sexta-feira, 17 de março de 2023

To Leslie

  

 "To Leslie" (2022) dirigido por Michael Morris é um filme intimista que concentra toda sua narrativa na personagem central com seu cotidiano simplório e caótico, seus laços foram danificados por conta do vício em álcool, autodestrutiva segue seus dias no puro ócio apenas se culpando por suas escolhas. Traumatizada e atormentada ninguém mais acredita em sua mudança e é jogada de lá para cá, mas o filme não é negativo e propõe a sua redenção, é uma história sem firulas e comovente, acreditar em si mesma é o maior obstáculo de Leslie.
Andrea Riseborough dá vida a essa mulher de maneira real, não força estereótipo e em muitas vezes sentimos vergonha, tristeza, desespero, deslocamento, vagamos junto dela, sentimos na pele suas angústias e as pequenas crises de consciência que cresce à medida que compreende que a mudança só pode acontecer de dentro para fora, mas óbvio que é necessário ajuda para que o ciclo se complete, ninguém consegue sair de uma situação tão crítica sozinho, mas o tempo e o respeito àquela situação faz toda a diferença e isso se dá no personagem de Sweeney (Marc Maron), que delicadeza, paciência e empatia esse ser humano possui, alguém totalmente fora da vida dela dá o suporte, pois os familiares praticamente desistiram e nisso também não há como julgar, é algo imensurável e complexo lidar com o peso do outro, ainda mais para o filho de Leslie, que cresceu com a história de sua mãe sendo exposta e ridicularizada. Para contextualizar tudo começa quando Leslie ganha US$ 190 mil  na loteria, dinheiro que daria para organizar a sua vida e do filho, mas para comemorar ela paga uma rodada de bebidas para todos, daí a história avança seis anos e a vemos sendo despejada de um quarto de hotel barato por falta de pagamento, ela segue andando sem rumo com sua mala rosa, parando em bares e se consolando nas bebidas pagas por alguns homens, até que bate na porta de seu filho em outra cidade, o jovem a acomoda por alguns dias, mas claramente dá errado quando encontra bebidas escondidas debaixo do colchão comprados com dinheiro roubado de seu colega de quarto. Leslie é deixada na casa de conhecidos desse seu passado nebuloso, segue-se mais dores, humilhação, desnorteamento até que Sweeney lhe oferece emprego e abrigo no hotel em que trabalha.

A sutileza de Sweeney ao abordar os problemas de Leslie dando espaço para que ela mesma perceba que está se destruindo e se auto enganando, não a forçando e não desistindo no meio do caminho quando suas inconstâncias de humor se dão é primordial, só mesmo alguém que já tenha passado por um inferno semelhante é capaz de acolher alguém dessa maneira, já outras pessoas não suportam a primeira decaída, como o filho, que foi atingido em cheio pelo vício de sua mãe logo na infância, os "amigos" do passado a ridicularizam, principalmente por conta da perda do dinheiro da loteria e por ser uma cidade pequena isso se agrava mais ainda.
Algo bastante notável nesse longa é a forma de tratar esse tema com cuidado e realismo, não há excesso de dramaticidade, mas sim silêncios que sufocam e lágrimas que ficam presas nos olhos, a dor é imensa e a personagem não se dá o direito nem de sofrer por mais que sua vida esteja estraçalhada, se culpa, mas não percebe que boa parcela do que aconteceu com ela muitos tiveram responsabilidade, justamente por saberem que Leslie era imatura. Andrea Riseborough é minimalista e brilha em cena, ela toda desgrenhada e pálida dá vida a essa mulher que vaga de bar em bar buscando algo que nunca encontrará, a sua alma, modo de dizer, está trancafiada em si mesma e como é complicado a tomada de consciência para entender que mesmo deslocada e diferente dos demais há um caminho para si.
 
"To Leslie" é uma história modesta e comum, forte e preciosa, é incrível a jornada da protagonista, sua decadência arrastando todos ao redor junto de seu vício, o autoengano e traumas são tratados com sutileza, mas nunca deixando de nos afetar, seu final é um recomeço sincero. É um filme bonito com uma atuação bonita de Andrea Riseborough.

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