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segunda-feira, 2 de julho de 2012

A Fonte das Mulheres (La Source des Femmes)

A pequena aldeia na comunidade muçulmana no Magreb, no norte da África, é assombrada pela seca, o desemprego e a corrupção das autoridades locais, que atrasam a instalação da água encanada e da eletricidade, isso sobrecarrega o trabalho pesado das mulheres. Sempre levando baldes nas costas, várias delas grávidas, nesse caminho tortuoso acabam perdendo seus filhos. Depois de um novo aborto de uma delas, a jovem Leila (Leila Bekhti), uma das raras mulheres que sabem ler, lidera uma greve de sexo, procurando forçar os homens locais a se mexerem para resolver os problemas do povoado. Como era de se esperar, as autoridades religiosas intervém, o que dá margem a uma animada discussão sobre aquilo que está ou não previsto no Alcorão. Como em qualquer religião, tudo depende das interpretações, que viajam ao sabor da conveniência de quem se habituou a ser sempre amo e senhor, e não quer ver o fim desse estado das coisas. Mesmo entre as mulheres, as opiniões se dividem. A sogra de Leila (Hiam Abbass), está a frente do bloco ultra-minoritário que hostiliza as neofeministas, especialmente por ser encabeçado por sua nora, que veio de outra região e nunca foi bem vista por ela.
A condução da narrativa é sempre feita de uma forma leve, com bastante humor. Os momentos em que a velha Fuzil intervém são quase sempre deliciosos, os diálogos da personagem são hilários. A atriz Biyouna contribui muito para este sentimento, representando a velha de forma magnífica. Outro destaque são os grupos de mulheres, a falar desanuviadamente enquanto fazem as suas várias tarefas diárias, sem os homens por perto. As conversas que surgem destas interações são maravilhosas e é raro o momento em que não começam todas a cantar. Ainda que tratando de temas sérios, o tom grave é quebrado pelo formato musical. Usando canções, injeta-se um bem-vindo humor em inúmeras situações. Se há um mérito no filme de Mihaileanu é lançar uma luz diferente sobre a cultura muçulmana, quebrando o molde monolítico que o fundamentalismo procura fazer crer que seja a sua única voz e expressão. Diante das sucessivas rebeliões recentes no mundo árabe (Egito, Tunísia, Síria), o filme ganha ainda mais interesse e atualidade.
Em uma cultura dominada pelo machismo, determinada pela religião rígida, baseada no Alcorão, as mulheres são vistas apenas como donas de casa, amantes de seus maridos, parideiras, e ainda por cima, fazem serviço pesado, como carregar água sob os ombros num caminho penoso mesmo estando grávidas, enquanto os homens fumam, bebem chá e falam mal de suas mulheres. Isso é uma imagem que não cabe ao pensamento ocidental, e atualmente não muito nas cabeças das mulheres árabes, elas querem seu lugar como mulher, a sua devida valorização e reavaliar seus costumes. Um exemplo do filme é sobre o véu. O uso do véu era para identificar as mulheres das escravas, estas não o usavam; em uma cena a velha Fuzil contesta seu filho, dizendo que não existem mais escravas, então porque usar o véu?

Abordando de forma interessante os costumes enraizados numa comunidade islâmica radical, como o machismo exacerbado, e o quanto as tradições podem ser reavaliadas e alteradas, o longa nos aproxima de uma das culturas mais distantes e diferentes da nossa, contada feito uma fábula contemporânea nos desperta curiosidade, e nos faz refletir por uma ótica diferente o islã. É sempre prazeroso observar novas culturas e tradições sob um novo aspecto.
"A Fonte das Mulheres" é do diretor Radu Mihaileanu e foi coproduzido pela França, Bélgica e Itália.

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