quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Rent-a-Cat (Rentaneko)

"Rent-a-Cat" (2012) dirigido por Naoko Ogigami (Entre-Laços - 2017) é um filme carinhoso e que aquece nosso coração, um mimo, especialmente, a quem adora gatos, simplesmente foi feito para esse público, mas com certeza aqueles que se aventurarem não sairão ilesos tamanho a sua ternura, a história aborda a solidão, onde todos estão preocupados apenas em trabalhar e ganhar dinheiro, no japão especificamente essa sensação de solidão é bastante aguda e como numa fábula a protagonista tem a linda missão de proporcionar aconchego e preencher os "buracos" dessas pessoas tristes e solitárias alugando seus gatos, herança de sua querida avó. Claro que os gatos aos poucos dominam a nossa atenção e fica até difícil acompanhar o andar da história que passeia entre a melancolia e um humor surreal. Com certeza mais um achado para integrar a lista "Gatos em Filmes".
Sayoko (Mikako Ichikawa) é diferente e sempre teve um estranho magnetismo com os gatos, que foi por causa de sua avó que a vida toda os teve por perto, após a morte da avó uma imensa solidão a invade, porém com a companhia dos gatinhos o buraco do seu coração foi sendo preenchido, assim ela decide ajudar outras pessoas a se sentirem menos sós alugando seus gatos, ela sai pra rua carregando os gatos numa espécie de carroça e com um megafone oferece o estranho serviço: "Rentaaaaaa neko, neko neko". Ela sempre visualiza os possíveis solitários e anuncia insistentemente até a pessoa se interessar, a primeira é uma senhora que se alegra ao visualizar uma gatinha também idosa que se assemelha com uma ruivinha que tinha, Sayoko vai até a casa inspecionar o ambiente e ter certeza que o gato será bem tratado, a senhora fala um pouco de sua vida e de sua solidão e com a companhia do gato tem a certeza de que sua partida será mais amena, consentido o aluguel Sayoko lhe dá um papel para informações do felino e até quando deseja ficar com ele, no caso da senhora, até a sua morte. Com tudo certo se despedem e Sayoko volta para casa feliz. O filme vai repetindo as mesmas coisas, Sayoko alugando os gatos, inspecionando, falando as mesmas frases, como quando diz o valor do aluguel e chocados com o preço ínfimo indagam se não vai fazer falta e ela pergunta se tem cara de quem passa fome, são situações bem engraçadas e que retratam simplicidade e compaixão, além das metáforas envolvendo os buracos, outro ponto é o ar de encantamento que permeia o longa, como os devaneios e os sonhos de Sayoko e até a presença de uma vizinha, um homem vestido de mulher que sempre vai a sua cerca e lhe diz o quanto é estranha e que dessa forma nunca arranjará um marido, o que é uma preocupação grande pra ela, mas o único esforço que faz é escrever em um papel esse desejo e pendurar na parede. O humor que a história tem é muito peculiar e é adorável o clima com sua musiquinha doce e melancólica, por mais que a narrativa seja solta não perde a intenção em colocar o como as pessoas estão cada vez mais sozinhas e sem expectativas de amor.

Os gatos estão por todas as partes, dormindo no sofá, em cestas, no tapete, brincando ao fundo, comendo seus petiscos, miando e ronronando por todos os cantos, inclusive no altar da avó de Sayoko, ela conversa com eles, conta suas memórias, seus desejos e com apenas a presença deles ali sua sensação de solidão se ameniza. O filme é claro que se o problema é solidão basta um gatinho para solucionar. 
A personalidade de Sayoko é cativante, seu espírito livre e sensível ao outro, toda vez que aluga um gato faz questão de conhecer a pessoa e lhe incentivar a receber o amor do gato, pois tem certeza que será suficiente para preencher os buracos do coração, ela escuta bastante e isso também acaba sendo de grande valor.

Os personagens que alugam os gatinhos são bem aleatórios e diferentes entre si, todos tem as suas solidões e buscam por carinho, mas certamente uma das que mais se sobressaem é a secretária de uma loja de aluguel de carros, cujo trabalho entendiante acabou transferindo o hábito de dividir tudo em classes, e daí surge algumas questões interessantes, como categorizar os gatos de raças como classe A e os vira-latas como classe C, sugerindo que eles não seriam tão especiais quanto, como todas as outras coisas na vida que também são divididas por classes, desde a roupa que usamos, o perfume, o carro, etc. É uma boa discussão e que faz esmorecer esse pensamento fechado e bobo, como Sayoko diz, é bom ter carros e gatos de marca, mas mesmo nas coisas mais caras dá pra perceber quando não amadas. 

"Rent-a-Cat" é desses filmes que nos coloca um sorriso no rosto e nos traz sentimentos bons, a solidão que a sociedade produz, as relações superficiais e técnicas do dia a dia acabam desmotivando e cada vez mais o desejo de ficar só aumenta, porém chega um momento que a necessidade de afeto vem à tona e o filme com delicadeza e bom humor coloca os gatos como um poderoso meio de aliviar a solidão e a tristeza. E quem tem gatos sabe que é a mais pura verdade! Um filme gentil, adorável e feito sob medida para os amantes de gatos.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Daphne

