"Sereia" (2007) dirigido pela russa Anna Melikyan (Star - 2014) mescla fantasia à dura realidade vivida pela protagonista com sensibilidade, ternura e naturalidade.
Era uma vez, uma garota chamada Alisa (Mariya Shalayeva), que morava numa cidade litorânea, cantava no coral, sonhava em ser bailarina e tinha um dom: transformar desejos em realidade. Aos seis anos, ela parou subitamente de falar e passou a frequentar uma escola especial. Aos 17 anos, se mudou para Moscou e o destino a levou a conhecer um homem com um profundo desejo de ser salvo e protegido. Alisa decidiu ajudá-lo, sem saber que sua vida mudaria para sempre.
Acompanhamos a vida desta menina desde sua concepção, vinda de uma família disfuncional, Alisa quando criança sonhava em ser bailarina e estava sempre à espera do pai, a ausência da figura paterna e mais a sua solidão nesta cidadezinha litorânea a tornou em uma garota sonhadora e que acreditava possuir poderes. Dada as circunstâncias em sua casa Alisa decide parar de falar e acreditava-se que isso tinha a ver com um eclipse, mas é óbvio que essa decisão foi porquê ela percebeu que sua mãe se irritava quando falava, principalmente sobre o retorno de seu pai, todas essas peculiaridades acabaram dificultando a sua vida e a mãe a colocou numa escola especial, onde passou toda a adolescência. Aos 18 anos Alisa parte para Moscou, tenta a faculdade, mas é incrível como atraí as coisas para ela e sempre de formas estranhas, seguindo em frente começa a trabalhar andando pelas ruas fantasiada de celular gigante e logo depois como faxineira na casa de um rico empresário que vende terrenos na lua, engraçado como nada parece absurdo para ela e segue sorrindo apesar de que não haja indícios de melhoras. Falta malícia, Alisa é de outro universo, tanto que sua aparência denota isso, aliás, ela sente-se ainda mais confortável consigo mesma quando pinta seus cabelos de verde inspirada pelo visual de Milla Jovovich no filme "O Quinto Elemento".
Alisa segue sonhando em se tornar bailarina e acredita que seu grande amor é Sacha (Yevgeni Tsyganov), o cara que tem uma vida luxuosa vendendo terrenos na lua e que sente um vazio gigantesco dentro de si, Alisa o protege, lhe dá afeto, se doa, mas em nenhum momento é retribuída. O amor platônico é alimentado pelo sentimento de tristeza que acomete Sacha, ele convive com ela, desabafa e também é salvo diversas vezes por Alisa, mas ele não se interessa e nem sabe de onde e como ela apareceu em sua casa, são momentos curiosos que demonstram mais a frente que quase nunca a nossa doação é garantia da realização de nossos desejos.
É uma linda fábula moderna que retrata a sociedade russa contemporânea que como qualquer outra metrópole carrega uma forte carga de solidão e caos, pessoas tentando sobreviver e também serem enxergadas, tem um momento muito delicado em que ela fala para Sacha que não é ninguém, mas em nenhum instante perde o lado pueril de sua personalidade, Alisa vai adentrando na vida de alguns personagens e sem eles perceberem são tocados, outro exemplo de troca é a amizade que faz com uma moça que não tem as pernas, são belas passagens que mostram o modo como cada um lida com sua solidão. O mundo está repleto de Alisas, pessoas que não se encaixam e veem tudo de forma diferente.
"Sereia" é um filme de camadas, existem vários assuntos abordados, fascina por seu visual excêntrico todo colorido e também pela analogia feita de maneira super livre do conto "A Pequena Sereia", a ligação com o mar, a forma que essa imagem de sereia é construída em torno dela é muito interessante, desde a sua concepção dentro do mar à conexão com ele na infância e o forte poder de atração que acredita possuir. A realidade e a fantasia se entrelaçam lindamente, é um conto de uma menina comum e deslocada que criou um mundo a partir de sua pureza e solidão. Mergulhamos fundo na vida de Alisa e depois dessa experiência emergimos sentindo e refletindo um bocado de coisas diferentes.
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