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quinta-feira, 31 de maio de 2018

Caminho a La Paz (Camino a La Paz)

"Caminho a La Paz" (2015) dirigido por Francisco Varone é um road movie simpático que retrata uma amizade inesperada, duas pessoas completamente diferentes, mas com o convívio do atordoante e longo trajeto até La Paz firmam um elo engrandecedor e belíssimo. 
Sebastián (Rodrigo De la Serna), 35 anos, é um homem que tem como grandes paixões a banda Vox Dei e seu antigo Peugeot 505. Recém-casado com Jazmín (Elisa Carricajo) e precisando de dinheiro, ele começa a trabalhar como motorista particular. Entre os passageiros está Jalil (Ernesto Suárez), um idoso muçulmano que o chama com frequência e que, certa manhã, lhe faz uma curiosa proposta: em troca de uma quantia muito alta de dinheiro, Sebastián precisa levar o passageiro de Buenos Aires, na Argentina, a La Paz, na Bolívia. Relutante e com dúvidas, ele aceita a viagem, que teve cada detalhe planejado pelo velho Jalil.
Sebas tenta ajeitar a vida com sua esposa, que com a crise também acaba sem emprego, por um acaso encontra a alternativa de trabalhar como motorista, ele é um homem um pouco acomodado e com uma visão de vida estreita, tem receio do futuro e é preso ao passado pela memória do pai, seu Peugeot 505 lhe conecta com a lembrança e o têm em grande estima, então dia após dia Sebas leva os passageiros ao destino ouvindo sua banda favorita, Vox Dei, até que Jalil, um senhor muito doente pede para que ele faça o favor de levá-lo até La Paz para que encontre seu irmão. Precisando de dinheiro aceita, mas jamais imaginaria que ele passaria por uma espécie de peregrinação e modificaria seu olhar para com a vida. Jalil articulou muito bem a viagem, todas as paradas e etc, sua intenção é encontrar seu irmão em La Paz e depois prosseguir em um navio até Mecca, um trajeto complicado e longo, mas visando o dinheiro Sebas aceita, ele sofrerá provações durante o caminho, no início soa até engraçado, mas a situação de Jalil é grave e requer cuidados, a todo momento precisa urinar e depende de uma máquina para fazer hemodiálise toda noite, vai surgindo em Sebas um sentimento de responsabilidade e de empatia, quanto mais o conhece e o percebe mais cresce a admiração e o desejo de chegar até o destino. 
Muitas coisas acontecem, como o atropelamento de um cachorro que Jalil obriga Sebas a levar em seu carro e que é o começo dessa sutil mudança do motorista, o seu semblante no decorrer vai se abrindo e seu desenvolvimento é brilhante. Uma atuação encantadora de Rodrigo De la Serna. 

Somos conquistados pela naturalidade, a simplicidade e o modo intimista com que tudo se desenrola, é abordado o fator do desemprego que assola não só a Argentina, mas os países vizinhos, além de retratar a paisagem sem qualquer artifício, todo o trajeto é penoso e contém perigos, a amizade vai sendo aos poucos firmada através de diálogos reflexivos e espontâneos, a questão da cultura e a religião também fazem parte da trama, Jalil é muçulmano e em um momento específico retrata um ritual auto-hipnótico que leva a Sebas admirar apesar de não ter conhecimento e intimidade com a religião, esse é um ponto importante da trama em que cresce ainda mais o respeito entre os personagens, e há também outra parte significativa em que Sebas renasce a partir de um acontecimento terrível que tem a ver com seu carro, é o ponto crucial de seu recomeço e de certa forma aliviante.  

"Caminho a La Paz" ainda conta com uma ótima trilha sonora que acompanha toda a peregrinação dos personagens, há momentos cômicos, mas sem deixar de ser terno, a transformação de Sebas atinge o espectador de forma gentil e espontânea. É um filme que provoca sentimentos agradáveis. 

terça-feira, 29 de maio de 2018

A Rede/The Net (Geumul)

"A Rede" (2016) dirigido por Ki-duk Kim (Casa Vazia - 2004, Pietá - 2012) traz à tona uma história pertinente que nos permite analisar e discutir sobre as distinções entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul sem pesar para nenhum lado especificamente. Há um apelo humanista e um tom satírico em variadas partes, mas na essência é um drama político angustiante e potente.
Um pescador norte-coreano (Ryoo Seung-bum) tem um problema no barco e fica à deriva até entrar no território da Coreia do Sul. Pego por guardas da fronteira da Coreia do Sul como um espião, sofre terríveis questionamentos, mas é ajudado por Jin-Woo (Lee Won-geun), um agente secreto que ameniza as suas angústias. Toda essa experiência faz com que ele nunca mais volte a ser o mesmo.
Chul-woo é um simples pescador que tem como objetivo alimentar sua família, todos os dias sai para trabalhar com seu barco, seu único bem material, ao chegar escuta dos guardas o que faria se o barco quebrasse e parasse do outro lado, e é exatamente o que acontece, sua rede de pesca enrosca no motor e o queima, desse modo é levado pela correnteza à fronteira e em solo sul-coreano, logo é apanhado e levado para as autoridades e apesar do tratamento aparentemente amigável no início receberá uma enxurrada de perguntas para provar que não é espião, Chul-woo fica desesperado por perceber que dificilmente voltará para sua família, pois o comandante está afim de criar um espião para sanar dívidas passadas, nem todos ali concordam com o tratamento destinado ao pescador, mas não permitem a sua volta, querem que ele permaneça na Coreia do Sul, que deserte do Norte e construa a partir dali uma nova vida, só que Chul-woo tem outros valores e sua família é o que lhe basta, irredutível tentam soltá-lo no meio da cidade para que enxergue tudo que terá ao seu dispor, Jin-Woo o leva e o deixa sozinho, no começo não quer nem abrir os olhos, os agentes criam um plano e Chul-woo abre os olhos e encara todas as chamativas lojas e a multidão de pessoas. Chul-woo só quer voltar para seu país e sua família, mas a Coreia do Sul lhe oferece salário e moradia e um país "livre", porém observamos que toda essa liberdade também é um meio de prisão, o apelo do consumismo principalmente, a maneira boazinha com que a Coreia o trata serve como meio de atingir o inimigo, Chul-woo não quer desertar e tem medo tanto em ser considerado espião pelo Sul como traidor pelo Norte, ele está numa situação que aparenta não ter saída, enquanto todas as sessões de perguntas e torturas acontecem Jin-Woo, o agente secreto que representa ali o lado humanista da história demonstra sensibilidade ao desalentado Chul-woo, são momentos bastante singelos quando os dois estão lado a lado conversando esquecendo as brigas de ideologias. 