"Daphne" (2017) dirigido por Peter Mackie Burns retrata a crise que beira os 30 anos, mas não necessariamente com os clichês, e sim abraça a vida de uma personagem que por vários motivos prefere se esquivar das pessoas, mantém uma vida independente, não cria laços e se recusa a ficar muito perto da mãe, com os amigos do trabalho é fria e sempre esta agindo de forma cínica. O filme foca nessa personagem e não pede que sintamos empatia, ela acontece ou não, não força em momento algum, ao longo com certos acontecimentos ela própria vai se perguntar no que acabou se tornando e, talvez, compreender que exista muita humanidade em si. 
Londres, Inglaterra. Aos 31 anos, Daphne (Emily Beecham) constantemente tem a sensação assustadora de que sua vida está parada, pois se sente jovem demais para se estabelecer e velha demais para ficar zoando por aí. Para distrair, ela mantém os dias e as noites ocupada com pessoas, amigos e amantes. Certa noite, um assalto violento a força a confrontar esse limbo existencial, analisando de perto a pessoa que se tornou.
Daphne é descolada e por vezes inconveniente com seu sarcasmo, suas conversas filosóficas acerca de que amor não existe assusta os possíveis casos amorosos e então segue a maior parte do tempo andando a noite sozinha e bêbada, ela trabalha em um restaurante, não se dá com os colegas, com seu chefe consegue dialogar, mas sem qualquer tipo de apego, a solidão e a rotina permeiam sua vida e ela vai criando uma casca para não se machucar, evita o sofrimento, como com a mãe que enfrenta um câncer e prefere não estar por perto, e assim passa seus dias, dormindo, bebendo, trabalhando no restaurante e fazendo sexo casual, até que numa noite presencia um ato violento contra o dono de um mercadinho, sua reação na hora foi ajudá-lo e chamar a ambulância, mas parece que na cabeça dela esse instante ficou um pouco vago, o trauma pode ter embaçado seus sentimentos e conforme os dias vão passando isso a atormenta, só que o filme não revela seus sentimentos de forma explícita, seus modos é que escancaram a dor, pois Daphne prefere mascarar, não quer enfrentar nada e isso só vai aumentando sua frieza em relação aos demais e consigo mesma. Muitas coisas incomodam Daphne e a maneira que demonstra é sendo cínica e, por consequência, perturbando e afetando bastante não só quem convive com ela, mas a si mesma, negando e desconhecendo a sua própria natureza.

Daphne tem um certo magnetismo e seu cinismo às vezes é inteligente e bem humorado, ela analisa tudo e não confia em ninguém, mas na maior parte do tempo o usa para se defender e esconder o que não gostaria de encarar. O ato violento que presenciou com certeza deixou marcas, mas como podemos ver ela segue sem dizer uma palavra sobre isso, mas suas atitudes cada vez mais secas revelam que a está incomodando. As suas idas ao psicanalista, fornecidas pela polícia por causa que ela presenciou o ocorrido, são compostas por afiadas e ácidas frases, mas a sua última ida nos aproxima mais do que sente verdadeiramente e nos faz finalmente enxergar que por baixo de uma mulher durona e independente há muitas dúvidas, tristezas e que por mais pessimista que seja, há camadas de fragilidade e humanidade.

"Daphne" é feito de momentos, em sua maioria lentos e sem aprofundamentos, mas que demonstra uma personagem real, que incomodada se fecha em si mesma para não ter que lidar com os possíveis sofrimentos das relações, mas querendo ou não esse confronto uma hora acontece e é necessário passar por ele, como o psicanalista diz: "Nossas ações contam. Mesmo se não as acharmos grande coisa, talvez mais tarde acharemos, mas não precisamos esperar por isso para fazer as coisas". E ao final é isso, ela faz mesmo achando que não sente nada e que não fez muito pelo dono do mercado que sofreu o ato violento, mas ouvindo o relato dele percebeu o quão escondida estava em si mesma, se negando e negando a todos. É um retrato fiel e atual de uma grande parcela da juventude que se agarra ao cinismo como forma de defesa.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

12 Filmes que Mudaram a Minha Vida

A lista consiste em filmes que de algum modo me mudaram, que ampliaram minhas percepções e que me engrandeceram como ser humano, além de serem os responsáveis pela minha vontade de escrever e daí o blog existir. 

*Os números só são uma questão de ordem e não de preferência.

12- "Um Doce Olhar/Mel" (Bal - 2010) Turquia
"Um Doce Olhar" mostra a jornada de Yusuf, um garoto turco que está aprendendo a ler e a escrever, e que nas horas vagas ajuda o seu pai, um simples apicultor que guarda as colmeias nos galhos mais altos das maiores árvores de uma misteriosa floresta. Mas quando seu pai parte em busca de descobrir porque as abelhas estão sumindo, Yusuf se prepara para viver a sua maior aventura, tentando dar algum sentido à sua vida.
Um dos filmes mais sensíveis que pude acompanhar logo no começo quando me interessei por obras mais contemplativas, o cinema turco foi de grande valia para que eu pudesse trabalhar a paciência e absorver as imagens mais do que diálogos. Repleto de cenas grandiosas e sentimentos preciosos. Saiba+

11- "Vermelho Como o Céu" (Rosso Come il Cello - 2006) Itália
Anos 70. Mirco (Luca Capriotti) é um garoto toscano de 10 anos que é apaixonado pelo cinema. Entretanto, após um acidente, ele perde a visão. Rejeitado pela escola pública, que não o considera uma criança normal, ele é enviado a um instituto de deficientes visuais em Gênova. Lá descobre um velho gravador, com o qual passa a criar histórias sonoras.
Um filme inspirador e emocionante que marca por sua delicadeza em demonstrar a paixão de um garoto pelo cinema e toda sua força e imaginação para conseguir vencer o preconceito e realizar seus sonhos. A atuação dos meninos que realmente são cegos encanta e nos presenteia com momentos muito bonitos, como quando Mirco explica as cores para um amigo. Saiba+

