pensar! Não há tempo para isso, e ai de quem o fizer.
O filho de Karl internado no hospício sempre é visitado pelo pai e irmão, o irmão recita trechos de poesia, já o pai se incomoda por ele não falar e toda vez termina histérico, o que nos faz pensar em quem é o louco na realidade.
É filme para rever, rever e rever, tem simbolismos demais e de primeira vista não dá para absorver de uma vez, uma mente não acostumada a pensar nos porquês não entende, então "Canções do Segundo Andar" é recomendado para quem vê além do banal, pois este é um filme que denuncia a superficialidade de uma sociedade doente que cada vez mais mata a cultura e o hábito de parar e observar.
"Amado seja aquele que senta" diante a rapidez em que tudo flui, pois se não o fizer, é inevitável, o excesso nos leva junto, nos carrega para o superficial onde nada é o suficiente. Sem dúvidas a religião que rege o mundo é o consumismo, o ter é melhor que o ser, já não importa cultivar poesia dentro de si, ninguém está afim, se preferires isso, logo será taxado de estranho ou louco. A mediocridade reina e quem se nega a fazer parte dela, está fadado à solidão.
"Canções do Segundo Andar" é um filme que por vezes parece ser surreal, mas que faz parte de um contexto extremamente realista, e que a mim é completamente triste e melancólico.
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