"Todas as pessoas morrerão sozinhas, infelizes como um cão sarnento. A vida é amargura, para quê tanto tormento para virar poeira ao vento e terminar na cova escura."
"Sinfonia da Necrópole" (2014) dirigido por Juliana Rojas (Trabalhar Cansa - 2011) traz uma proposta ousada e inovadora dentro da cinematografia brasileira, é um musical/romance com uma abordagem cômica e ainda assim crítica e reflexiva sobre a urbanização de um cemitério, além disso a trama conversa um pouco com o terror e a fantasia, mas toda a aura envolvendo o cemitério é natural e comum, não há aquela impressão de um local obscuro e que gera sentimentos ruins, vamos nos familiarizando com os personagens e entendendo a dinâmica que está acontecendo, mas também não deixa de dissertar sobre a finitude da vida.
O jovem aprendiz de coveiro Deodato (Eduardo Gomes) está com seu emprego em risco. Os outros coveiros duvidam de sua capacidade para o trabalho. Seu tio Jaca (Paulo Jordão) tenta sensibilizá-lo para a função, mas é inútil: o trabalho aflige a Deodato, que tem aspirações artísticas. Prefere tocar o órgão da igreja escondido e vagar pelo cemitério escrevendo poemas. Após desmaiar durante um dos enterros, ele é chamado à diretoria, onde é confrontado por Aloizio (Hugo de Villavicenzio), o administrador do cemitério.
Deodato é um cara sensível e medroso, não gosta do trabalho como coveiro, porém esforça-se para não desagradar o tio, que lhe arranjou o emprego, ele tem alma de poeta e se desarranja quando precisa lidar diretamente com os defuntos, essa realidade muda quando Jaqueline (Luciana Paes), uma funcionária do serviço funerário é contratada para verticalizar a necrópole a fim de modernizar e abrir mais espaço para novos túmulos, assim gerando mais dinheiro. Ela chama Deodato para ajudá-la, fazem um inventário sobre o estado dos túmulos e vão atrás dos familiares para realizarem o remanejamento. Jaqueline é firme e gosta do que faz, joga uma conversa sobre conforto e modernização, e por fim oferece dinheiro e os familiares acabam aceitando. Jaqueline lida com a situação de forma tão prática que assusta, mas isso parece não incomodar Deodato que se apaixona por ela. Os dois são opostos, mas se dão bem e convencem pela naturalidade, entre tudo isso os números musicais são encaixados perfeitamente com as cenas, as letras são elaboradas e inteligentes, tiram vários sorrisos e lágrimas ao decorrer. As interpretações têm tom teatral e evidenciam essa aura despojada, é uma mistura inusitada que deu certo.
Interessante a crítica que o longa faz à maneira como lidam com a ampliação do cemitério, a reforma e a sua verticalização devido o crescimento das cidades, isso perturba Deodato que sensível alucina com os mortos vindo lhe pedir ajuda para não mexerem em seus túmulos. Jaqueline representa toda a frieza que seu ofício precisa ter, o olhar analítico e preciso de mercado, para ela o cemitério está longe de ser um local assombrado, mas para Deodato remover os restos mortais de túmulos abandonados é um desrespeito. Com a grande demanda falta lugar para os mortos, a verticalização parece ser a grande solução e o grande negócio atual para o mercado funerário.
"Sinfonia da Necrópole" é um exemplar nacional inovador, equilibra humor negro e crítica social, tem leveza mesmo abordando temas pesados. Com personagens graciosos, como Deodato e seu tio e outras como a de um louco hipocondríaco que vive a procurar o padre, este que come as hóstias quando sente fome, além da mulher que vende coroas e o coveiro Humberto, eles dão ao filme um ar simpático e divertido. Os musicais, sem dúvida, são a grande atração, destaque para a "Canção dos Coveiros", "Canção dos Caixões" e "Canção da Metrópole", que com perspicácia e originalidade diz sobre o crescimento populacional das metrópoles e as mudanças e as adaptações que ocorrem por conta disso nas necrópoles.
A morte é sempre um tema complicado. Pelo seu texto, o filme parece utilizar o tema com certa sensibilidade e crítica social.
ResponderExcluirA frase do início lembra um pouco a frase do doc "Nós Que Aqui Estamos Por Vós Esperamos" de Marcelo Masagão.
Abraço