"A Glória e a Graça" (2017) dirigido por Flávio R. Tambellini (Malu de Bicicleta - 2011) é um bom filme que lança uma luz sobre a questão da maternidade, o que ou quem qualifica uma pessoa para ser mãe? A desconstrução pode ser rasa, mas mesmo assim ainda é importante, o fato é que esse filme demorou cerca de dez anos para sair do papel e a atriz Carolina Ferraz assumiu a produção, apaixonada pela personagem Glória a construiu com honestidade e potência, a escolha de uma atriz cis para dar vida a uma travesti é polêmica e com certeza deixou de dar visibilidade a uma atriz trans, contudo mesmo com todos os enroscos que a produção sofreu merece ser visto e também serve como um pontapé para a evolução dos próximos trabalhos envolvendo o tema
Graça (Sandra Corveloni), é uma mulher solteira, mãe de dois filhos. Ao descobrir um aneurisma cerebral impossível de ser operado, ela resolve ir atrás de seu irmão Luiz Carlos (Carolina Ferraz), que, por conta de uma briga, não vê há 15 anos. Quando se encontram, Graça é surpreendida ao se deparar com Glória - uma travesti que deixou de ser Luiz Carlos e vive há muito tempo uma vida completamente diferente, como dona de um restaurante em Santa Teresa. Sensibilizada pelas circunstâncias, Glória aceita se aproximar da família aos poucos. Ela conhece seus sobrinhos, retoma a amizade com Graça e percebe que talvez, para se sentir verdadeiramente completa, precise ser mãe.
Primeiro é preciso dizer que apesar de o papel não ter sido destinado a uma atriz genuinamente travesti não impediu que o longa tivesse um protagonismo marcante, Carolina Ferraz imprimiu força e sinceridade à Glória e certamente se esforçou ao máximo para não se transformar em uma caricatura, aliás seu desempenho é uma das coisas mais legais do filme. Tudo começa quando Graça descobre um aneurisma que pode levá-la a qualquer momento, sozinha e mãe de dois filhos ela precisa reencontrar o irmão que não vê há mais de dez anos e pedir ajuda, pois é seu único elo familiar. Graça é massoterapeuta e possui uma vibe boa, não cria problemas quando vê seu irmão Carlos como Glória, talvez por desesperadamente necessitar de ajuda ou simplesmente por não se importar, até porque mais tarde percebemos que na família todos já sabiam, o que foi fator decisivo para Glória se mandar de casa e sozinha lutar por suas coisas, ela viajou por diversos países, se formou na universidade, é culta e se tornou dona de um restaurante chique, o reencontro é difícil, pois retrata que só quando se precisa de ajuda é que o familiar distante aparece, Glória tem a vida que sempre quis, não tem responsabilidades maiores e tem tudo sob controle, a volta da irmã mexe com ela de alguma forma, mas de início não quer se envolver. Graça fica perturbada por não saber como lidar com os filhos e seguir com a vida depois da descoberta do aneurisma, ela tem instantes de raiva, instantes de tristeza.
Com o passar dos dias Glória repensa e vai atrás de Graça e aos poucos se reconectam, elas relembram o passado, ela conhece os sobrinhos, uma adolescente que sofre bullying na escola e o garoto que vive no reino da imaginação, vai tomando conta da situação e deixando Graça feliz, claro que nem tudo são flores e muitas histórias do passado vêm à tona, Glória descobre outras e troca de farpas acontecem, um acerto de contas final. A questão da aceitação de Glória não é tão explorada, retrata seu cotidiano muito por cima e seu passado é só conversas aleatórias, a história faz questão de colocá-la numa posição de já ter conquistado as coisas, seus diálogos é que nos demonstra o quanto foi penoso, enfrentar preconceitos, e principalmente, lidar com a solidão. A dificuldade em criar laços e ter carinho parece o maior obstáculo para Glória.
"A Glória e a Graça" não possui profundidade e há uma inconstância no roteiro, mas possui momentos muito ternos e naturais, o plot é o drama familiar, a reconexão de duas irmãs, a empatia pelo outro, o tão necessário afeto, desconstrói o conceito família e introduz algumas das questões que envolvem a vida de uma travesti, como por exemplo, sempre associá-las à prostituição, há cenas dotadas de emoção, os planos são quase na totalidade fechados, no interior da casa de Graça e a bela fotografia com bastante cores ajuda a compôr um cenário por vezes até lúdico, e quase para o final há uma cena dentro desse contexto com todos fantasiados, onde Glória representa uma sereia, um simbolismo maravilhoso que ao longo é disposto na história. É um filme leve, terno e que possui a sua maior força na gloriosa atuação de Carolina Ferraz.
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