10- "Para Sempre Lilya" (Lilja 4-Ever - 2002) Suécia/Dinamarca
Lilya (Oksana Akinshina) tem 16 anos e vive em um subúrbio pobre, em algum lugar da antiga União Soviética. Sua mãe mudou-se para os Estados Unidos, com seu novo marido, e Lilya espera que ela lhe envie algum dinheiro. Após algum tempo sem receber notícias nem qualquer quantia dela, Lilya é obrigada a se mudar para um pequeno apartamento, que não possui luz nem aquecimento. Desesperada, ela recebe o apoio de Volodya (Artyom Bogucharsky), um garoto de apenas 11 anos que de vez em quando dorme no sofá de Lilya. A situação muda quando Lilya se apaixona por Andrei (Pavel Ponomaryov), que a convida para iniciar uma nova vida na Suécia. Apesar da desconfiança de Volodya, Lilya aceita o convite e viaja com Andrei.
Foi através do programa "Mostra Internacional de Cinema" da TV Cultura - que infelizmente não existe mais - que tive acesso a essa obra chocante, que foi o primeiro a me deixar absurdamente mal e assim me interessar por histórias cruas e críticas. 

09- "Rann" (2010) Índia
 Este filme é sobre a batalha travada entre um proprietário de um canal de notícias na Índia, líder em audiência, com altos princípios éticos, contra o seu principal concorrente, sensacionalista e sem ética. O canal "Índia 24x7", líder em audiência e confiabilidade nas notícias, se vê na iminência de ser ultrapassado pelo "Headline News", dirigido por um executivo sem escrúpulos e que privilegia notícias sensacionalistas, onde vale tudo pela audiência. Quando uma bomba explode em um ato terrorista, ambos os canais começam a caçar a notícia de quem está por trás do atentado, sendo atropelados por políticos corruptos. É neste momento que a ganância e a falta de ética se mostram em toda a sua extensão, deixando bem claro o quanto a televisão pode influenciar candidaturas e rumos de um país, e provando que até mesmo os mais honestos podem ser envolvidos em armadilhas se não estiverem bem assessorados e calçados em seus princípios.
Um dos primeiros exemplares indianos que assisti e o primeiro que me fez arregalar os olhos, justamente por conter um tema tão pertinente e que apesar de possuir as músicas e as danças tão características também carrega uma aguda crítica à mídia e política. Potente e marcante foi um dos principais filmes a acender minha curiosidade acerca de filmes de outros países e também compreender o gigantesco mercado de Bollywood.

08- "O Enigma de Kaspar Hauser" (Jeder Für Sich und Gott Gegen Alle - 1974) Alemanha
Um homem jovem chamado Kaspar Hauser (Bruno S.) aparece de repente na cidade de Nuremberg em 1828, e mal consegue falar ou andar, além de portar um estranho bilhete. Logo é descoberto que sua aparição misteriosa se deve ao fato de que ele ficou trancado toda sua vida em um cativeiro, desconhecendo toda a existência exterior. Quando ele é solto nas ruas sem motivo, muitas pessoas decidem ajudá-lo a se integrar na sociedade, mas rapidamente Kaspar se transforma em uma atração popular.
O sentimento que esse filme me causa é único, desde quando o encontrei na locadora escondido entre tantos outros por um valor mínimo até a descoberta de uma história sensível e intrigante sobre um ser humano puro que descobre o mundo por si mesmo. Profundo e reflexivo, Kaspar Hauser se configura entre os filmes mais tocantes e misteriosos que assisti. Saiba+

07- "As Confissões de Henry Fool" (Henry Fool - 1997) EUA
Simon Grim (James Urbaniak) é um lixeiro que tem fama de ser retardado mental. Ele vive com sua mãe Mary (Maria Porter) e a irmã Fay (Parker Posey), uma ninfomaníaca. Um dia surge em sua vida Henry Fool (Thomas Jay Ryan), que o incentiva a escrever suas ideias. Fool não tem emprego e está escrevendo suas confissões, as quais diz que irão revolucionar o planeta. Simon escreve polêmicos poemas, que são aclamados por alguns e considerados pornográficos por outros. Já instalado na casa dos Grim, Henry serve de mentor para Simon, ajudando-o também a divulgar o trabalho do pupilo.
Outro achado em locadora que me fascinou, diálogos maravilhosos, personagens incríveis e uma potente reflexão sobre a condição humana. Saiba+

06- "Eu Existo" (Jestem - 2005) Polônia
Um menino de 11 anos foge do orfanato e volta para sua cidade natal. Lá encontra a mãe alcoólatra com quem tem sérios problemas. Ele decide viver numa barca abandonada onde suas únicas companhias são a fome e a eventual presença de uma menina.
Um dos filmes mais belos que vi, de uma delicadeza ímpar, inocente, singelo, uma história simples, mas que engrandece e com certeza faz com que enxerguemos a vida sob outros pontos de vista. Esse tem um lugar garantido no coração e na memória! Saiba+