A história desarma o espectador e o coloca como observador, tanto um lado como o outro age com fanatismo pelo seus modos de vida, a Coreia do Sul praticamente o força a ficar lá atingindo-o com a suposta liberdade que possuem e ficam indignados por ele ter vivido tanto tempo em regime ditatorial, o interesse é que ele peça asilo para provarem estarem certos, mas Chul-woo não cede e durante esse processo vão acontecendo situações angustiantes, a visão do conflito por meio de um cidadão simples faz toda a diferença e retrata os absurdos dos dois lados e prova que interesses pessoais sempre estarão presentes, seja disfarçado em formas democráticas ou escancaradas como a ditadura, Chul-woo no final com o apoio da mídia volta a seu país, o recebem aparentemente bem, mas novamente vem a enxurrada de perguntas, seria ele agora espião da Coreia do Sul e estaria corrompido pela vida capitalista? 

"A Rede" retrata que conflitos entre países atingem sempre as pessoas mais pobres e simples independente do sistema, e isso o faz sem sutilezas e com doses de sarcasmo, os interesses pessoais na política sempre vão à frente e o cidadão que se vire para sobreviver, em uma parte Chul-woo vidrado com as luzes e lojas se depara com uma prostituta e não entende como em um país tão rico e livre uma moça tenha que se submeter a isso, são esses tipos de cenas que desconstroem a perfeição do capitalismo da Coreia do Sul e a imagem democrática que construíram para o país. Para Chul-woo existe outros valores, como a família, mas ele ao sair do casulo percebe seu país diferente e também com interesses próprios e não na população como o socialismo prega. O olhar de Chul-woo vai nos guiando pela história e descortinando os lados, uma sensação de desolação o atinge e consequentemente nos possibilita a pensar com mais clareza sobre o jogo de poder, as hipocrisias do sistema e o como tudo isso recai sobre o cidadão comum. 

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Trama Fantasma (Phantom Thread)

"Trama Fantasma" (2017) dirigido por Paul Thomas Anderson (Vício Inerente - 2014) é um filme grandioso que proporciona variados olhares e sentimentos sobre a trama, é elegante e charmoso, mas também desperta repulsa e antipatia, são opostos que se unem com total perfeccionismo, assim como os personagens e a obsessão que vai penetrando e se acomodando sorrateiramente.  
Década de 1950. Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis) é um renomado e confiante estilista que trabalha ao lado da irmã, Cyril (Lesley Manville), para vestir grandes nomes da realeza e da elite britânica. Sua inspiração surge através das mulheres que constantemente entram e saem de sua vida. Mas tudo muda quando ele conhece a forte e inteligente Alma (Vicky Krieps), que vira sua musa e amante.
Reynolds Woodcock é um alfaiate de luxo, confecciona vestidos divinos para a altíssima sociedade britânica, está acostumado com todos a seus pés e tem como apoio a irmã Cyril, que administra tudo ao seu redor, Reynolds é metódico e machista, a figura da mãe é um fantasma que o rodeia, as mulheres entram e saem de sua vida como pedaços de panos, quando enjoa pede para sua irmã dar um jeito, sempre se mostra altivo e seguro de si e é fácil criar antipatia por ele, seu modo de olhar e suas manias avançam para o espectador de forma áspera, a cada gesto e olhar do personagem é muito importante para desvendá-lo. Quando conhece Alma, uma garçonete, se encanta e encontra nela o modelo perfeito para a sua arte, Alma não é boba e entende as aspirações dele, o admira por isso e logo está instalada na grande casa servindo como modelo para os vestidos e participando daquele mundo permeado de inspirações e muito trabalho. Reynolds não para um segundo, está sempre fazendo esboços e criando, no período da manhã não pode haver sequer um ruído, tudo é regrado e organizado, Alma se insere rápido nesse meio e não faz nenhum tipo de objeção, ela se entregou aos caprichos do artista e vai nutrindo sua paixão que nunca é suprida, ele é um homem impenetrável enquanto cria e não permite que sentimentos o atrapalhe, e então Alma percebe que precisa tê-lo indefeso, como quando uma criança adoece e necessita da mãe. Só assim ele a observará de outro ponto de vista e saciará as suas necessidades. É uma troca um tanto absurda, mas é dessa maneira que encontram equilíbrio, Alma cuida e derrama todo o seu amor para Reynolds ressurgir forte novamente. 

Alma dá indícios de sua personalidade logo no início, se entrega facilmente aos desejos de Woodcock, seu semblante aparentemente simples esconde inúmeros complexos, mas Woodcock lhe dá uma outra visão de si mesma e ela se apega a esse olhar, sabe que seu intuito é usá-la até quando enjoar, mas ela também está disposta a usá-lo e desvendar seus segredos, Reynolds em determinada parte diz que desde pequeno aprendeu a esconder segredos nas bainhas dos vestidos, mas Alma o descobre frágil e dependente e assim consegue tê-lo para si, Woodcock gosta dos cuidados dela nesse período, há algo de materno nessa relação, uma cumplicidade única.
É um filme de muitas camadas e de muitas belezas, aguça nosso olhar diante dos detalhes, a composição impecável dos personagens hipnotiza, Daniel Day Lewis - inspirado no estilista espanhol Cristóbal Balenciaga - incorpora um homem charmoso e de extremo talento, metódico se debruça ao trabalho e não dá espaço para relações justamente por receio de que suas inspirações parem, Alma o desestrutura, mas descobre uma maneira de aquietá-lo e de tê-lo precisando dos seus cuidados. Alma é uma personagem bastante interessante, é simples e ao mesmo tempo altiva, devotada de um jeito singular. 

