"A Rede" (2016) dirigido por Ki-duk Kim (Casa Vazia - 2004, Pietá - 2012) traz à tona uma história pertinente que nos permite analisar e discutir sobre as distinções entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul sem pesar para nenhum lado especificamente. Há um apelo humanista e um tom satírico em variadas partes, mas na essência é um drama político angustiante e potente.
Um pescador norte-coreano (Ryoo Seung-bum) tem um problema no barco e fica à deriva até entrar no território da Coreia do Sul. Pego por guardas da fronteira da Coreia do Sul como um espião, sofre terríveis questionamentos, mas é ajudado por Jin-Woo (Lee Won-geun), um agente secreto que ameniza as suas angústias. Toda essa experiência faz com que ele nunca mais volte a ser o mesmo.
Chul-woo é um simples pescador que tem como objetivo alimentar sua família, todos os dias sai para trabalhar com seu barco, seu único bem material, ao chegar escuta dos guardas o que faria se o barco quebrasse e parasse do outro lado, e é exatamente o que acontece, sua rede de pesca enrosca no motor e o queima, desse modo é levado pela correnteza à fronteira e em solo sul-coreano, logo é apanhado e levado para as autoridades e apesar do tratamento aparentemente amigável no início receberá uma enxurrada de perguntas para provar que não é espião, Chul-woo fica desesperado por perceber que dificilmente voltará para sua família, pois o comandante está afim de criar um espião para sanar dívidas passadas, nem todos ali concordam com o tratamento destinado ao pescador, mas não permitem a sua volta, querem que ele permaneça na Coreia do Sul, que deserte do Norte e construa a partir dali uma nova vida, só que Chul-woo tem outros valores e sua família é o que lhe basta, irredutível tentam soltá-lo no meio da cidade para que enxergue tudo que terá ao seu dispor, Jin-Woo o leva e o deixa sozinho, no começo não quer nem abrir os olhos, os agentes criam um plano e Chul-woo abre os olhos e encara todas as chamativas lojas e a multidão de pessoas. Chul-woo só quer voltar para seu país e sua família, mas a Coreia do Sul lhe oferece salário e moradia e um país "livre", porém observamos que toda essa liberdade também é um meio de prisão, o apelo do consumismo principalmente, a maneira boazinha com que a Coreia o trata serve como meio de atingir o inimigo, Chul-woo não quer desertar e tem medo tanto em ser considerado espião pelo Sul como traidor pelo Norte, ele está numa situação que aparenta não ter saída, enquanto todas as sessões de perguntas e torturas acontecem Jin-Woo, o agente secreto que representa ali o lado humanista da história demonstra sensibilidade ao desalentado Chul-woo, são momentos bastante singelos quando os dois estão lado a lado conversando esquecendo as brigas de ideologias.
A história desarma o espectador e o coloca como observador, tanto um lado como o outro age com fanatismo pelo seus modos de vida, a Coreia do Sul praticamente o força a ficar lá atingindo-o com a suposta liberdade que possuem e ficam indignados por ele ter vivido tanto tempo em regime ditatorial, o interesse é que ele peça asilo para provarem estarem certos, mas Chul-woo não cede e durante esse processo vão acontecendo situações angustiantes, a visão do conflito por meio de um cidadão simples faz toda a diferença e retrata os absurdos dos dois lados e prova que interesses pessoais sempre estarão presentes, seja disfarçado em formas democráticas ou escancaradas como a ditadura, Chul-woo no final com o apoio da mídia volta a seu país, o recebem aparentemente bem, mas novamente vem a enxurrada de perguntas, seria ele agora espião da Coreia do Sul e estaria corrompido pela vida capitalista?
"A Rede" retrata que conflitos entre países atingem sempre as pessoas mais pobres e simples independente do sistema, e isso o faz sem sutilezas e com doses de sarcasmo, os interesses pessoais na política sempre vão à frente e o cidadão que se vire para sobreviver, em uma parte Chul-woo vidrado com as luzes e lojas se depara com uma prostituta e não entende como em um país tão rico e livre uma moça tenha que se submeter a isso, são esses tipos de cenas que desconstroem a perfeição do capitalismo da Coreia do Sul e a imagem democrática que construíram para o país. Para Chul-woo existe outros valores, como a família, mas ele ao sair do casulo percebe seu país diferente e também com interesses próprios e não na população como o socialismo prega. O olhar de Chul-woo vai nos guiando pela história e descortinando os lados, uma sensação de desolação o atinge e consequentemente nos possibilita a pensar com mais clareza sobre o jogo de poder, as hipocrisias do sistema e o como tudo isso recai sobre o cidadão comum.
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