05- "Filhos do Paraíso" (Bacheha-Ye Aseman - 1997) Irã


Ali (Amir Farrokh Hashemian) é um menino de 9 anos proveniente de uma família humilde e que vive com seus pais e sua irmã, Zahra (Bahare Seddiqi). Um dia ele perde o único par de sapatos da irmã e, tentando evitar a bronca dos pais, passa a dividir seu próprio par de sapatos com ela, com ambos revezando-o. Enquanto isso, Ali treina para obter uma boa colocação em uma corrida que será realizada, pois precisa da quantia dada como prêmio para comprar um novo par de sapatos para a irmã.
Esse filme foi o início da minha paixão pelo cinema iraniano com suas histórias simples, porém corajosas, onde situações cotidianas ganham importantes significações e belíssimas reflexões. Saiba+

04- "O Milagre de Anne Sullivan" (The Miracle Worker - 1962) EUA
A incansável tarefa de Anne Sullivan (Anne Bancroft), uma professora, ao tentar fazer com que Helen Keller (Patty Duke), uma garota cega, surda e muda, se adapte e entenda (pelo menos em parte) as coisas que a cercam. Para isto entra em confronto com os pais da menina, que sempre sentiram pena da filha e a mimaram, sem nunca terem lhe ensinado algo nem lhe tratado como qualquer criança.
Esse filme é uma lição de vida, forte, emocional, inspirador, "O Milagre de Anne Sullivan" tem um enorme valor social. Helen Keller é muito mais que uma história de superação, ela demonstra esperança e humanidade, saída da escuridão total para se tornar uma pessoa exemplar. Saiba+

03- "Osama" (2003) Afeganistão

Em pleno regime Talibã no Afeganistão uma menina é obrigada a cortar o cabelo e se vestir como se fosse um menino para ajudar sua família, que é composta apenas de mulheres. A farsa é descoberta na escola, quando percebem que ela está sangrando por entre as pernas.
Toda vez que esse filme me vem à mente me arrepia tamanha a sua potência, é uma história triste e que revolta muito, a crueza se mistura com a delicadeza e a interpretação da menina é sublime, seu rosto sempre amedrontado é marcante, um retrato cruel do país e de todo o ódio disseminado contra às mulheres. Saiba+

02- "Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera" (Bom Yeoreum Gaeul Gyeoul Geurigo Bom - 2003) Coreia do Sul/Alemanha

Ninguém é indiferente ao poder das quatro estações e de seu ciclo anual de nascimento, crescimento e declínio. Nem mesmo os dois monges que compartilham a solidão, em um lago rodeado por montanhas. Assim como as estações, cada aspecto de suas vidas é introduzido com uma intensidade que conduz ambos a uma grande espiritualidade e a tragédia. Eles também estão impossibilitados de escapar da roda da vida, dos desejos, sofrimentos e paixões que cercam cada um de nós. Sobre os olhos atentos do velho monge vemos a experiência da perda da inocência do jovem monge, o despertar para o amor quando uma mulher entra em sua vida, o poder letal do ciúme e da obsessão, o preço do perdão, o esclarecimento das experiências. Assim como as estações vão continuar mudando até o final dos tempos, na indecisão entre o agora e o eterno, a solidão será sempre uma casa para o espírito.
Um filme silencioso e introspectivo, mas grandioso em suas reflexões sobre os valores da vida, o ser humano e sua evolução, os desejos, a natureza, a solidão, ao fim a sensação de renovação e a certeza que se está diante de uma obra-prima. Saiba+


01- "Poesia" (Shi - 2010) Coreia do Sul
Mija, de 66 anos, solitária e batalhadora, amante das flores e da poesia, descobre estar sofrendo de Alzheimer. Além disso, ela descobre que o neto, de quem cuida sozinha, participou do estupro coletivo de uma garota que teria, por esta razão, cometido suicídio.
Um filme extremamente sensível que traz a poesia em todos os detalhes e, principalmente, no cotidiano difícil, nos sentimentos que doem, como a culpa, a protagonista se dedica a aprender escrever suas poesias a fim de libertar a sua forma de encarar a vida. Profundo e melancólico, reflete que para escrever poesia é necessário deixar vibrar seus sentimentos, deixar que fluam mesmo que doam. Saiba+

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Na Própria Pele - O Caso Stefano Cucchi (Sulla Mia Pelle)

"Na Própria Pele - O Caso Stefano Cucchi" (2018) dirigido por Alessio Cremonini (Short Night - 2006) é um filme baseado num dos mais chocantes e controversos casos judiciais da história da Itália, muitas dúvidas surgem em relação ao protagonista, mas a dor e o medo salta da tela e é impossível não sentir revolta ou pelo menos questionar e refletir acerca do sistema judiciário, as falhas, as burocracias, a falta de humanidade, o abuso de poder, é insano a medida que tomam e ainda mais estranha é a forma que conduzem o caso, extremamente desumano.
Stefano Cucchi (Alessandro Borghi) foi o protagonista de um dos mais inquietantes casos judiciais da história da Itália. Stefano foi detido pela polícia em 2009, suspeito de atividades criminosas e acusado de posse ilegal de drogas. Dias depois, ele foi encontrado morto em sua cela preventiva, em estado de desnutrição e com diversos hematomas. As investigações do caso reverberam até hoje e evidenciam um lado sombrio do sistema judicial italiano.
De modo imparcial acompanhamos a história de Stefano, que numa noite depois de jantar na casa dos pais sai de carro com um amigo e é abordado por policiais e preso acusado por posse ilegal de drogas, a polícia já o trata como se fosse um criminoso e revista até a casa dos pais no meio da noite, sem muito o que fazer é colocado atrás das grades, antes disso alguns policiais entram numa sala com Stefano e o espancam, seu histórico como dependente só piora as coisas e a juíza decide pela prisão, no depoimento por receio ele não diz sobre a violência cometida contra ele e inventa que caiu da escada, a falta de confiança nos agentes de saúde ou em qualquer outra pessoa vinculada ao poder o fez ficar calado, o espancamento foi pesado e com o passar das horas sua situação foi piorando muito, Cucchi é passado nas mãos de várias autoridades e sem nenhum tipo de auxílio médico, além de ignorarem o fato de que foi espancado, ele conta a história da escada e todos fingem acreditar, alguns agentes de saúde até perguntam, mas ele não sente que isso o ajudará. Tudo está contra ele, o veredito já aconteceu e nem seu próprio advogado foi chamado, são falhas do sistema que geram revolta, principalmente aos pais que nem notícias puderam ter, pois foi trancafiado em uma ala protegida e Cucchi não recebia nenhum tipo de visita. Em determinado ponto, já imensamente debilitado ele se recusa a receber tratamento, um modo de conseguir apelar e receber notícias de fora, ou que os médicos abrissem os olhos para a situação real. 