"Trama Fantasma" é requintado e original, retrata o sofisticado mundo da moda da alta classe britânica dos anos 50, os vestidos também são personagens e garantem o espetáculo, todo o processo de confecção esbanja delicadeza e devoção, o aspecto psicológico intriga e há pitadas de humor negro, tudo se desenvolve sutilmente e abarca um apanhado de reflexões, são personagens repletos de nuances e que aos poucos vão sendo desvendados. A trilha sonora composta por Jonny Greenwood é outro ponto que engrandece a obra e nos arrebata. 

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Vingança (Revenge)

"Vingança" (2017) dirigido e roteirizado pela estreante Coralie Fargeat é um thriller sangrento que evoca o clássico "A Vingança de Jennifer" (1978), o renascimento e o acerto de contas da protagonista é estonteante e imensamente satisfatório, traz com muito pulso firme a discussão da cultura do estupro, só que abordado pelo viés exploitation, o que é algo arriscado e subversivo, mas acaba acertando em cheio e é impossível não se conectar com o rumo que a história toma, a tensão e a vibração seguem por todo o desenvolvimento e o espectador se deleita com a enxurrada de sangue exibida. 
Jen (Matilda Lutz) chega de helicóptero com seu amante bem-sucedido Richard (Kevin Janssens) em uma região desértica para um final de semana, a sensual Jen é o desejo de qualquer hétero, corpo escultural e imensamente provocante, ela está ali para curtir e se esbaldar, no dia seguinte chega dois amigos de caça de Richard, Stan (Vincent Colombe) e Dimitri (Guillaume Bouchede), logo de cara começam a comer a garota com os olhos, o pensamento que ela seja uma puta pela situação em que se encontra é nítido, a noite todos bebem e se divertem, Jen dança com Stan e isso dá impulso para ele chegar nela sem nenhum escrúpulo, na manhã enquanto Richard vai resolver problemas dos passaportes, Stan chega nela e investe, quando a moça o repele fica nervoso e termina a estuprando, Dimitri chega no quarto e consente e simplesmente aumenta o volume da TV para abafar os gritos e vai nadar. Quando Richard volta eles contam o acontecido e Jen está devastada, só que aí Richard preocupado que Jen conte algo e desmanche sua imagem e casamento decide se livrar dela, Jen desesperada começa a correr pelo deserto e para diante de um penhasco, Richard tenta convencê-la de que tudo se ajeitará e quando chega próximo a empurra e ela cai espetada em um galho, antes deles chegarem no local para se desfazer do corpo, Jen consegue escapar, se rasteja deixando um grande rastro de sangue, é aflitivo acompanhar o seu renascimento, mas vai ficando maravilhoso à medida que ela ganha forças para se vingar de seus agressores. 

Jen é vista apenas como um objeto sexual, é caracterizada como uma puta que com certeza está a mercê de qualquer um, para Stan é incompreensível ela não querê-lo, é inadmissível uma mulher linda e exuberante recusar um homem, uma mulher não pode querer se divertir com seu amante do mesmo modo que ele se diverte com ela, pois é considerada vadia ao modo que o homem é considerado pegador. Ela é tão descartável que depois que a violentam a jogam penhasco abaixo, mas eles não contavam que ela sobreviveria e que muito menos ainda provocasse a morte deles de maneira tão brutal. Jen renasce e adquire instinto de sobrevivência, por conta do estilo do filme joga-se qualquer tipo de explicação ou se seria possível isso ou aquilo, o interessante aqui é a inversão que ocorre quando Jen começa a persegui-los, de predadores se tornam presas, os machões se desfazem e expelem medo por todos os poros, e como é gratificante vê-los nesta situação. O sangue é jorrado em demasia e a dor no rosto é sempre evidenciada, a cena em que Jen se recupera numa caverna é altamente alucinante e tantas outras causam desassossego, como a do vidro sendo retirado do pé de um deles.

"Vingança" é um filme estilizado e promove um acerto de contas catártico, Matilda Lutz está impecável em sua transformação, o foco do filme está em colocar os homens numa posição de fragilidade e objetificação, inverte-se os papéis quando Jen os persegue e os expõe de maneira constrangedora, a violência e o sangue é o que impera. Um ótimo exemplar de cinema exploitation moderno!

quinta-feira, 24 de maio de 2018

O Tempo e o Vento (Bes Vakit)

