"Mãe!" (2017) escrito e dirigido por Darren Aronofsky (Cisne Negro - 2010) não é um simples suspense ou terror psicológico, é um filme complexo de muitas camadas que passeia por diversas metáforas e alegorias. Um obra grandiosa que disserta sobre religião, natureza, feminismo e tantos outros temas que se desnovelam ao decorrer e que cada espectador sentirá, absorverá e interpretará de uma forma, as questões são amplas e isso é algo maravilhoso, o poder de reflexão é imenso.
Um casal vive recolhido no meio de um campo em um imenso casarão de estilo vitoriano. Enquanto a jovem esposa (Jennifer Lawrence) passa os dias restaurando o lugar, afetado por um incêndio no passado, o marido mais velho (Javier Bardem) tenta desesperadamente recuperar a inspiração para voltar a escrever os poemas que o tornaram famoso. Os dias pacíficos se transformam com a chegada de uma série de visitantes que se impõem à rotina do casal e escondem suas verdadeiras intenções.
O início começa com uma narrativa comum com uma esposa dedicada e submissa e um marido egocêntrico que vive um bloqueio criativo, enquanto ela conserta e se doa para manter a casa aconchegante, o marido só pensa em si. Essa rotina é quebrada quando um estranho visitante (Ed Harris) aparece e é acolhido sem nem ao menos a dona da casa ser consultada, a visita não é agradável e o desconforto dela aumenta quando bate a porta uma mulher (Michelle Pfeiffer), justamente a esposa deste que está em sua casa, e para sua surpresa ela é mais invasiva ainda. Ela não os deseja ali, mas os dois são colocados para dentro de sua casa e as situações vão se tornando cada vez mais constrangedoras e insustentáveis. A força da personagem de Lawrence é sugada pouco a pouco e isso nos atinge de maneira desconfortável, ela vai perdendo sua dignidade toda vez que é ignorada, que não é ouvida. Toda a perspectiva da história é passada através de sua personagem, sob o seu ponto de vista e por isso a câmera não desgruda dela, são enquadramentos claustrofóbicos e sequências angustiantes em que ela experimenta sensações e visões, essas que só são compreensíveis e encaixadas em seus momentos finais.
O filme te captura inicialmente por uma narrativa aparentemente simples, mas a medida que avança o suspense com a invasão domiciliar o terror vai tomando conta, perturbando o espectador com cenas surreais, mas que vão se encaixando em metáforas e muitas possibilidades de interpretação. A segunda metade do filme é o caos total, a casa se torna um antro, os efeitos sonoros eclodem criando uma atmosfera enlouquecedora, a alegoria religiosa está bem delineada, a fé, a idolatria dos símbolos cristãos, a guerra, a destruição e o ciclo. O personagem de Javier Bardem representa Deus, vaidoso e egoísta, que necessita criar sua obra para ser amado e idolatrado, daí então conceber a vida, para isso necessita da Mãe, Jennifer Lawrence é a Casa, a Mãe Natureza. Ela cuida, se doa, se sacrifica.
São várias as referências bíblicas do Gênesis ao Apocalipse, como "A Criação de Adão e Eva", "Expulsão do Paraíso", "Caim e Abel", "O Grande Dilúvio", "A Queda de Lúcifer", "A Crucificação de Jesus Cristo", "O Apocalipse", "A Nova Terra", mas o filme não se resume a esta representação e revela temas como opressão feminina, culto aos ídolos, narcisismo, natureza, feminilidade, moralismo; a relação entre o abuso do patriarcado à mulher ao tratamento que os humanos destinam à natureza.
Apesar de triste e até niilista há uma ponta de esperança, pois o novo nasce do caos e da mais profunda escuridão, surge a luz!. "Mãe!" é sádico e causa desconforto, são inúmeras metáforas visuais e a cada cena somos inseridos nesse universo amplo e onírico, é um filme que exige atenção e pede revisões, uma experiência cinematográfica intrigante, desesperadora e grandiosa.
Mãe! Uma discutida, polêmica e inesperada odisséia
ResponderExcluirVocê não precisa sentir-se pressionado a querer entender o filme como um todo, eu por exemplo só consegui uma compreensão maior no pós sessão discutindo na mesa redonda que fizemos na lanchonete consegui expor alguns pontos e ela os completou chegando a algumas conclusões superinteressantes.
Eu não sou um leitor assíduo mas Aronofsky bebeu muito da ácida fonte biblíca narrada por José Saramago, quem leu Caim e O Evangelho Segundo Jesus Cristo ficará chocadamente feliz como o filme é dirigido, mesmo até sem querer, o filme consegue traduzir tudo o que imaginei destas duas obras se um dia fossem adaptados como filme.
Os planos de filmagem incomodam de uma forma positiva, fogem do convencional com uma câmera móvel acompanhando por toda a casa Jennifer Lawrence sempre em movimento sem proecupar-se com enquadramento, uma desconstrução técnica de filmagem que neste caso funcionou bem com o clima claustrofóbico de uma casa com dois andares sendo reformada em meio a ausência e o silêncio que a dupla demonstra no começo do filme.
Eu sou muito fã do Javier Bardem mas aqui fico de joelhos ao que Jennifer Lawrence conseguiu finalmente entregar, algo digno de tanto clamour que ela desfrutava de seus fãs e não via nada demais. Esteve sob vários aspectos, situações de calmaria, de amor até a ápices de stress absoluto como por exemplo parir uma criança em meio ao caos, e conseguiu em todos estes planos chegar no limite de uma excelente atuação, se o Oscar não for para ela, será uma tamanha injustiça. O espanhol Bardem mostrou também porque é um baita ator, pelo que seu personagem representava ele manteve-se alienado e a todo momento indiferente e iludido com as situações, incrível a sensação de indiferença que ele mantinha, era desconfortante, mas positivamente, e a obra toda é assim um incomodo bom CARALHO! Além do arco principal, dois coadjuvantes de peso, Ed Harris e Michelle Pfeifer destroem durante todo o filme, em alguns momentos irreconhecíveis… CARALHO, CARALHO e CARALHO!!! Não sei alguém aí leva estatueta, mas são sérios candidatos.
Mais detalhes eu deixei no meu brogue: https://rezenhando.wordpress.com/2017/10/23/mae-uma-discutida-polemica-e-inesperada-odisseia/