Segue a resenha de três filmes numa única postagem por eles terem características bem parecidas e também porque particularmente foram muito especiais e merecem um lugar no blog. Ultimamente por tantas coisas acontecendo me falta ânimo para atualizar esse espaço, mas espero que aquela vontade e empenho que tinha volte. Confira:
"Perdrix" (2019) dirigido por Erwan Le Duc é uma comédia dramática francesa peculiar que flerta com absurdos, mas que também consegue despertar emoções vívidas e graciosas, tem aquele elemento especial que nos faz ficar de coração preenchido e sorrir.
Desde que a enigmática Juliette Webb (Maud Wyler) entrou em sua vida, Pierre Perdrix (Swann Arlaud) não tem sido mais o mesmo. Atingindo a sua rotina e modificando os seus dias como um meteorito emocional, a presença da moça fez com que, indiretamente, toda a família Perdrix repensasse suas vidas.
Acompanhamos a pacata e disciplinada rotina do policial Pierre na cidadezinha na belíssima região montanhosa dos Vosges, ele mora com sua mãe (Fanny Ardant), que possui um programa de rádio que fala sobre amor, seu irmão (Nicolas Maury), que ensina a importância das minhocas a um grupo de crianças, e sua sobrinha (Patience Munchenbach), isolada e sempre desejando ir embora do local, essa família um tanto estranha é repleta de coisas não resolvidas e preferem não expô-las e continuar vivendo sob um véu de ilusão confortável, Pierre literalmente cuida de todos e segue a risca sua rotina, até que Juliette aparece quando seu carro é roubado por nudistas anarquistas que vivem em meio a floresta, impaciente com os protocolos decide agir e gruda em Pierre desnorteando toda a sua maneira de pensar. Essa mulher peculiar não pensa para falar e ao se inserir na vida da família de Pierre balança a frágil estrutura, mas ela também tem seus medos e vemos isso através da angústia em perder suas lembranças, que estão todas anotadas em cadernos, dos quais se encontram no carro roubado, são dois opostos, enquanto um não quer experimentar e viver, como diz: "O cotidiano é a única coisa que não decepciona", já ela por sua vez, prova a si mesma que viveu anotando tudo como se assim tivesse a certeza de que não perderia nada da vida. O relacionamento cresce de uma forma orgânica e muito poética, lentamente os dois terminam se complementando.
"Perdrix" é um longa aconchegante e interessante, além de seus cenários naturais serem um encanto, e também os atores que elevam o nível de peculiaridade, Swann Arlaud e Maud Wyler garantem momentos curiosos e bonitos.
"Aurora" (2019) dirigido por Miia Tervo é um drama finlandês sensível, bonito e que possui passagens memoráveis e uma protagonista que brilha aos nossos olhos, nos encantamos por Aurora e torcemos para que ela supere os problemas, a empatia e identificação é inevitável.
Sempre com medo de se comprometer seriamente a qualquer pessoa, Aurora (Mimosa Willamo) é fanática por festas, mas percebe que essa prática está desgastando-a com o tempo. Depois de esbarrar com um rapaz que tem fobia da morte, ela percebe que eles dois podem aprender a superar seus traumas juntos de maneiras diferentes.
Aurora segue sua vida de maneira incerta, trabalha como manicure e vive em festas, tem sérios problemas com álcool e tudo se agrava quando é despejada e seu pai alcoólatra é internado, ela sonha em se mudar da Finlândia, mas a falta de dinheiro e oportunidade a afasta desse sonho, tentando se virar arranja um emprego cuidando de uma senhora bem engraçada e de mente aberta, desse modo vamos juntos de Aurora que se afunda cada vez mais e não enxergando de fato seu problema com a bebida, seu escape é um grande monstro a engoli-la. Nesse entremeio há o personagem Darian (Amir Escandari) e sua filha de nove anos que sonham em poder morar legalmente no país, eles moram numa casa que acolhe temporariamente imigrantes, numa noite Darian conhece Aurora numa lanchonete, ela lhe paga o restante que faltava para o lanche e numa conversa aleatória a pede em casamento para obter o visto, mas obviamente recusa, só que mais tarde ela oferece uma outra ideia, que por três mil euros arranjaria uma esposa finlandesa. A vemos muito perambular pelas ruas, no frio congelante, bebendo e cambaleando de salto alto na neve, dando festa na casa da senhora que cuida, se expondo a situações perigosas e travando meios que talvez a tirem desse buraco, Darian surge como um alívio em sua vida, mas é lentamente que essa relação toma forma e Aurora se dá conta da paixão, é realmente muito orgânico e sensível. O filme mesmo carregando momentos pesados tem uma leveza especial, terna e empática, não é difícil se identificar em muitas partes e torcer pela personagem, aliás uma composição linda e potente de Mimosa Willamo, uma tour de force que destrói o psicológico, mas também possui tons de humor que são um tanto curiosos, talvez pela expressão cultural do país.