"O Tempo e o Vento" (2006) dirigido por Reha Erdem (Kosmos - 2010, Jîn - 2013) é um retrato duro e poético sobre o rito de passagem de três crianças numa pequena aldeia do noroeste da Turquia, escondidas entre montanhas e colinas elas vão se confrontando cada vez mais com uma realidade preestabelecida, assim como o ciclo da passagem das estações e a alternância entre noite e dia, o amadurecimento e a transformação vêm com peso e responsabilidade de repetir o mesmo trajeto das gerações anteriores.
Em um pequeno vilarejo do interior da Turquia, um grupo de crianças tenta sobreviver às dificuldades do cotidiano por meio da imaginação e da integração com a natureza e suas estações do ano. A história é bastante fluída, não há exatamente algo específico, simplesmente o cotidiano tedioso do local sendo exposto com lirismo e a natureza se mesclando à mudança das crianças, talvez o personagem que mais se destaque seja Ömer (Özkan Özen), que a maior parte do tempo dá asas a sua imaginação e cria planos para matar seu pai, o imã da aldeia, o motivo seria por causa que o pai destine todo seu carinho e admiração ao irmão mais novo, que sempre está com um sorriso no rosto respondendo as perguntas do pai, ele passa os dias andando e subindo as montanhas com seu amigo Yakup (Ali Bey Kayali), este que nutre uma paixão secreta por sua professora, ele é aplicado e sempre está às voltas dela, Yakup com o decorrer vai percebendo seu pai e o tratamento humilhante que recebe do avô, isso reflete no respeito que sentia por ele. Yildiz (Elit Iscan) é apegada mais ao pai e não entende o porquê a mãe nunca fica do seu lado, ela fica confusa e brava quando escuta os pais fazendo sexo, pois isso pode gerar mais responsabilidade, um novo bebê para ela cuidar, a obrigação surge ao mesmo tempo que eles amadurecem, não há espaço para desejos pessoais, o ciclo geracional está entranhado. Exemplificando de maneira poética surgem as paisagens naturais que se fundem perfeitamente ao rito de passagem, há cenas em que as crianças são mostradas deitadas imóveis junto a folhas e galhos ou cobertas de terra, pode-se pensar que elas estão apenas dormindo ou que o tédio as domine, mas pode-se deduzir que seja um tipo de metamorfose para a chegada da vida adulta, conforme vão percebendo que estão andando nos mesmos caminhos tortuosos dos pais que também foram percorridos por gerações anteriores, vão aderindo as mesmas dores e frustrações, percebem que por mais que estudem e que a modernidade seja chamativa, nada realmente muda ali, uma certa melancolia invade as crianças por terem noção que seus pais estão reproduzindo o que seus pais lhe fizeram e que foi sempre assim.

O ambiente árido também conversa com o tipo de tratamento que os pais oferecem aos filhos, poucas são as demonstrações de afeto, a autoridade para impôr respeito é o que determina tudo, Yakup em dado momento observa seu pai sendo humilhado pelo avô, que diz que é um inútil e que não serve nem para levantar um muro, Yakup o vê chorando e toda a imagem que tinha dele se desfaz, é a tristeza de perceber que o pai reproduziu exatamente o mesmo com ele. O amadurecimento vem repleto de fardos e um amontoado de gerações sobre as costas. Tudo se repete. 

Encantador como a natureza nos filmes de Reha Erdem é filmada se tornando personagem, um misto de fascinação e angústia, neste a natureza é majestosa e apesar da amplitude e infinitude a sensação é de aprisionamento e opressão. A trilha sonora imponente de Arvo Pärt eleva e hipnotiza, reflete-se variadas coisas, principalmente se é possível quebrar ciclos geracionais permeados de fortes tradições e cultura religiosa.

terça-feira, 22 de maio de 2018

Caminho do Bosque/This Very Moment (Milchwald)

"Caminho do Bosque" (2003) dirigido por Christoph Hochhäusler (A Cidade Abaixo - 2010) é um filme desconfortante e que devagar vai inserindo uma sensação de que algo ruim acontecerá, as situações vão numa crescente angustiante e os personagens amadurecendo, tanto em suas paranoias e obsessões, como por conta do sofrimento e experiências traumatizantes.
Sylvia (Judith Engel), madrasta de Lea (Sophie Charlotte Conrad) e Konstantin (Leo Bruckman), vai buscá-los na escola e decide fazer compras com eles do outro lado da fronteira com a Polônia. Até que uma discussão feroz irrompe e ela, num impulso, para o carro no meio do nada, joga as crianças para fora e vai embora furiosa. Quando ela volta, poucos minutos depois, não há mais sinal dos dois. Depois de uma rápida busca, Sylvia decide voltar para casa, culpada. Enquanto isso, Lea e Konstantin são encontrados por Kuba (Miroslaw Baka), um entregador, que promete ajudá-los. Mas a essa altura as crianças têm dificuldade em acreditar na palavra de um adulto.
A relação entre as crianças e a madrasta é conflituosa, Sylvia os atura por ser absolutamente louca por Josef (Horst-Günter Marx), ela é relapsa e principalmente Lea a confronta, um dia indo a um shopping do outro lado da fronteira com a Polônia perde a paciência quando pedem para fazer xixi, manda-os para fora do carro e assim os deixa sozinhos no meio do nada, quando decide voltar eles não estão mais lá, Sylvia os chama, mas não se empenha em procurá-los, ao invés de ficar preocupada volta para casa e acha que pode esconder do marido a ausência dos filhos, por medo de Josef deixar de amá-la guarda para si o acontecido e ele desesperado começa uma busca, a polícia falha na detecção do paradeiro e quando uma pista surge segue por si mesmo a jornada de encontrar Lea e Konstantin. A personalidade de Lea é forte e ela é a guardiã de seu irmão, ela sempre caminha a frente e toma as decisões, tudo parece confuso no início, mas conforme as horas passam os sentimentos vão se modificando, surge a fome, o frio e o sono, tudo parece melhorar quando encontram Kuba, que oferece comida e abrigo, mas como percebe que a responsabilidade foi jogada nas suas mãos decide sair de cena, ele é uma figura que pouco se interessa em avisar a polícia ou levá-los de volta ao lar, simplesmente vai seguindo, há tentativas de contatar o pai, mas em vão. Só depois de ver na TV um anúncio de recompensa pelo paradeiro das crianças volta atrás para tentar recuperá-las. 

Kuba reencontra Lea sozinha, pois ela se perdeu do irmão, as coisas se modificaram muito, Lea está ainda mais arisca e não acredita mais em nada e Konstantin é encontrado na beira da estrada sujo e faminto, quieto não quer nem mais conversar com a irmã, toda essa andança alterou sua personalidade inocente e pura.
O filme vai entremeando as histórias, as crianças caminhando sem rumo e depois na companhia de Kuba, o pai na procura inconformado com o sumiço e Sylvia que exibe um semblante apático que só se esvai quando se dá conta que ele realmente pode encontrá-las. Quando Josef recebe a ligação de Kuba informando que está com elas e indica o local ela vai junto e por coincidência no banheiro de um restaurante se depara com Konstantin e Kuba, se desespera, mas se mantém calada e logo depois passa mal.