Impressionante a interpretação de Alessandro Borghi, sua caracterização é perfeita e está completamente entregue, sua dor transpassa a tela, incomoda e pesa, isso tudo devido a sua brilhante performance física, torturado e espancado Cucchi precisou aguentar uma dor lancinante e durante um período curto e devastador passou de mãos em mãos e acabou morrendo por várias falhas, desde o abuso de poder, a violência policial, calúnias, negligência médica, entre outras. Esse é um caso que ecoa até hoje e que possui muitas reviravoltas, entre acusações, absolvições e reabertura de processos contra os policiais e médicos. A irmã de Cucchi, Ilaria Cucchi empreendeu uma dura batalha para a verdade vir à tona e para que os responsáveis respondessem ao crime, entre eles cinco policiais, seis médicos e três enfermeiros. 

"Na Própria Pele - O Caso Stefano Cucchi" retrata que os direitos humanos estão cada vez mais sendo pisoteados e isso é no mundo todo, caminha-se para algo pior, infelizmente, o abuso de poder, a violência, a ignorância em lidar com as pessoas dependentes ou ex-dependentes, as falhas da lei, as burocracias, a falta de recursos em saber como se lidar com essas pessoas causam tragédias, a família de Cucchi teve força e ajuda, mas quantos e quantos outros casos semelhantes acontecem e não se tem conhecimento? É um misto de indignação e tristeza que esse filme provoca ao expor as mazelas da justiça.
Disponível no catálogo da Netflix!

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Errementari/The Devil and the Blacksmith (Errementari - El Herrero y El Diablo)

"Errementari" (2017) dirigido por Paul Urkijo Alijo e produzido por Álex de la Iglesia (O Bar - 2017) é baseado numa fábula do folclore basco recolhida pelo etnólogo e antropólogo basco José Miguel Barandiaran em 1903. Um curioso e surpreendente filme de fantasia, onde junta-se elementos do folclore basco com outros componentes gerais do imaginário coletivo ao terror e uma pitada de humor, o visual é um espetáculo a parte e mesmo que soe exagerado em alguns momentos cativa pela originalidade. 
Oito anos depois da Primeira Guerra Carlista de 1833, em uma pequena aldeia de Álava, um comissário do governo começa a investigar uma estranha ocorrência que o leva a uma parte oculta e sombria das florestas locais. Os poucos habitantes dos arredores o contam que diversos assassinatos e roubos ali foram relacionados a pactos com o diabo, e ele descobre a veracidade das histórias da pior maneira possível. Nesse pequeno povoado, vive um ferreiro, Patxi (Kandido Uranga) tão mau que é temido até pelo Diabo. Certo dia, uma menina órfã, Usue (Uma Bracaglia) vai xeretar na sua cabana e descobre que ele mantém um demônio aprisionado.
Vale ressaltar que o cinema basco tem se destacado bastante nos últimos anos graças ao Festival de San Sebastián, cito o drama histórico "Handia" (2017), o delicado romance "Loreak" (2014), sobre a cultura e tradições versus a modernidade "Amama" (2016), e "Errementari" também se inclui com a lenda diabólica retratada, há o elemento histórico e cultural, o fantástico, o teatral e caprichados efeitos visuais. 
O sinistro ferreiro mora nas profundezas da floresta condenado à solidão por a aldeia o acusar de crimes, esse homem solitário tem um enorme e terrível segredo que aos poucos é revelado quando a pequena Usue invade sua propriedade para tentar resgatar parte de sua boneca, lá dentro um ser demoníaco chamado Sartael está preso numa gaiola, quando a menina entra vê um menino lá e o solta, mas logo a verdadeira face é exposta e Patxi com suas armadilhas tenta capturá-lo, a história toda foi por conta de um pacto, esse homem conseguiu sair vivo da guerra, mas em compensação sua alma seria destinada ao inferno, Sartael meio atrapalhado não consegue dar seguimento e termina preso na casa do ferreiro, passam-se anos e anos até que Usue, que faz parte de um outro terrível acontecimento do passado de Patxi, adentra sua casa e descobre o ser das trevas. O roteiro é super bem amarrado e é cuidadoso no desenrolar, essa lenda basca foi preservada pela tradição oral, as suas raízes e os costumes estão presentes combinados a um humor vigoroso.

