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quinta-feira, 30 de abril de 2020

Ares / Nada Ortodoxa (Unorthodox)

Segue a resenha de duas séries disponíveis no catálogo da Netflix que fazem a diferença entre a infindável lista de títulos. Confira:

"Ares" (2020) é uma série holandesa dirigida por Giancarlo Sanchez e Michiel ten Horn, com apenas oito episódios à primeira vista causa uma certa dúvida sobre seu tema que é focado em uma sociedade secreta composta pela grande elite do país, o seu desenrolar acaba enganando, mas aos poucos vai soltando pistas para então seu elaborado e inteligente desfecho. Misteriosa, sombria e fria fica a dica para os que estão interessados, se enveredem pela história sem saber muito, vale muito a pena imergir nas obscuridades e se surpreender ao final. 
Aviso: Poderá conter spoilers!
Uma sociedade estudantil secreta no coração de Amsterdã, onde os melhores amigos Rosa e Jacob se rendem a um mundo de riqueza e poder. Contudo, lentamente eles começam a perceber que entraram em um lugar demoníaco, construído sobre segredos do passado da Holanda. Um lugar onde o verdadeiro poder chega a um preço terrível.
Acompanhamos a protagonista Rosa (Jade Olieberg), uma estudante de medicina de origem humilde, mas que possui bastante ambição, ela encontra meios para subir quando se depara com Ares, uma sociedade secreta, através de seu melhor amigo Jacob (Tobias Kersloot), mesmo ele querendo afastá-la desse meio Rosa se interessa e adentra esse universo. Em sua casa possui a responsabilidade de cuidar da mãe mentalmente instável e seu pai se desdobra trabalhando como enfermeiro, na universidade se destaca e nas aulas sabe até mais que os professores, cansada da sua vida não pensa duas vezes quando é convidada a ir para Ares. Os membros são bizarros e sempre estão escondendo algo, todos são descendentes de famílias influentes da Holanda e lá dão seguimento à linhagem com seus ritos e regras, observamos a iniciação de Rosa envolvendo marcação na pele, submissão aos líderes e diversas privações, incluindo o mundo externo. A narrativa pode parecer confusa e extremamente lenta, mas compensa acompanhar todos os mistérios e cada camada proposta pela série, a partir de um ponto Rosa começa a vomitar um líquido preto, algo parecido com petróleo, os membros ficam chocados com a rapidez da ascensão de Rosa na sociedade, o vômito é um signo importante, descobrimos então que ele significa a culpa, enquanto isso Jacob adentra os meandros do local e cada vez mais descobre a origem dessa sociedade e a sua própria, sua confusão mental aumenta quando ao tocar uma parede é consumido e seus dedos ganham o mesmo aspecto do líquido e do qual lhe dá um poder, além de que neste espaço há um poço que vive uma criatura denominada Beal que se alimenta dessa substância. As perguntas não cessam em nossa mente e é só no final que entendemos que a série toca num assunto muito sério, o imperialismo holandês, as grandes conquistas através da exploração e escravidão dos negros, Rosa percebe que precisa se entregar e se tornar o próprio Beal, para assim acabar com Ares e fazer justiça. Realmente ela propõe reflexões contundentes do como a Holanda, um país tão pequeno se tornou tão rico rápido, do como o poder se perpetuou por causa da escravidão e do sangue negro derramado, Rosa é o símbolo da mudança e da verdade.

"Nada Ortodoxa" (2020) é uma minissérie alemã de quatro episódios dirigida por Maria Schrader e traz uma impressionante e libertadora história, reflete sobre o ultraconservadorismo da religião judaica, mas demonstra respeito às heranças culturais permeando com boas doses de conhecimento. 
Na intenção de escapar do casamento arranjado por seus pais em Nova York, Esther Shapiro (Shira Haas), uma jovem judia de 19 anos, resolve fugir para Berlim e começar uma nova vida. No novo país, ela passa a explorar a própria identidade e sexualidade para além dos valores religiosos com os quais cresceu. A história é inspirada no best-seller "Unorthodox: The Scandalous Rejection of My Hasidic Roots", de Deborah Feldman, sobre a fuga de uma jovem judia de uma seita religiosa.
A protagonista é um alento para nosso coração, inserida em um meio completamente fechado cada vez mais sente necessidade de explorar o mundo e a si mesma, esse desejo aumenta quando depois do casamento arranjado a pressão constante para que engravide a torture dia após dia. Diante de um cenário castrador, como deixar suas aulas de piano, decide pegar os documentos que sua mãe lhe deu para a cidadania alemã e com a ajuda da professora de piano consegue fugir sozinha e sem nada em mãos - só para elucidar que sua mãe foi rejeitada pela comunidade e mora em Berlim com a esposa. Longe do meio em que vive Esther se deslumbra ao mesmo tempo que sente receio por seu futuro, logo de cara consegue fazer amizades e se encaixar num grupo de músicos de orquestra, ela ama música e mais adiante até consegue fazer uma audição no conservatório, sua vida começa a tomar seu próprio destino mesmo entre tantas dificuldades, sente que a liberdade de ser é prazerosa e que não precisa sentir culpa por isso. Os amigos lhe ajudam nesse processo, alguns mais do que outros, e daí surge a mudança que começa externamente na retirada da peruca para então se tornar mais confiante e decidida. O que torna seu rito de transformação ainda mais desafiador é por estar num local cheio de histórias traumáticas para sua comunidade de descendentes de judeus sobreviventes ao Holocausto, aliás a série aborda seriamente a respeito da religião e suas regras, principalmente sobre o pensamento de que eles precisam se manter unidos e passarem de geração em geração a dor de sua história para que isso nunca se perca. É um choque para Esther, mas ela é uma alma livre e que necessita conhecer-se, viver para entender-se. É realmente muito sensível sua trajetória e traz à tona costumes e tradições culturais que são representados com cuidado e também revela o outro lado, o do poder de escolha, da ponderação, da empatia e da liberdade. Apaixonante!

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