"Aurora" é um filme apaixonante, carregado de questões interessantes, como os estereótipos que se cria em cima de imigrantes, o alcoolismo e o processo do entendimento desse problema, a sensação de inquietação pela falta de oportunidades, perdas e a solidão.
"Microhabitat" (2017) dirigido por Jeon Go-Woon é um filme sul-coreano simples, mas imenso, retrata pequenas grandes paixões que nos movem, no cotidiano chato e cada vez mais competitivo encontrar alívio nessas coisas que amamos, sem dúvidas, é o que dá sentido à vida. São coisas particulares a cada um e que podem parecer errado e desprezível a muitos. A protagonista é gigante em cena, aliás o filme propõe o exercício da quebra de julgamentos, até porque todos temos nossos pequenos vícios, esses que somente a nós cabe decidir se nos faz bem. Mais uma vez uma personagem de fácil identificação e que amplia nossos horizontes de pensamentos. Melancólico e extremamente sensível acompanhamos a rotina de Mi-So (Esom), que trabalhou como doméstica nos últimos 3 anos e ganhou 45 mil won (US$ 40) por dia. Mi-So adora beber Whisky e fumar cigarros. Seu namorado é Han-Sol (Ahn Jae-Hong) e ele quer se tornar um escritor de webtoons. Mesmo que Mi-So seja pobre, ela está feliz enquanto tem Whisky, cigarros e seu namorado. Infelizmente, os preços dos cigarros aumentam no primeiro dia do novo ano. Mi-So tem que dar algo e ela decide desistir de seu apartamento. Então, inicia-se uma peregrinação, ela contata antigos amigos, dos quais formavam uma banda, ela dorme um tempo na casa de cada um, mas aos poucos percebe que é um incômodo e que todos mudaram sua personalidade, aderiram ao sistema e estão infelizes, a cada porta que bate tem uma surpresa e é tratada de variadas formas, desde desprezo, julgamentos e falsa simpatia. Mi-So dispõe ainda de uns trocados e tenta arranjar uma casa bem longe da cidade, mas o preço exorbitante a desanima e mesmo os piores lugares, como cubículos sujos são caros, desse modo decide gastar com o que faz sentido para si, mas com o aumento do cigarro e Whisky e a partida do seu namorado em busca de uma melhoria financeira se entristece e se torna ainda mais marginalizada, vemos que ela seguiu pelo caminho que lhe falava o coração e foi fiel a sua personalidade, não se vendeu e modificou para agradar e se inserir num processo que capitaliza absolutamente tudo. É muito fácil julgar o caminho dos outros, especialmente àquele que se torna à margem de tudo, mas se faz sentido para si é o que importa, afinal o que resta a cada um é esses pequenos prazeres, como no caso de Mi-So, cigarro e Whisky.
"Microhabitat" é uma obra singela que mostra uma personagem que não tem vergonha de seus vícios e de suas escolhas, que segue ignorando o julgamento alheio até porque entende que a pessoa que julga decepou inúmeras particularidades para se tornar algo que quase sempre não escolheu. É o retrato da desigualdade e o impacto da cultura do consumo, da naturalização do ter e não do ser. Filme simples, mas que carrega em si um gigantesco significado. Lindo!
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