A caracterização dos personagens é algo maravilhoso, o corpulento e misterioso Patxi vivido por Kandido Uranga, a menina Usue vivida pela estreante Uma Bracaglia, que consegue transmitir toda sua carência misturada a uma revolta, porém em alguns momentos soa irritante ao espectador. Mas, claro, a estrela é Eneko Sagardoy (também incrível como o gigante em Handia) e seu maligno Sartael, o demônio responsável por encontrar coisas escondidas, os seus gestuais e comportamento são marcantes e toda a sua maneira diabólica é combinada por gracejos, no decorrer ele precisa tomar decisões das quais não estava habituado até então, pactua com Usue e a leva até o inferno para encontrar a mãe, porém Patxi se intromete e usando artifícios para lá de bizarros e surreais também desce ao inferno compactuando com Sartael novamente em troca de sua alma e ataca o maior de todos os demônios. É um tanto exagerado esse final, caótico, mas não perde a linha do fantasioso misturado ao seu humor característico.

"Errementari" é jocoso e as figuras diabólicas ganham nossa simpatia, o padre que apenas fala do inferno em suas missas é outro a se prestar atenção, pois condena todos por qualquer coisa a esse destino medonho, a pequena Usue é a única ali que não se importa com a religião e por conta da mãe ter ido supostamente para lá é revoltada e questiona todos ao redor. É um filme com um desenvolvimento que surpreende, uma ambientação que encanta e que dosa o horror e a fantasia com esmero. 

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Não Deixe Rastros (Leave No Trace)

"Não Deixe Rastros" (2018) dirigido por Debra Granik (Inverno da Alma - 2010) adaptado da obra de Peter Rock, "My Abandonment", é um belo drama que retrata por um lado o desapego à sociedade e do outro o amadurecimento e os desejos próprios tomando forma,  sem apontar o certo ou o errado a história nos guia de maneira sutil e realista à vida nômade do personagem que leva junto de si sua filha, que aos poucos sente necessidade de contato humano. É um filme permeado por sentimentos bons e reflexões contundentes sobre a sociedade e nossos desejos.
Will (Ben Foster) e sua filha adolescente, Tom (Thomasin McKenzie), viveram felizes e indetectados pelas autoridades durante anos em uma vasta reserva na fronteira de Portland, nos EUA. Após um encontro inesperado, eles são retirados do acampamento e colocados sob a responsabilidade do serviço social. Will e Tom tentam retornar ao mundo selvagem enquanto são forçados a lidar com desejos conflitantes.
A fuga da civilização para ir morar em florestas tem sido bastante recorrente nos filmes, vide "A Cabana" (2011), "Sanctuary" (2013), "Vida Selvagem" (2014) e "Capitão Fantástico" (2016), do qual este se assemelha, porém evitando floreios e retratando a dificuldade em sobreviver dessa forma enquanto o sistema teima em não deixar. Ben Foster preenche a tela com suas feições, seu olhar nos diz muito sobre seus sentimentos, sua incapacidade em lidar com as pessoas, ele causa curiosidade, ficamos nos perguntando o que o fez querer deixar o meio para viver isolado, já que a narrativa não foca nos motivos, viúvo e veterano de guerra Will vive com sua filha adolescente Tom em um parque florestal nos arredores de Portland, a rotina consiste no plantio e colheita, no recolhimento de lenha, busca por água e Will ensinando Tom a sobreviver no local com aulas práticas, como encontrar esconderijo e não deixar rastros, eles sempre estão mudando a barraca de lugar e seguem assim até o dia em que Tom é vista por um guarda. A partir daí eles são incluídos num programa e reinseridos na sociedade, tidos como sem-tetos as autoridades dão uma casa, um trabalho e um manual a seguir, o que desencadeia uma depressão em Will, já em Tom cresce o desejo de descobertas e contato humano. O dia a dia vai pressionando os sentimentos dele e chega um momento que ele não consegue seguir o protocolo de se viver em comunidade, então abandona tudo e leva a filha contra sua vontade. Sem rumo percorrem estradas, conseguem carona e se infiltram em uma floresta densa, o frio congelante vai desencadeando problemas em Tom e Will precisa arranjar um jeito de sobreviverem.  Esse momento é bastante tenso e encaramos o egoísmo de Will ao mesmo tempo em que tentamos entender sua visão de mundo, ele simplesmente não quer mais se socializar, seja por traumas, depressão, ou desprezo pelo sistema.

A história é dotada de sensibilidade, a relação entre pai e filha é cercada de amor, a preocupação, o elo afetivo, a cumplicidade e o carinho predomina, mas quando encontram uma comunidade alternativa em meio a floresta e se estabelecem por algum tempo para Will se recuperar de um acidente, Tom percebe que precisa se impôr e decidir sobre sua própria maneira de viver, os sentimentos do pai são apenas dele, então por mais que doa ela necessita enfrentar esse momento.

"Não Deixe Rastros" retrata o amadurecimento e os desejos e coloca do outro lado sem apontar o certo ou errado o desapego à sociedade e a fuga para a natureza, que nesse filme se assemelha muito com a realidade, onde os riscos e a solidão são consequências desta decisão. Também reflete o modo burocrático das autoridades em lidar com essas pessoas, não há qualquer traço de humanismo, ao contrário da comunidade alternativa que acolhe Tom e a faz sentir que enfim encontrou um lar. É um filme interessante, belo e que inspira compaixão.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Oh Lucy!

