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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Yeralti

O cinema turco por si só já tem a característica de contemplação, andamento mais lento e menos diálogos. "Yeralti" (2012) vai além dessa característica, é uma viagem existencial profunda fincada no pessimismo humano.
Baseado livremente no livro "Notas do Subsolo" de Dostoiévski, um aspirante a escritor caminha pela vida de forma modesta, trabalha como servidor público e as pessoas com quem convive não o enxerga, ou preferem não se aproximar, já que ele é um sujeito insuportável, inclusive ele mesmo não se aguenta. É um alguém cheio de manias e filosofias que se ergue perante os outros, detesta tudo ao seu redor e não poupa seus pensamentos, é considerado rude e de extremo mau gosto. Sua ira aumenta quando vê seu colega ganhar fama e prestígio por um livro que escreveu, ele sabe que esse indivíduo roubou as ideias de outra pessoa, e então num jantar começa a cuspir sua raiva acerca da natureza humana. Essa é uma das melhores partes do filme.
O longa tem alguns problemas de desenvolvimento e se torna enfadonho, são apenas planos que focam na mesma coisa por demorados minutos, um jeito de demonstrar reflexão, mas que acaba por se tornar prolixo demais. Prejudica a quem não é familiarizado com a obra mais existencialista de Dostoiévski, portanto se reduz ao público que conhece e já leu o livro. É um filme que propõe pensamentos além das imagens exibidas. O personagem por se sentir inadequado e não concordar com o modo de vida das pessoas teima em ser mau, mas logo retorna ao seu eu e percebe que não tem jeito de mudar o que se é de verdade. Vários pensamentos ruins passam pela sua mente, mas em vão. Isso o perturba e como sua personalidade é irônica acha graça de si mesmo.
"Yeralti" nos convida de forma estranha a desvendar a mentalidade deste homem. É complexo, pois ao mesmo tempo que quer ter amigos não os quer por achar que ninguém está a sua altura, os acham desonestos, e quando se aproxima, tudo o que consegue é afastá-los ainda mais. Ele quer ser herói, mas de repente muda de ideia, deseja ser mau, mas retroage. Então continua na inércia. Extremamente introspectivo é preciso ter um olhar aguçado para as atitudes e os pensamentos do personagem interpretado por Engin Gunaydin, que na maioria das vezes está absorto, ou com um riso irônico nos olhos.

Sinceramente pensei encontrar um personagem mais antipático, que reclamasse mais da humanidade, porém o que vi foi um homem cansado da vida que de alguma maneira tenta se encaixar, mesmo sabendo que seja impossível por causa de seu gênio forte. Não chega a sair do contexto, mas acabou dando um aspecto chato no filme. 
Me vi no homem do subsolo em vários momentos, e me assustei por isso, um dos pontos é na inadequação, o não conseguir disfarçar o desprezo pelo meio em que a hipocrisia reina, e por conta disso ser considerada grosseira ou arrogante, o que só me afasta de tudo por não suportar a realidade. Daí vem a oscilação de sentimentos, dentre eles o ódio de si. Outra coisa é a dúvida acerca de tudo, o que só traz a infelicidade, um vazio enorme e a solidão. Mas como o mestre Dosto dizia: "Só ponho máscara no rosto quando vou a algum baile à fantasia; não sei andar todos os dias pelo mundo com uma máscara pregada na cara". O homem do subsolo é o símbolo de uma existência a margem da sociedade, uma espécie de ressentimento com o mundo que não lhe dá o devido valor enquanto vangloria a quem não merece.

Ser consciente em demasia te torna doente, ainda mais nesta sociedade em que vivemos onde se valoriza o banal e o que importa é considerado esdrúxulo, diante disto o homem do subsolo prefere não agir. Quero enfatizar mais uma vez a cena do jantar com os "amigos", traz verdades desconfortáveis entre ilusões e diálogos sarcásticos do protagonista.
Por mais que o filme tenha um andamento lento e um roteiro não desenvolvido, vale para lembrar de uma das obras mais geniais que existem, a livre adaptação é trazida para os moldes modernos dentro da sociedade turca, mas, que na verdade, serve para qualquer outra do mundo.

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