quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Fausto (Faust)

"Fausto" (2011), obra-prima do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, publicado em 1808, é um dos livros mais difíceis de ser digeridos. O diretor russo Aleksandr Sokurov tentou captar o ambiente de decadência moral e financeira que permeou a Europa no século 18, onde é ambientado o livro, para criar sua versão cinematográfica. O longa é o quarto segmento de uma tetralogia formada por "Moloch" (1999), sobre Adolf Hitler, "Taurus" (2001) sobre Lenin, e "Sol" (2005), sobre o imperador japonês Hiroito. Assim como o livro, o filme não é fácil, as dificuldades para assistir ao longa começam pelo incomum formato da tela que é quadrada com as bordas arredondadas. Além disso, as lentes utilizadas distorcem a imagem (ou como o diretor queria interpretar a realidade), deixando-a desfocada nas bordas. A diferente fotografia é mérito de Bruno Delbonnel.
O filme narra a história de Fausto, ávido pelos saberes do mundo, porém desiludido com a limitação dos conhecimentos de seu tempo. Fausto vai em busca de um agiota após ter seu pedido de ajuda financeira recusado pelo pai. O agiota vai se envolvendo maliciosamente com ele e, aos poucos, se revela Mefistófeles, o demônio. No decorrer da amizade que começa a surgir entre os dois, Fausto se apaixona por uma jovem, que acaba servindo como moeda de troca nas mãos do amigo satânico. Com a promessa de ganhar dinheiro, sabedoria e a mulher que ama, Fausto vende sua alma para Mefistófeles. Mas o demônio não é retratado como um ser chifrudo e assustador. Ele se assemelha muito a um humano, mas é deformado fisicamente, assexuado e com uma proeminente corcunda. Em uma das cenas mais fortes do filme, podemos vê-lo nu rodeado de mulheres, mas nenhuma delas, no entanto, parece se incomodar com o jeito repulsivo de Mefistófeles.
É um filme de linguagem poética e apesar de ser livremente inspirado na poderosa obra de Goethe, "Fausto" se torna um pouco mais palatável a pessoas não acostumadas ao cinema arte. Sokurov coloca seu foco menos nas consequências do pacto com o diabo e mais no processo de sedução. Margarida é o fruto do desejo de Fausto e ela se parece com a Vênus de Botticelli, tudo tem uma atmosfera etérea, como se no fundo os acontecimentos não passassem de sonho ou delírio do protagonista. A interpretação se assimila muito a do teatro, principalmente as cenas com o caricato Mefistófeles. Fausto é um homem com excesso de informação que busca por um sentido. Os diálogos são longos e carregados de referências filosóficas e indagações existenciais e ao final, Fausto não encontra qualquer resposta.

A cena inicial já é impactante tanto visualmente como psicologicamente, Fausto retira os órgãos de um defunto, na esperança de encontrar a alma humana. O interessante é o clima criado, a do fedor das ruas, das pessoas famintas, sempre sujas, a sensação de nojo consegue chegar até nós. "Fausto" tem uma premissa simples, mas o filme evoca o simbolismo do livro com algumas passagens intrigantes, como o espelho pendurado no céu, uma mulher que dá à luz um ovo e em seguida o come, e uma senhora que não tem outra função no filme que não a de seguir o diabo. Para prestarmos atenção a tudo que o longa quer nos dizer é preciso apreciá-lo de maneira minuciosa.
Para além da fotografia estonteante, incluem figurino e cenografia perfeitos em sua composição. O final gravado em meio a gêiseres vulcânicos da Islândia, é o ponto deste espetáculo lúgubre feito para inebriar. "Fausto" é um filme impressionista em sua execução. Sukorov já havia confessado em entrevista ter sido influenciado pelo pintor inglês William Turner (1775 - 1851), um dos precursores do impressionismo. Uma obra impecável que para os adoradores do cinema arte é indispensável!

"Temos necessidade justamente daquilo que não sabemos e sabemos aquilo que não sabemos utilizar."

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