Tudo segue para o encontro, mas as circunstâncias modificaram os sentimentos e o que de início exibia neutralidade se transformou em desconfianças e inseguranças. 
"Caminho do Bosque" tem um quê do conto "João e Maria" e incute ansiedade de forma progressiva, sua atmosfera vai se tornando ameaçadora e a única coisa que se deseja é que Lea e Konstantin encontrem o caminho de casa.

terça-feira, 15 de maio de 2018

Birdshot

"Birdshot" (2016) dirigido pelo filipino Mikhail Red é um drama/suspense que ao mesmo tempo que busca evidenciar a responsabilidade humana para com a natureza e a sua preservação também nos mostra uma faceta horrível da humanidade, onde existe ocultação de crimes, corrupção, abuso de poder, desmatamento, caça ilegal e tantas outras que o filme vai pontuando no decorrer. A história exibe uma tensão apavorante junto a um cenário belo e selvagem.
Uma jovem forasteira filipina atira e mata acidentalmente um pássaro cuja espécie está em extinção. Porém à medida que as autoridades adentram a mata para descobrir o paradeiro da ave desaparecida, um segredo ainda mais sombrio fica cada vez mais perto de ser descoberto. 
Em uma área remota no interior das Filipinas Maya (Mary Joy Apostol) mora com o pai, Diego (Ku Aquino), um agricultor que toma conta das terras ao redor, principalmente da reserva florestal, da qual preserva cerca de 40 águias filipinas, uma ave em extinção. Com o desmatamento, a caça ilegal e a poluição essa reserva é o único local capaz de protegê-las, para quem for pego caçando a multa é pesada, além de pena de prisão. É dentro desse contexto que o filme se desenrola, observamos no início o pai ensinando a filha atirar, pois tem medo que ela fique sozinha e despreparada para a vida, o meio de sustento deles é a natureza que supre, então é preciso aprender a caçar para se alimentar, Diego cuida da filha, mas não a introduz em outras questões, apenas a praticidade, o básico da subsistência, Maya conta também com o seu cão, Bala, seu leal companheiro. Em um dia passeando pela floresta Maya escuta um barulho e o segue, sem notar que entrara na reserva concentrada acaba por atirar em uma águia. O pai não a repreende, mas a instrui para não falar nada à polícia quando vierem fazer perguntas, eles seguem normalmente e Maya faz um colar com uma das garras da águia, sendo como um amuleto. À parte dessa história acompanhamos o trabalho de dois policiais na procura por informações sobre um ônibus de camponeses desaparecidos, esse caso cada vez mais se torna obscuro e é dado como encerrado, porém Domingo (Arnold Reyes), o policial mais novo fica obcecado e por conta própria investiga, a cada nova informação percebe que há algo muito errado no sumiço dessas pessoas que estavam lutando pelo direito de suas terras, as autoridades não se posicionam e ignoram, Domingo é sugado para o abismo quanto mais se envolve, de repente ele está coberto de raiva e prestes a se corromper como os demais e é aí que as histórias vão se cruzando e culminam num desfecho terrível, mas de certa forma esperançoso. 

Ao ser designado para investigar o caso da ave, Domingo vai perdendo sua noção de moral e de repente está no mesmo esquema dos outros, a questão não é que a morte do animal em extinção é mais importante do que o sumiço dos camponeses, o problema é o abuso de poder, enquanto os ricos e poderosos cometem atrocidades, os pobres são torturados e enfrentam a mão pesada da lei, e os policiais que são apenas marionetes nesse jogo se corrompem, em várias partes um deles diz que não são pagos para tal coisa e que é melhor esquecer, como seguir em um caso que insistem em fechar.
É um filme complexo que a todo momento coloca o dedo na ferida da moralidade, como manter o caráter intacto diante de tanta crueldade? Há uma parte em que Maya é dominada pelo espírito da vingança, porém com as consequências seguintes novamente parece haver uma trava nela, algo bom que permanece em si. Durante todo o filme reflete-se o comportamento humano.

"Birdshot" é surpreendente, mistura variados gêneros e a narrativa caminha por muitos assuntos, a contemplação da natureza, o amadurecimento, o sentido de humanidade, e principalmente, disserta sobre presa e predador, como aquele que possui riqueza e poder esmaga e corrompe os submissos e estes dominados pelo ódio aniquilam os mais frágeis da escala social. Maya é o único resquício de esperança nesse caótico cenário, sua atitude final compreende uma infinidade de questões e acaba por nos levar ao horror verdadeiro, a camada mais sombria da história. 

sexta-feira, 11 de maio de 2018

15 Filmes de Terror (15 Horror Movies)

Segue um apanhado de filmes de terror que seguem fórmulas diferentes e surpreendem em suas narrativas por explorar gêneros variados, como fantasia, suspense, thriller psicológico, drama e até comédia. O objetivo não é elencar os melhores e sim compartilhar para que mais pessoas descubram a beleza e as facetas variadas do terror. 

 "A Caverna" (La Cueva - 2014) Espanha
De férias no Mar Mediterrâneo, cinco amigos descobrem uma caverna escondida ao lado de um penhasco e decidem explorá-la. Eles começam a explorar as inúmeras passagens que formam a caverna. Não demora até descobrirem que estão perdidos. Dias se passam e eles não conseguem escapar, sem contato com o mundo externo, sem comida ou água. A falta de luz os atormenta à beira da insanidade. Com a esperança desaparecendo rapidamente, os amigos são forçados a tomarem decisões das quais nunca acharam que seriam capazes.

