sexta-feira, 21 de junho de 2013
As Quatro Voltas (Le Quattro Volte)
"As Quatro Voltas" (2010) dirigido por Michelangelo Frammartino é um filme sem diálogos, há apenas ruídos e murmúrios, o que importa é a força da imagem. Assim como o título sugere é um filme que evidencia os ciclos.
Um velho pastor vive seus últimos dias em uma quieta vila medieval no meio das montanhas da Calábria, no sul da Itália. Ele pastoreia suas cabras sob um céu que a maioria dos moradores abandonaram há muito tempo. Está doente e acredita que o melhor remédio para seu problema está na poeira que se acumula no chão da igreja, que ele coleta, mistura à sua água e bebe todos os dias. Um novo cabrito nasce. Ele tenta dar seus primeiros passos e lentamente se fortalece até poder acompanhar o rebanho. Ali perto, uma árvore magnífica chacoalha com a brisa da montanha e muda vagarosamente com as estações. O natural e o aparentemente banal é filmado e é incrível como insignificâncias ganham magnitude, são tomadas longas em que a câmera observa o ritmo tedioso daquela vila. O homem que pastoreia suas cabras e que a cada dia definha mais e mais tem fé que a poeira da igreja de algum modo irá salvá-lo, pobre mortal, ninguém pode ir contra a natureza, eis o ciclo da vida.
A procissão que perambula nas ruas é vista de longe, a câmera prima por outros ângulos, como o cão que os atrapalha, o personagem mais importante é o animal que anuncia que seu dono morreu. Esse instante do filme retrata de maneira natural o quanto somos irrelevantes, atribuímos valores em certas coisas da vida e esquecemos da efemeridade de nossa existência. Nos iludimos em pensar no depois da morte, mas a questão é que a vida não para porque morremos, ela segue com seu ciclo, e no filme ela continua com o nascimento de um cabritinho, vemos ele nascer, dar seus primeiros passos, até que pode se juntar aos outros animais para o pastoreio, mas um dia ele acaba se perdendo dos outros e desesperado se junta a uma imensa árvore, a próxima protagonista do filme.
A suntuosa árvore é filmada em todo seu esplendor, são ângulos impecáveis, desde seu tronco a seus galhos chacoalhando ao vento, é realmente lindo. E quando acontece sua derrubada ficamos atônitos, simplesmente a cortam, a escalpelam para ter um divertimento instantâneo absurdo. A comunidade se junta para ver quem é capaz de subir até o alto e depois disso é cortada em pedaços para virar carvão. É bonito como o diretor conseguiu transpor o simples, que, na verdade, são detalhes riquíssimos, e mostrar a transformação que ocorre com todos os seres vivos.
"As Quatro Voltas" é um respiro profundo, é cinema contemplativo, mas não chato, é inteligente, mas não presunçoso, sua simplicidade está além de qualquer rótulo, é delicado e exuberante ao mesmo tempo, também original e fascinante.
Não é necessário ter crenças, aliás visões religiosas reduzem a percepção do viver e morrer, a grandeza reside na natureza, ela dita as regras das quais não podemos controlar, e a vida continua, tudo continua... Toda essa amplitude encanta e assusta.
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