"Oh Lucy!" (2017) dirigido pela estreante em longas-metragens Atsuko Hirayanagi é uma adaptação do seu curta-metragem homônimo, o filme possui momentos que oscilam entre angustias e expectativas, solidão e descobertas, a protagonista cansada da rotina se permite a embarcar no desconhecido e dar um sentido para sua vida.
Uma mulher solitária de Tóquio (Shinobu Terajima) se apaixona por seu professor (Josh Hartnett) quando decide fazer aulas de inglês. Quando seu professor desaparece, ela parte em uma viagem para encontrá-lo que a leva para o sul da Califórnia.
O filme se inicia retratando uma Tóquio cinzenta com pessoas com máscaras cirúrgicas se amontoando no metrô, atrás de Setsuko um homem cantarola e logo se joga nos trilhos, a tristeza e o suicídio paira no ar por todo o filme, reflexo de uma sociedade individualista, acelerada e carente de elos, depois de presenciar esse episódio acompanhamos a entediante vida de Setsuko, no trabalho a relação com os demais é fria, principalmente pela hipocrisia que reina, seu único elo é a sobrinha que vive brigada com a mãe e que sempre recorre a ela para livrá-la de alguma situação, tudo começa de fato quando ela vai fazer aulas de inglês no lugar da sobrinha, ao chegar se depara com um professor americano que a faz colocar uma bolinha na boca para aprender a falar sem sotaque, que lhe dá um nome americano, Lucy, uma peruca e distribui abraços, ela acha estranho de início, mas esse inesperado contato a despertou para algo, ela se apaixona e começa a se olhar, se arrumar e enfim viver. Nessa aula ela ainda conhece outro aluno, Komori/Tom (Kōji Yakusho) que mais ao longo descobrimos um pouco de sua triste vida, ele acaba sendo de imensa importância para Setsuko. Quando ela aparece para a próxima aula não encontra o professor, ela fica sabendo de sua demissão e que em breve uma outra professora virá, na saída ela o vê pegando um táxi juntamente com sua sobrinha, isso a faz desmoronar e cair novamente na sua tediosa vida.
Setsuko é uma personagem com uma profundidade enorme, seu apartamento reflete a sua personalidade, todo abarrotado de coisas, embalagens de comida, todo bagunçado e ao mesmo tempo vazio, a sua saga por John começa quando recebe um postal da sobrinha de um hotel da Califórnia, ela não pensa duas vezes e pede férias em seu emprego, avisa a irmã e esta vai junto, é uma série de momentos que captam a diferença entre os costumes do ocidente e oriente, todos pontuados com muita sensibilidade e inteligência, garantindo à história diversas camadas.

De um lado vemos gestos, como um abraço ser algo praticamente técnico, não possuir nenhum tipo de sentimento contido nele, já do outro essa demonstração possibilita uma mudança. Lucy está cansada do trabalho burocrático que faz, das pessoas que ali circulam, bajuladoras e hipócritas, a sua irmã sempre a diminuindo e depois a sobrinha tirando o sarro dela, a viagem parece ser uma ideia um tanto doida, mas por trás de uma mulher arisca existe um desejo de viver imenso, que ao longo dos anos foi abafado, tanto pela relação com a irmã, trabalho e tantas outras, sua curiosidade e autoconfiança vão surgindo, ela enfrenta a irmã, chega em John e por mais que se decepcione ao final, pelo menos ela tentou, se arriscou.

"Oh Lucy" é um filme agridoce que retrata uma personagem fechada que ao ter uma oportunidade de se reinventar e se abrir vai em frente, reflete a solidão e a carência que o ritmo de vida em sociedade gera, as relações vazias e técnicas, o caos interno. As camadas de sentimentos que a história vai desnovelando atinge o espectador em cheio e ao final não tem como não refletir no quão sozinhos estamos e o quanto cada vez mais um abraço pode nos salvar.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Mandy

"Mandy" (2018) dirigido por Panos Cosmatos (Além do Arco-Íris Negro - 2011) é um filme lisérgico, insano, trash, maníaco, sangrento e cheio de referências, é uma jornada de vingança estilizada. Muito se fala da volta triunfal de Nicolas Cage, certo que ele faz tempo que desandou na escolha dos papéis e que ultimamente um ou outro se salva, cito aqui o dramático "Joe" (2013), o tarantinesco "Dog Eat Dog" (2016) e o surtado "Mom and Dad" (2017), mas ele é um grande ator e aqui demonstra a sua versão alucinante ampliada.
Noroeste Pacífico. 1983 d.C. Forasteiros, Red Miller (Nicolas Cage) e Mandy Bloom (Andrea Riseborough) levam uma amorosa e pacífica vida. Quando seu refúgio é selvagemente destruído por um culto liderado pelo sádico Jeremiah Sand (Linus Roache), Red é arremessado para uma jornada fantasmagórica repleta de vingança sangrenta e entrelaçada com fogo.
O filme começa mostrando a vida idílica do apaixonado casal Red e Mandy, a estranheza permeia a obra desde o começo com uma atmosfera de sonho, a psicodelia vai tomando conta à medida que o culto liderado por Jeremiah (Linus Roache) surge. Jeremiah é um louco que fica obcecado por Mandy e convoca seu séquito para raptá-la, só que Mandy não sucumbe ao charme do ex-cantor de rock e ainda por cima ri da cara dele, o que o deixa irritado e a mata enquanto torturam Red. Os membros por descuido ou burrice deixam Red vivo e assim desvairado de dor e raiva começa a planejar sua vingança, com direito a uma besta e uma arma forjada por ele mesmo - que é inspirada no "F" do logo da banda Celtic Frost. A sua transformação acontece entre gritos, choro e bastante raiva, sua descida ao inferno é retratada com exagero e estilo, o vemos enlouquecido no ácido matando criaturas satânicas com muito sangue no olho, literalmente. 
O filme tem uma mistura fantástica de elementos que nos leva aos aclamados filmes B dos anos 80, é um trash estilizado, suas imagens amolecidas garantem uma viagem alucinógena ao espectador, assim como sua potente e sinistra trilha sonora composta por Jóhann Jóhannsson (falecido em fevereiro deste ano) que contém uma aura permeada pelo metal extremo. É realmente hipnotizante!

