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sexta-feira, 24 de abril de 2020

Vivarium / Devorar (Swallow)

Segue a resenha de dois filmes bizarros e muito interessantes que não poderiam estar de fora do catálogo aqui do blog, continuarei fazendo postagens conjuntas, pois assim se torna mais fácil administrar meus pensamentos e continuar na ativa. Confira:

"Vivarium" (2019) dirigido por Lorcan Finnegan (Sem Nome - 2016) é um filme que aborda de maneira peculiar a vida doméstica, os papéis e estereótipos que cada um carrega dentro desse modelo, as responsabilidades da maternidade, os compromissos da paternidade e o truque do tempo que absorve o cotidiano e faz envelhecer. É uma proposta criativa que prende o espectador junto da armadilha montada. 
Aviso: Poderá conter spoilers!
Quando o casal de noivos Tom (Jesse Eisenberg) e Gemma (Imogen Poots), à procura da casa perfeita para começar a vida juntos, conhecem um estranho corretor imobiliário, eles não pensam duas vezes quando são apresentados à Yonder, uma misteriosa vizinhança suburbana de casas idênticas. No entanto, logo eles vão perceber que estão presos em um pesadelo - tendo que criar uma criança de outro mundo.
Acompanhamos o jovem casal Tom e Gemma que pretendem iniciar uma vida juntos, numa visita a um empreendimento chamado Yonder são surpreendidos por Martin, um vendedor robótico e de sorriso contínuo, animados com a proposta vão até esse conjunto habitacional e se deparam com uma imensidão de casas iguais, inicialmente parece um sonho, mas aos poucos percebem não ser bem o que querem, mas Martin sumiu e ao tentarem sair não conseguem, sempre voltam para o mesmo lugar, cansados decidem ficar, mas por fim terminam num loop infinito, ainda mais quando do nada aparece uma caixa com um bebê dentro indicando que precisam criá-lo, daí a repetição se dá e rapidamente o vemos crescido com comportamentos bizarros, como imitar os trejeitos de Gemma e Tom, ele grita ininterruptamente quando quer ser alimentado, um show de horrores que perturbam o casal e os desestruturam psicologicamente. Tom entra numa espiral de que precisa cavar um buraco no quintal para que quem sabe ache uma saída, e Gemma aterrorizada com a criança sempre diz que não é a mãe dele, mas acaba o protegendo em muitos momentos, esse local perfeito é irritantemente falso, desde a grama ao céu com suas nuvens redondinhas, claro que percebemos que estão presos sendo cobaias, talvez de alienígenas que estão estudando e reproduzindo comportamentos, interessante que na superfície tudo parece ser idêntico, mas as emoções são mimetizadas, a história abarca questões sobre o conceito familiar, a estrutura frágil e rotineira, os papéis desempenhados para dar algum sentido, os filhos preenchendo o espaço e tomando toda a energia para no fim envelhecidos e sozinhos morrerem. É um filme estranho que gera agonia pela sua repetição, mas que faz pensar nos padrões estabelecidos, e que por mais que se quebre muitos deles ainda assim sem perceber copia-se e repete-se a grande maioria.

"Devorar" (2019) dirigido por Carlo Mirabella-Davis é uma obra repleta de camadas, um filme aparentemente bizarro, mas que disserta sobre questões femininas, do como a mulher é ainda vista, sobre seu suposto papel dentro da família e suas supostas obrigações, surpreendente o como a história te leva para meandros psicológicos angustiantes e reflexivos. 
Hunter (Haley Bennett) é uma dona de casa que engravidou recentemente e se vê cada vez mais viciada em se alimentar de objetos perigosos. Enquanto o marido e a família reforçam o controle sobre sua vida, Hunter deve enfrentar o segredo sombrio por trás de sua nova obsessão.
Acompanhamos Hunter e sua vida aparentemente perfeita, casada com o rico Richie (Austin Stowell), também convive com os sogros (David Rasche), (Elizabeth Marvel), a imensa casa é cuidada por ela e segue seus dias solitária e invisível, Hunter não possui voz própria nesse meio que está inserida, seus desejos são tolhidos, a expectativa da família é que ela engravide. Hunter é uma mulher infeliz e que por traumas passados conduz sua existência de maneira submissa, aos olhos do marido quer ser prefeita, foi ensinada a agradar, mas chega em um determinado momento que ela adquire uma compulsão em engolir objetos, como agulhas, bolinhas de gude, tachinhas e pilhas, ela gosta de sentir as texturas em sua boca e não o ato em si, como diz para a psicóloga contratada pela família após descobrirem no ultrassom que tinha outras coisas além do bebê em sua barriga. A gravidez indesejada só amplia suas angústias, aumenta a vontade de engolir os objetos e quando expelidos os guarda como um troféu, além disso traumas passados vêm à tona, despertam nela sentimentos perturbadores, ela pensa no como veio ao mundo, na complexidade de sua existência e sua inadequação naquela família que a tem apenas como uma boneca pronta para agradar-lhes.
Melancólico e sensível retrata a opressão que a mulher sofre para realizar as expectativas dos outros, a falta de controle sobre si mesma desencadeou sua compulsão, que não só faz paralelo com a gravidez, mas o ato de engolir e expelir e de guardar o objeto como um troféu seria um tipo de controle secreto, um desejo seu satisfeito, algo só dela. O filme amplia essas questões quando o trauma é inserido no contexto e percebemos que para ela sair dessa prisão é preciso muito mais do que foi retratado, mas com certeza um começo, resolver as pendências e se olhar com mais carinho, deixar o meio que a oprime e seguir livre. Além da originalidade da obra, sua estética e trilha sonora são incríveis e só agregam para gerar o terror vivido pela protagonista. Um ótimo filme que abrange questões femininas com autenticidade e une a tristeza e a beleza em pequenas e intensas dosagens.

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