"Sob a Sombra" (Under the Shadow - 2016) Irã
Teerã, 1988. A guerra entre Irã e Iraque ressoa pelo seu oitavo ano. Uma mãe e sua filha ficam pouco a pouco dilaceradas com as campanhas de bombardeio sobre a cidade junto com a sangrenta revolução do país. Lutando diariamente para ficarem juntas em meios aos terrores, um misterioso mal ronda o apartamento onde elas moram.
Um filme de terror iraniano calcado no drama psicológico e em ricos simbolismos. A inovação está em colocar o contexto político dos anos 80, o conflito militar entre Irã/Iraque em evidência, o terror das explosões de bombas é misturado a uma abordagem sobrenatural da lenda Djinn, um espírito que exerce grande força decisiva sobre pessoas ou locais. Saiba+


"Baskin" (2015) Turquia
Um grupo de policiais é chamado para atender um pedido de reforço após um jantar, onde já havia acontecido alguns estranhos eventos. Ao chegar ao local, eles se veem em meio a um bizarro e sádico ritual, que se torna literalmente uma viagem ao inferno.
Um filme de horror turco baseado no seu curta homônimo produzido em 2013. O filme possui elementos perturbadores e cenas sangrentas em que o estilo gore predomina, a atmosfera é podre, hipnotizante e a câmera em nenhum momento vacila. É um pesadelo sádico, uma verdadeira descida ao inferno. Saiba+

"Demon" (2015) Polônia
Piotr veio da Inglaterra para se casar com a bela Zaneta (Agnieszka Zulewska) e morar na casa do avô da moça numa pequena cidade da Polônia. Os familiares não o conhecem direito, porém ele se mostra um cara sério. Mas ao escavar o quintal da casa, descobre sem querer, uma cova com um esqueleto, daí ele começa a sofrer algumas alucinações e seu comportamento vai se modificando, culminando em crises estranhíssimas em plena festa de casamento.
Um filme de terror psicológico que mescla comédia e crítica social, um exemplar rico em sua narrativa e que impressiona pela atuação do protagonista vivido por Itay Tiran. Saiba+

"Ao Cair da Noite" (It Comes At Night - 2017) EUA
Paul (Joel Edgerton) mora com sua esposa Sarah (Carmen Ejogo) e o filho Travis (Kelvin Harrison Jr.) numa casa solitária e misteriosa, mas segura, até que chega uma família desesperada procurando refúgio. Aos poucos a paranoia e desconfiança vão aumentando e Paul vai fazer de tudo para proteger sua família contra algo que vem aterrorizando todos. Um filme que explora de maneira eficaz a desconfiança, o medo, a paranoia; um exemplar que usa de poucos artifícios para gerar desconforto e muita tensão. Saiba+ 

"Angústia Alemã" (German Angst - 2015) Alemanha
Três contos repletos de amor, sexo e morte em Berlim, surgidos das mentes de três dos mais chocantes diretores alemães de todos os tempos: Andreas Marschall (Máscaras - 2011), Jörg Buttgereit (Schramm - 1994) e Michal Kosakowski (Zero Killed - 2012). "Angústia Alemã" é um filme diferenciado dentro do segmento terror/horror, ele carrega uma solidez impecável e desagradável conversando com a identidade do país, sobra desconforto ao visualizar cenas de violência. Saiba+ 

"Primavera" (Spring - 2014) EUA
Após a morte de sua mãe, o inconsolável Evan vai afogar as mágoas com seus amigos no bar onde trabalha. No entanto, ele se envolve numa briga que acaba fazendo com que seu chefe o demita. Sem rumo e com a possibilidade de ser perseguido por seu novo desafeto, Evan decide viajar para fugir de seus problemas. Numa pequena e turística cidade costeira na Itália, ele conhece e se interessa por uma linda e misteriosa mulher. Logo se torna claro que ela possui segredos obscuros que podem destruí-los.
Uma produção de baixo orçamento que passeia por alguns gêneros, como romance, horror e ficção científica, no próprio cartaz do filme está escrito: "Um híbrido entre Richard Linklater e H.P. Lovecraft". Saiba+

"Personal Shopper" (2016) França
Maureen (Kristen Stewart) é uma jovem americana que mora em Paris e trabalha como Personal Shopper para uma celebridade local. Ela também tem uma capacidade especial para se comunicar com o mundo dos mortos. A moça dividia esse dom com seu irmão, recém-falecido, que parece estar querendo enviar uma mensagem para o mundo dos vivos.
Um filme que passeia por vários gêneros, entre eles, drama, suspense e terror, a originalidade e a ousadia do roteiro pega de surpresa e nos deparamos com um filme único que retrata uma personagem imperfeita e repleta de dúvidas. O viés sobrenatural juntamente à atmosfera tensa do crescente suspense intriga e proporciona olhares diversos, uma história que mexe com incertezas, solidão, medo e o vazio. Saiba+

"As Boas Maneiras" (2017) Brasil
Ana (Marjorie Estiano) contrata Clara (Isabél Zuaa), uma solitária enfermeira moradora da periferia de São Paulo, para ser babá de seu filho ainda não nascido. Conforme a gravidez vai avançando, Ana começa a apresentar comportamentos cada vez mais estranhos e sinistros hábitos noturnos que afetam diretamente Clara.

"Calvaire" (2004) Bélgica
Marc é um cantor que procura ajuda numa pousada perdida no interior, quando o seu carro dá defeito. Ele acha que pode ir embora a qualquer momento, mas logo descobre que não pode sair, pois tornou-se objeto de desejo do estranho gerente, que pensa que ele é a reencarnação do seu antigo amor, Glória.