A seita perturbada à la Charles Manson denominada como Black Skulls tem desde o líder, um músico falido exibido totalmente maluco à uma gangue de motociclistas da noite à la cenobitas, e Red se infiltra nesse antro e vai matando um por um com muito furor, em uma cena há uma briga com serras elétricas antológica, o personagem de Cage bebe vodca, cheira um pó e viaja no ácido, uma delícia acompanhar a sua alucinante vingança.

"Você é um floquinho de neve cruel"

"Mandy" é um filme que já nasceu cult, para os adoradores do terror e slasher dos anos 80 é um baita presente, claro que o diretor entre tantas referências imprime suas características e o faz delirantemente com muito estilo.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Sob a Pele do Lobo (Bajo la Piel de Lobo)

"Sob a Pele do Lobo" (2017) dirigido por Samu Fuentes é um filme seco que retrata que a ideia de viver em meio a natureza dando vazão somente aos instintos não é sinônimo de liberdade, a natureza é linda, mas também é cruel, quanto mais solitário lidando com as intempéries e os meios de sobrevivência mais o lado animal acaba predominando. 
Martinón (Mario Casas) é o último habitante de Auzal, uma vila remota nas montanhas. No início da primavera e no final do verão, ele desce até os vales, onde faz negócios e obtém provisões para o restante do ano. Depois de um encontro tórrido e fugaz com Pascuala (Ruth Díaz), Martinón começa a considerar seriamente a sua solidão e decide comprá-la de seu pai, Severino (Kandido Uranga). Com Pascuala ao seu lado, Martinón começa a experimentar novos sentimentos.
O filme praticamente não possui diálogos e as cenas são diretas, não há romantizações, é a natureza selvagem imperando, o rústico caçador permanece na isolada vila montanhosa, ele é o único a morar no local e enfrentar as situações extremas, como o inverno rigoroso, no verão ele desce, um longo e difícil caminho para vender as peles dos lobos dos quais caçou e comprar mantimentos, um dia bebendo e comendo alguém lança a ideia de que ele precisa de uma mulher e filhos para amenizar a solidão, Martinón diz que aquele não é lugar para uma mulher e crianças, porém, logo após decide fazer uma transação, compra Pascuala e a leva para as montanhas, as condições climáticas não demoram a prejudicá-la, além de ter sido vendida pelo pai como um produto precisa enfrentar o jeito animalesco de Martinón, a partir da convivência com a mulher parece que ele começa a pensar, principalmente na questão da proteção, algo ainda ligado ao instinto animal, mas diante dos acontecimentos alguns sentimentos vêm à tona revelando seu lado humano. 
Sua forma de tratar a mulher é puramente animal, não há diálogo, afeto, o sexo é bruto, não há prazer, a intenção é apenas para a reprodução. Os dias vão passando e Pascuala fica mais e mais doente, o serviço é pesado, a solidão é imensa e então acaba morrendo. Martinón volta ao vilarejo e briga com o pai dela por vendê-la já grávida, este como compensação lhe oferece outra filha, Adela (Irene Escolar), dessa vez o homem está querendo proteger a mulher, principalmente quando descobre que está grávida, não a deixa fazer trabalho pesado e sempre relembra o sangue escorrendo entre as pernas da primeira mulher, Adela diferente de Pascuala deixa claro com o olhar que repudia a situação, as cenas de sexo, estupro na verdade, são cada vez mais pesadas e a ânsia dela vai aumentando dia após dia, o convívio é insuportável, a sua tristeza é colossal, até que ela decide agir, quando o pai a entregou para Martinón lhe deu um embrulho com ervas "no caso de não aguentar mais", e é com essas ervas que começa a envenenar Martinón.

Martinón vai ficando debilitado, mas ainda reúne forças para caçar, um dia Adela pega suas coisas e decide fugir, só que no caminho cai numa das armadilhas que ele fez para os animais, passa a noite num frio congelante e de manhã ele a encontra e a leva para casa, cuida de sua ferida e a esquenta como pode, a cena em que demonstra pela primeira vez afeto. Depois desse acontecimento ele se dá conta que está sendo envenenado e permite que Adela vá embora, até porque tinha perdido o bebê, e aí é que ele sente o desamparo e a incapacidade de dar seguimento, no início antes de sentir que precisava se relacionar a solidão era companhia, já a solidão do fim, um profundo abismo.

"Sob a Pele do Lobo" é um filme interessante e um estudo sobre o Homem, sobre o quanto o instinto aflora quando não se está rodeado pelas regras sociais e sem nenhum tipo de relação, sozinho em meio a natureza selvagem foca-se apenas na sobrevivência e o filme o faz de maneira bruta, talvez, por isso, se torne enfadonho e até indigesto. São cenas cruas que refletem que para o ser humano basta o isolamento para se transformar em animal.
Mais uma pérola espanhola que a Netflix disponibiliza!