"Dogman" (2018) dirigido por Matteo Garrone (Reality - 2012, O Conto dos Contos - 2015) é uma história que retrata que não se pode ter tudo, o protagonista tenta agradar a todos, mas isso acarretará em consequências cada vez mais difíceis, o fazendo ruir e perder toda a sua dignidade. Todo o tempo nos perguntamos o porquê dele sempre ceder, as respostas surgem com o desenrolar ao entendermos sua personalidade canina, onde deseja tanto estar entre os cidadãos de bem, como também estar perto daqueles não tão bem vistos como forma de sobreviver e não se tornar vítima, mas essa maneira dele se comportar não dá certo e faz com que nem um lado nem o outro lhe dê atenção.
Marcello (Marcello Fonte), simpático funcionário do Pet Shop Dogman, na periferia de Roma, vive uma relação de amizade e ao mesmo tempo de humilhação com Simone (Edoardo Pesce), um ex-boxeador que aterroriza a todos no bairro em que vivem. Depois de uma humilhação que Simone pratica contra ele, Marcello comete um crime bárbaro.
Inspirado em um caso real que aconteceu nos anos 80 na Itália, Garrone nos presenteia com uma história naturalista sobre a violência, por um lado está Simone, um brutamontes que causa medo e revolta entre os habitantes do bairro, sua presença sempre é sinal de confusão e Marcello é uma espécie de brinquedo para ele, já que é dócil e leal, há um misto de adoração e medo em seu relacionamento com Simone, ele não consegue dizer não e sempre está à disposição seja para arranjar cocaína e se meter em roubos, claro que na maior parte das vezes é coagido simplesmente pela figura de Simone, mas Marcello também usa de sua figura franzina para ganhar a atenção dos demais e de algum modo ser protegido por Simone, que no caso não está interessado nisso, não tem nenhuma troca por parte dele e, por isso, Marcello acaba sendo sempre humilhado, o que dá a impressão que gosta de sofrer, é puramente masoquista. Ele dá e faz tudo o que tem e pode para o suposto amigo achando que ele irá dar algo em troca quando precisar, mesmo sabendo inconscientemente que não terá retorno, mas mesmo assim se submete. Por incrível que pareça muitas pessoas fazem isso e o filme exemplifica de uma maneira cru e revoltante. O título é explícito, Marcello realmente tem a personalidade de um cão amistoso, leal e que se dobra ao seu dono, o outro, Simone, um cão raivoso que sai mordendo a torto e a direito, talvez pelo modo como foi criado e as circunstâncias do ambiente o fizeram se proteger dessa forma, mas o que os dois querem se resume em uma única e igual coisa: atenção.
É incômodo visualizar a submissão de Marcello, ele está sempre no meio dos homens no bar escutando o quanto Simone enche o saco arrumando confusão e não pagando suas dívidas, até discutem um meio para sumir com ele, Marcello escuta calado a ideia e segue sua vida, que se resume a lavar os cachorros em seu surrado pet shop e agradar a filha com mergulhos, sua frustração em não poder levá-la em viagens melhores o faz tentar ganhar dinheiro vendendo cocaína, o que o aproxima também da parte não tão bem vista do bairro. Simone vive pegando a cocaína e não o paga, além de colocá-lo em situações perigosas de roubo, só que Marcello parece não se importar na maior parte do tempo, pois para ele estar inserido é um meio de não se tornar vítima, só que as coisas mudam de figura quando Simone articula um plano de roubo e Marcello termina preso.
A decisão que Marcello toma é estranha, será que ele tem tanto medo de Simone ao ponto de se sujeitar à prisão, ou quer mostrar que ele também é forte em não dar o braço a torcer e colocar o amigo na cadeia? Sua lealdade é tão forte assim para que estrague a própria vida? O fato é que depois disso o bairro vira às costas pra ele, pois foi considerado traidor e Simone é indiferente, Marcello quer metade do dinheiro do roubo, mas vendo que o amigo não tem intenção nenhuma em lhe dar dinheiro ou algum tipo de agradecimento por ficar na prisão no lugar dele, segue-se uma espiral de violência em que Marcello se enfurece ao ver sua reputação ir pro ralo com os demais e com a filha, sua última escolha é mostrar para todos ali que é capaz de consertar as coisas, mas termina como um cachorro que late, late e late pedindo inutilmente atenção.
"Dogman" traz uma interpretação impressionante de Marcello Fonte, sua figura franzina, suas atitudes e seus olhares nos conduzem desde o primeiro momento, sua voz terna para falar com os cachorros, sua submissão aos demais, e então a fase final em que sua visceralidade vem à tona, um poderoso retrato de um lugar em que a lei que impera é a do mais forte, o local decadente, o clima nublado e a pobreza só acentua para a atmosfera fria e pesada. É um filme marcante que demonstra o ser humano tentando sobreviver em um ambiente pobre em todos os sentidos.
É mais um filme que está na minha lista para conferir.
ResponderExcluirDe Garrone eu gostei bastante de "Gomorra".
Abraço