"Ninho de Musaranho" (Musarañas - 2014) Espanha
Em Madri, nos anos 1950 vive Montse (Macarena Gómez), uma mulher que sofre de Agorafobia, ela cuida da irmã mais nova (Nadia de Santiago), já que a mãe morreu durante o parto e o pai abandonou as filhas. A doença de Montse faz com que ela se prenda dentro do apartamento, piorando a situação. Um dia, a relação entre as irmãs começa a mudar com a chegada de um vizinho, Carlos (Hugo Silva).
É um drama que envolve traumas, transtornos psicóticos e fanatismo religioso. Saiba+

"Os Olhos de Minha Mãe" (The Eyes of My Mother - 2016) EUA
Francisca (Kika Magalhaes) filha de imigrantes portugueses vive isolada com a família em uma fazenda no interior dos EUA. Quando pequena sua mãe (Diana Agostini) a ensinou os segredos do seu antigo ofício, ela era cirurgiã oftalmologista em Portugal, a menina é curiosa e a vemos nessa aparente natural relação aprendendo, até que um dia um estranho (Will Brill) entra na casa e mata brutalmente sua mãe.
Um filme de horror que prima pelo visual, o preto e branco dá o diferencial e evidencia o peso que a trama carrega, o silêncio e a solidão ganham corpo e se tornam palpáveis. O clima melancólico é ao mesmo tempo incômodo e poético, o macabro é cru; a angústia, a maldade, a ausência vivida pela protagonista é tão pungente que causa repulsa e também fascínio. Saiba+

"A Transfiguração" (The Transfiguration - 2016) EUA
Quando o jovem problemático Milo (Eric Ruffin), fascinado por vampiros, conhece a igualmente alienada Sophie (Chloe Levine), os dois formam um laço que começa a enevoar a linha do garoto entre a realidade e a fantasia. Milo é um adolescente órfão de 14 anos que vive com seu irmão Lewis (Aaron Moten) no Queens, em Nova York. Ignorado por seus colegas de classe, ele sofre bullying nas mãos dos meninos mais velhos da escola. Ele encontra refúgio no pequeno apartamento onde mora, onde foge da solidão ao se debruçar sobre o fascinante mundo dos vampiros. Milo esconde um segredo sinistro, mas um encontro com Sophie, sua nova vizinha, irá despertá-lo para novos sentimentos. Retrata o vampirismo sob uma ótica completamente diferente, mas ainda assim conversa com a aura sombria e melancólica que permeia o tema. Reflexivo, pesado e perturbador, é a fantasia se tornando realidade. Saiba+ 

"Alleluia" (2014) França
Michel (Laurent Lucas) é um cara perdido, mas terrivelmente sedutor, que se apossa das economias das mulheres que sucumbem ao seu charme. É um predador. Na melhor das hipóteses, ele as trucida e vai embora com o dinheiro. Até que encontra Glória (Lola Dueñas), uma ibérica marcada por uma existência triste, que se apaixonará completamente pelo belo passante que ela não vai mais largar. Começa então uma odisseia sangrenta, na qual os dois amantes irão se afundar na loucura. Conta uma história macabra de forma fria do encontro de duas pessoas perturbadas que se gostam, se complementam e se alimentam da loucura. Saiba+ 

"I Am a Ghost" (2013) EUA
Emily (Anna Ishida), um espírito problemático, assombra sua própria casa todos os dias, perguntando-se porque não pode seguir em frente. Com a ajuda de Sylvia, uma vidente contratada para livrar casas de espíritos, Emily entra em um relacionamento de paciente e terapeuta, descobrindo mistérios perturbadores sobre seu passado que podem ajudá-la a seguir para "o próximo lugar".
Um filme independente dirigido pelo estreante H.P. Mendoza, ele explora uma perspectiva nova dentro do gênero terror, ao invés de mostrar a família sendo perturbada por um fantasma, retrata absolutamente tudo sob a ótica do fantasma, que preso a uma rotina repetitiva, não consegue encontrar o caminho que o levará para uma outra etapa. Original, instigante, tenso, inteligente, sem utilizar grandes artifícios ou elementos batidos consegue ser sinistro e ao mesmo tempo dramático. Saiba+

Menção Honrosa:
"Genesis" (1998) Espanha
"Genesis" é o terceiro curta de Nacho Cerdà é uma obra impecável, sublime em termos técnicos e o que ele nos propõe a pensar.
A história conta sobre um escultor que perde sua mulher de forma trágica, desde então não consegue suportar a solidão que o culmina. Assim decide esculpir sua mulher nos mínimos detalhes, em toda a sua perfeição. Ele trabalha de forma minuciosa, esculpindo milimetricamente, e isso de alguma forma o preenche, ele coloca todo o seu amor e toda a sua alma em sua arte. Tornando-se divino. Apenas restando os retoques, ele percebe algo estranho, chegando perto descobre fios de sangue a sair da estátua. E com o tempo essas fissuras aumentam, tornando-se quase viva. Em contrapartida, o escultor faz o processo inverso, ele vai se tornando rígido. Cada fissura que se abre, ele vai sendo tomado por um aspecto enrijecido o fazendo estátua. E sua mulher esculpida com a perfeição se faz humana, renascendo. Saiba+

terça-feira, 8 de maio de 2018

O Futuro Perfeito (El Futuro Perfecto)

