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terça-feira, 10 de março de 2020

Sócrates

"Sócrates" (2018) dirigido por Alex Moratto é um filme nacional de uma crueza e sensibilidade arrebatadora, produzido pela Querô Produções - um braço da ONG Instituto Querô, de Santos, traz o cotidiano aflitivo de um garoto que tenta sobreviver diante de tantas dificuldades e conflitos em camadas que transbordam tensão e desespero.
Depois da morte de sua mãe, o jovem Sócrates (Christian Malheiros), que foi criado apenas por ela durante os últimos tempos, precisa fazer tudo o que for possível para que consiga sobreviver na realidade da miséria, somado com o preconceito por ser homossexual. Seus valores e ideais são colocados na balança com o medo de não conseguir se virar sozinho.
Acompanhamos a sofrida saga de Sócrates em busca da sobrevivência, ele se vê sozinho e perdido quando sua mãe falece e por ser jovem demais não consegue emprego, vive de bicos e mal consegue se alimentar, tudo se complica quando conhece e se envolve com Maicon (Tales Ordakji), que não aceita a sua própria natureza, esse relacionamento desencadeia sentimentos autodestrutivos, Sócrates começa a beber e a se tornar mais agressivo, são muitas coisas das quais precisa lidar, o luto, a carência, o desespero, a solidão, não há tempo para ele refletir e tentar outros caminhos, a vida corre e parece não haver absolutamente nada. Nessas suas andanças atrás de emprego enfrenta a falta de oportunidades e se esquiva do serviço social que o colocaria sob a tutela do pai, este que o renega por sua sexualidade, há uma cena bastante pesada lá pelo final do filme em que sem mais saber o que fazer Sócrates recorre ao pai, ele quer comida e também afeto, o desespero é palpável, mas o que ganha é agressão e humilhação, de fato o que se sucede é de um amargor que nos revira.
A história é crua e não há espaços para qualquer momento calmo, o cotidiano machuca e não parece oferecer nada além de miséria, o sentimento de abandono, tristeza e solidão pulsa por esse garoto que se sente confortado nos braços de Maicon, mas novamente o que ele recebe é preconceito e desamor; a vulnerabilidade é imensa.

Sócrates não tem tempo para pensar ou sentir o luto, ele precisa continuar e para isso tenta diversas alternativas, como conseguir o trabalho de sua mãe, porém apesar de esforçado esbarra na lei, então recorre a bicos que exploram mão-de-obra barata, ele segue sempre de maneira aflita tentando vivenciar as experiências e as camadas de sentimentos se confundem e entram em choque, tudo acaba indo para situações de humilhação e se transformando em raiva, por exemplo, o relacionamento com Maicon, o reencontro com o pai e a busca das cinzas da mãe, os entraves dessas situações aglomeram-se numa mistura de raiva e angústia que não tem como não explodir de algum modo, a atuação de Christian Malheiros é intensa ao longo de todo o processo de embrutecimento. 

"Sócrates" possui uma história forte e real, transmite tensão e angústia sem dar qualquer respiro, não há brechas para lamentações e quando esses momentos acontecem são silenciosos e o choro é preso, retrata organicamente a trajetória de um garoto marginalizado sendo sufocado e apagado aos poucos pelo sistema que está inserido. Filmaço!

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