"A Morte de Luís XIV" (2016) dirigido por Albert Serra (O Canto dos Pássaros - 2008) é um filme austero, uma experiência cinematográfica que causa agonia, acompanhamos o findar-se de um nobre e sua impotência diante do inevitável.
Baseado nos escritos do filósofo e economista francês Saint-Simon, observamos o lento fim de um soberano. Agosto de 1715. Após sair para uma caminhada, Louis XIV (Jean-Pierre Léaud) sente uma dor na perna. Nos dias posteriores, o rei mantém seus deveres e obrigações, mas tem o sono turbulento e sofre com uma séria febre. Ele mal come e enfraquece cada vez mais. É o começo da lenta agonia do maior rei da França, cercado por seus parentes e médicos.
O reinado de Luís XIV, considerado o maior Rei da França e autoproclamando como "Rei Sol" teve um dos reinados mais longos na história europeia, entre 1643 e 1715. Foi um dos líderes da crescente centralização de poder na era do absolutismo europeu. Luís XIV escolheu como emblema o sol, pois assim como o astro era considerado forte, belo, brilhante e de poderes ilimitados. Luís XIV gostava de ser contemplado, seus afazeres e intimidades eram públicas, seus súditos assistiam ele acordar, comer, etc. Essa figura tão poderosa e esplendorosa é apagada aos poucos pela narrativa de Albert Serra, um diretor peculiar que sempre trata de assuntos incômodos de um jeito incômodo. Com ritmo lento enaltecendo o tempo e os detalhes é um filme completamente imersivo e que provoca reflexões importantes. A riqueza dos pormenores, a sutileza das ações nos faz realmente viajar no tempo e observar com total crueza o fim do Rei Sol, a câmera capta a fragilidade com excelência, Jean-Pierre Léaud - ícone da nouvelle vague - entrega um personagem denso, contido, meditativo, uma figura altiva contrapondo-se com a vulnerabilidade e amargura. O interessante e o que nos deixa inquietos é a sua falta de expressão, a única coisa que temos certeza é a sua prepotência, mas o que realmente está sendo dito por aquele olhar?
A sensação claustrofóbica é outro ponto do filme, tudo se passa num único espaço, o quarto, a agonia só cresce, estamos de fato velando-o, cada vez mais a doença do rei se agrava e médico nenhum é capaz de identificá-la e tratá-la, é chamado os melhores da época e recorrem até para métodos alternativos, como elixires, também é colocado como solução amputar, mas logo é descartada pelo rei, a angústia em não conseguir curar o rei atormenta os médicos. O que fica é a frase final: "Senhores, faremos melhor da próxima vez". Há cenas intensas e parece até que se sente o cheiro putrefato, um primor, seja na condução da narrativa, na composição visual, os figurinos, objetos, detalhes que enchem os olhos, como na sua belíssima fotografia, onde se trabalha os efeitos de luz e sombra através da iluminação natural de velas, isso tudo dá uma atmosfera sufocante que incomoda e fascina.
A melancolia que o filme traz também é a de associar o definhamento do Rei ao envelhecimento de Léaud, o eterno Antoine Doinel de "Os Incompreendidos", somos colocados de frente à realidade do tempo e de que a morte é sempre solitária e dolorosa, pesa pensar nela e, principalmente, quando se está próximo o sentimento de "entrega" causa desespero, amargura, e a solidão se torna pungente, o fato é que independente de ser nobre ou não ninguém possui o poder de driblá-la, o filme reflete sobre velhice e finitude, mas, sobretudo, capta os sentimentos e sensações de Luís XIV, um ícone, símbolo de poder absoluto nos momentos que antecedem seu derradeiro fim.
"A Morte de Luís XIV" é um filme interessante, desconfortável e maravilhoso, porém muito particular, mas certamente marcante.
Dos filmes que você comentou este mês, eu assisti apenas "Paterson".
ResponderExcluirEste de hoje é mais que eu não conhecia.
Abraço