"O Futuro Perfeito" (2016) dirigido pela alemã radicada na Argentina Nele Wohlatz é um filme rico em sua mensagem e sutil em sua abordagem, uma mistura de documentário e ficção onde retrata as dificuldades de se estabelecer em um país completamente diferente, os costumes, a identidade cultural e as barreiras da linguagem, o cotidiano da protagonista evidencia o como é complicado interagir ou mesmo demonstrar sentimentos e anseios quando não se tem domínio da língua, com naturalidade e momentos agridoces acompanhamos sua força de vontade em se estabelecer e seu desenvolvimento à medida que compreende melhor o idioma.
Xiaobin (Xiaobin Zhang), uma jovem imigrante chinesa em Buenos Aires, encontra uma maneira de atravessar as contradições que enfrenta em sua nova vida cotidiana. Seus pais querem que ela se case com uma situação econômica chinesa melhor e, como eles, vivem isolados a partir da nova sociedade. Quando Xiaobin veio a Argentina, ela não falava uma palavra de espanhol. No entanto, alguns dias mais tarde, ela tem um novo nome, Beatriz, e um primeiro emprego em um supermercado. Sem o conhecimento de seus pais, começa uma vida paralela que inclui uma escola de espanhol e um caso com Vijay (Saroj Kumar Malik), um engenheiro de computação da Índia. Com aulas de línguas, o filme exibe uma estrutura dramática e cômica. Acompanhamos o processo de adaptação de Xiaobin ao seu novo país.
Xiaobin é uma adolescente que chega em Buenos Aires para encontrar seus pais que estão juntando dinheiro para voltar ao seu país, a mãe trabalha pesado na lavanderia e ela acaba indo trabalhar com um tio no supermercado, suas primeiras palavras em espanhol são apresentadas neste ambiente, mas não são suficientes para a compreensão e se manter no trabalho, dessa maneira ela começa a frequentar aulas, que são compartilhadas conosco, todo o passo a passo didático utilizando de situações cotidianas e conversas casuais entre os estudantes, apesar do método extremamente limitado é o que dá impulso para Xiaobin, que primeiro adquire o nome Beatriz e em seguinte consegue um novo trabalho e por consequência conhece Vijay, um indiano que se encanta por ela, porém o relacionamento também é limitado por não compreenderem-se direito, Vijay parece querer uma esposa rapidamente por pressão familiar, já Beatriz é nova e ainda está desabrochando para a vida, em um dos encontros Vijay a pede em casamento e a única maneira que ela consegue se expressar é em sua língua natal.
A história vai nos envolvendo no processo de aprendizagem dela, com o passar dos dias vai adquirindo mais segurança e daí assume um outro nome, Sabrina, que é foneticamente próximo do seu. Desse ponto em diante seu semblante vai se abrindo e observamos que quanto mais adquire conhecimento da língua mais se sente no comando de sua vida.

A história é simples e encantadora, o realismo das cenas, as dificuldades em estar num país diferente e todo o processo de adaptação. A linguagem é lindamente trabalhada, à medida que consegue dialogar com os colegas e traduzir seus sentimentos para a nova língua, os tempos verbais vão expandido isso e lhe dando noção de futuro, como o próprio título sugere, assim ela vai abrindo possibilidades de compreender e pensar nas opções para sua vida, lá no final do filme ela pensa em tudo que poderia acontecer se caso escolhesse casar com Vijay, entre tantas outras alternativas.

"O Futuro Perfeito" é um filme curtinho, 65 minutos agradáveis que nos oferecem uma visão prática e direta das dificuldades e das inseguranças do imigrante em se estabelecer por conta dos obstáculos e das limitações da linguagem. Um exemplar despretensioso, inteligente e delicado.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Os Estranhos (The Strange Ones)

"Os Estranhos" (2017) dirigido por Christopher Radcliff e Lauren Wolkstein é um filme inspirado no curta homônimo deles de 2011, é um puro suspense de atmosfera sombria, a sua narrativa prende o espectador mesmo com um ritmo lento e arrastado e é necessário prestar atenção em cada diálogo e detalhes das cenas, pois tudo se mistura, passado, presente e imaginação. É bastante imersivo, sua aura enigmática é super bem trabalhada e as camadas de ideias surgem aos montes.
Eventos misteriosos rondam a viagem de dois irmãos enquanto eles seguem caminho em meio a uma paisagem remota dos Estados Unidos. A princípio, tudo parece normal, mas o que parecia ser uma simples viagem acaba se tornando uma complexa teia de acontecimentos sombrios.
Sam (James Freedson-Jackson) e Nick (Alex Pettyfer) saem fugidos depois de terem cometido um crime, o assassinato do pai de Sam, observamos apenas Sam e logo um incêndio, Nick o resgata e juntos pegam a estrada aparentemente sem rumo. Tudo parece comum nesse começo, mas é preciso captar que a narrativa joga o tempo todo, mistura-se o tempo muito sutilmente, assim como a potente imaginação do garoto. A história vai dando pistas, mas é como se entrássemos num buraco escuro, o personagem central, Sam, é um garoto misterioso, há algo de estranho nele, porém Nick, apresentado como o irmão no início ajuda a confundir, não demora e percebemos que a relação entre eles é outra, os olhares são carregados de libido e quando param num hotel vazio no meio do nada temos a certeza da paixão obsessiva de Sam para com Nick, este que em nenhum momento o toca. A conversa que Sam tem com a moça que os recepciona nesse hotel é bastante elucidativa e sua personalidade é exposta mesmo que sombreada pela presença de Nick, pois ele diz que ela deveria ter medo de estar com eles sozinha ali, os dois poderiam ser assaltantes, ele poderia estar sendo sequestrado, ou ainda poderiam ser dois psicopatas, Nick é calado, tudo é sugerido por olhares e sempre há uma forte tensão sexual pairando no ar. Depois dessa conversa os dois saem do hotel e vão para uma cabana no meio da floresta, um lugar secreto onde nada os atrapalharia. Mas quanto mais a trama se desenrola menos certeza temos do que está acontecendo, seria tudo produção da mente de Sam e nada disso realmente existiu?

"As coisas dentro de sua cabeça, elas são tão reais quanto quer que sejam. Então se você quiser, pode simplesmente decidir que não são reais."

As interpretações dão credibilidade à história, Sam exibe uma faceta de indiferença aos demais e tem algo de manipulador ao mesmo tempo em que é frágil, Nick possui uma carga sexual, é um personagem ambíguo e que está ali para realmente confundir nossa interpretação sobre o menino, quando o foco fica apenas em Sam numa determinada parte aí temos a chance de perceber sua obsessão e o como é problemático. A sua imaginação com certeza conduziu quase toda a trama e os flashes de realidade também se intercalam entre passado e presente nos dando a chance de variadas conclusões. 

"Os Estranhos" é um filme intrigante que se não visto com atenção parece que nada faz sentido e que nada se conclui, ou que apenas toca em temas perturbadores, como violência, pedofilia e psicopatia, mas é um jogo de quebra-cabeças entre imaginação e realidade, o que a mente é capaz de produzir para escapar de algo ruim e também quando se tem um intenso desejo reprimido.