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quarta-feira, 10 de abril de 2019

Os Garotos Selvagens (Les Garçons Sauvages)

"Os Garotos Selvagens" (2017) dirigido pelo estreante em longas-metragens Bertrand Mandico (Ultra Pulpe - 2018) é um filme surpreendente, original e inebriante, uma viagem surreal que vai do sinistro à fascinação e que incorpora elementos experimentais, uma produção desprendida que traz à tona temáticas interessantes em torno da sexualidade com boas dosagens de símbolos eróticos em tom de fábula. 
Início do século XX, cinco adolescentes de boas famílias que amam a liberdade cometem um crime brutal. Eles são dominados por um capitão de um veleiro, que os leva para um cruzeiro repressivo. Os jovens fazem um motim e acabam em uma ilha selvagem que combina diversão e vegetação exuberante. A transformação pode começar... 
Com uma estética aprimorada e livre remetendo por vezes os filmes dos anos 50 e por vezes dos anos 70/80, utiliza-se recursos narrativos imaginativos e hipnotizantes capazes de gerar tanto a sensação de estranheza como a de encantamento, há um teor sexual forte, pois trata-se do despertar sexual de cinco garotos, dentro desse universo onírico existem temas que envolvem gênero, sexualidade e violência, no início acompanhamos um jovem perdido e alucinado e ouvimos vozes o chamando, logo é pego por marinheiros que o atacam sexualmente e aí percebemos que o garoto possui um único seio, a história volta no tempo e conhecemos o grupo de cinco meninos, todos bem ricos e que vivem a espalhar maldades, apaixonados pela professora de literatura combinam um ensaio teatral e no meio a atacam e a amarram nua num cavalo, todos se masturbam à sua frente fazendo com que o cavalo dispare e caia provocando a morte da professora. Esse episódio grotesco vai para o tribunal numa cena estonteante em que os garotos selvagens tentam ludibriar para se saírem ilesos, todos são mentirosos, cínicos e essencialmente malvados, porém não conseguem se livrar da punição e para isso é contratado um capitão (Sam Louwyck) que os levará para uma ilha e cujas experiências vivenciadas no trajeto e nessa ilha estranha os transformarão e aprenderão enfim a ter respeito, empatia e, principalmente, a sentir na própria pele o abuso.
Os cinco meninos Tanguy (Anaël Snoek), Sloan (Mathilde Warnier), Romuald (Pauline Lorillard), Hubert (Diane Rouxel) e Jean-Louis (Vimala Pons) são interpretados na verdade por atrizes e a composição de cada é maravilhosa e tanto a feição como a postura enganam quase totalmente, especialmente Vimala que faz o terrível Jean-Louis e Anaël como Tanguy, a transformação que a ilha produz vai mudando as expressões e os trejeitos, a ilha é repleta de mistérios e coisas prazerosas e fascinam os meninos que se soltam e experimentam, há os frutos cabeludos, o leite que escorre por plantas fálicas e outras que propiciam o ato sexual, e aos poucos vão os modificando e o primeiro indício é o seio nascendo, logo o pênis cai e se abre o horizonte, o entendimento sobre o novo corpo juntamente com os receios, as ameaças e os desejos, o roteiro joga com questões de gênero o tempo todo e desconstrói absolutamente tudo. 

Um grupo de meninos burgueses com os hormônios à flor da pele que praticam barbaridades e que se acham estar acima pelos privilégios vão conhecer na própria pele o que é o medo do abuso e da violência, nesse entremeio experimentam sensações diversas que ultrapassam barreiras. Mais adiante encontramos Séverine (Elina Löwensohn), que descobriu a ilha e que colocou em prática seus estudos acerca das plantas hormonais, conta o como convenceu o capitão a aperfeiçoar um método de domar garotos selvagens, pois ela acreditava que um mundo feminizado acabaria com a violência e os conflitos.
O filme é uma experiência maravilhosa que não se apega a convencionalidades e experimenta com imensa criatividade e imaginação um universo que joga com questões de gênero e sexualidade, é uma mistura hipnotizante de estilos que aguçam nossos sentidos e surpreende pelo desenrolar que vai quebrando todas as definições.

"Os Garotos Selvagens" é misterioso, psicodélico e erótico, um exemplar que aborda de forma liberta a questão da masculinidade atrelada à violência e o entendimento e a comunhão dos corpos através de uma experiência de metamorfose proporcionando assim uma visão ampla dos receios e desejos femininos. Original e imersivo certamente uma obra contestadora e que reúne símbolos pertinentes. Filmaço!

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