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terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness)

 *Contém Spoilers

"Triângulo da Tristeza" (2022) dirigido por Ruben Östlund (Força Maior, 2014 - The Square, 2017), ganhador da Palma de Ouro em Cannes desse ano é um filme que expõe sem metáforas o privilégio da elite, daqueles que não aceitam não e cujo tédio é sanado por situações esdrúxulas. O longa abrange algumas temáticas interessantes que envolvem o capitalismo, como os influencers digitais e a maneira fácil de se ganhar montantes de dinheiro com publicidade, a imagem de perfeição e luxo atraem cada vez mais pessoas para esse mundo e no primeiro capitulo acompanhamos um casal de modelos que, por exemplo, brigam num restaurante sobre quem deveria pagar a conta. As situações exploradas no decorrer são permeadas por muito sarcasmo e o diretor faz questão de provocar o espectador, as pessoas são péssimas e o desenrolar dos acontecimentos só realçam o quão ridículos são. Dividido em três capítulos acompanhamos no primeiro momento Carl (Harris Dickinson), um modelo que está numa espécie de entrevista onde é ordenado a sorrir e parar em segundos e depois desfilar com ritmo, no caso é especificado que modelos homens ganham menos e logo o vemos com sua namorada Yaya (Charlbi Dean), também modelo em um restaurante caríssimo cuja conta a ser paga é discutida por um interminável, cansativo e raso diálogo sobre ela ganhar mais. A cena corta e logo os vemos em um iate luxuosíssimo tomando banho de sol, Yaya ganhou a viagem em troca de publicidade e os dois desfrutam do melhor que há, cardápio refinado e experiência única. Nesse iate acontecem situações incômodas envolvendo funcionários e seus clientes, inclusive Carl numa cena patética de ciúme, na verdade seu ego fica mexido ao ver um funcionário sem camisa consertando algo enquanto Yaya olha, o cara é bonito e ele se aborrece, então vai reclamar, logo depois vemos o cara indo embora do navio. A relação da classe trabalhadora com esses milionários é escancarada sem dó e retrata a EXPLORAÇÃO - escrevi em caixa alta porque essa palavra precisa ser gritada, e é exatamente isso o que o filme faz, os coloca numa posição de arrogância espalhafatosa que gera ânsia, se revela de maneira explícita e desenha muito bem a hierarquia, inclusive entre os funcionários designando regras absurdas.

Dentre esses passageiros conhecemos com mais afinco Dimitry (Zlatko Buric), um milionário russo que se define "Rei da Merda", já que sua fortuna advém de fertilizantes e adubos, o casal britânico Winston (Oliver Ford Davies) e Clementine (Amanda Walker), que enriqueceu vendendo granadas, além de outros que no decorrer ganham cenas icônicas, como Vera (Sunnyi Melles) e sua polêmica cena de vômito e caganeira e Therese (Iris Berben), que vitimada por um acidente vascular cerebral depende da cadeira de rodas e da bondade dos outros, ela consegue pronunciar uma única frase que dependendo a situação muda de entonação. Sem deixar de evidenciar a maravilhosa participação de Woody Harrelson, como o capitão bêbado Thomas Smith, principalmente no "duelo" de citações que trava com o russo sobre capitalismo e comunismo. Enquanto o navio sofre com uma tempestade, acaba a luz e o trágico está por vir, situações das mais estranhas acontecem, primeiro que ninguém liga para a tempestade e comem iguarias e enchem a cara de champagne, até que alguns passageiros comecem a iniciar o show de horrores.
 
O corte para o terceiro capitulo se dá numa explosão e logo vemos alguns sobreviventes chegando a uma ilha, aí se dá uma inversão de poder já que os ricos não sabem fazer nada para além de suas breguices, sempre foram servidos e para sobreviver precisarão eleger como líder Abigail, a faxineira, interpretada magistralmente pela filipina Dolly De Leon. O jogo de poder começa e as relações vão sendo testadas, principalmente a do casal de modelos, que em troca de comida aceita-se de tudo. O território se torna habitável e Abigail se vê numa posição confortável da qual nunca experimentou. O final do filme também joga com o espectador e promove uma série de análises das quais passam por inúmeros possíveis desfechos, a moralidade e as sentenças não são dadas de bandeja, o prato é dado e nós o comemos, mas cada um o digere de uma forma. 
"Triângulo da Tristeza" não poupa ironia e cutuca estereótipos, hipocrisias, preconceitos, privilégios, a moralidade humana de forma crua e debulha os absurdos disso tudo com risibilidade e perspicácia. Grande filme!
 
Nota: A atriz sul-africana Charlbi Dean de 32 anos infelizmente faleceu em agosto desse ano de uma doença repentina, vinda de uma carreira longa de modelo estava se firmando como atriz na série "Raio Negro".

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