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terça-feira, 6 de setembro de 2016

Violette

"Meu lugar é dentro de mim mesma. O resto é vaidade."

"Violette" (2013) dirigido por Martin Provost (Séraphine - 2008) se concentra na vida da escritora Violette Leduc, que com incentivo externou suas dores e angústias através da escrita. Uma importante figura da literatura, porém desconhecida, sua obra revela temas tabus para sua época e assim como Simone de Beauvoir contribuiu para o avanço do feminismo.
No início dos anos XX, a escritora Violette Leduc (Emmanuelle Devos) encontra a filósofa Simone de Beauvoir (Sandrine Kiberlain). Nasce entre as duas uma intensa amizade que dura toda a vida, ao mesmo tempo que Simone encoraja Violette a escrever mais, expondo as suas dúvidas e medos, abordando todos os detalhes da intimidade feminina.
Violette, filha ilegítima de uma empregada, passou sua juventude em um internato e lá teve suas primeiras experiências sexuais, quando mais velha se casou com o escritor homossexual Maurice Sachs (Olivier Py), um casamento fictício para fugir da Segunda Guerra, Sachs incentivava Violette a colocar no papel o que a afligia, e então num pequeno caderno começou a escrever as primeiras frases do que viria ser o seu primeiro romance chamado "A Asfixia". Sachs mais tarde abandona Violette e volta à Alemanha, onde acaba sendo morto. Sozinha e desamparada, Violette vai tentar se virar em Paris, ela sobrevivia do mercado negro, mas quando a guerra termina os negócios caem por terra, então ao acaso se depara com um livro de Simone de Beauvoir, após lê-lo inebriada procura se encontrar com a autora e deixar seus manuscritos para que ela analise. A escrita de Violette a empolga, afinal ela falava sobre o que ninguém ousava falar na época. A relação entre as duas se estreita, Simone a incentiva muito, dá suas opiniões, mas se mantém distante quando Violette se apaixona, e é por meio das palavras que Violette expõe as suas angústias e desejos, a personagem sente-se inferiorizada, rejeitada, feia, inadequada, todos esses sentimentos são passados perfeitamente pela maravilhosa interpretação de Emmanuelle Devos.
A escrita de Violette era carregada de erotismo, o que desagradava bastante o conservadorismo machista da época, o primeiro livro é lançado pela Gallimard na Coleção Espoir, recém-criada por Albert Camus, mas com tiragem pequena, Violette chegou a relatar em "A Faminta", a sua paixão avassaladora por Simone, seu quarto era permeado de fotos da escritora, uma admiração masoquista. Enquanto Simone ficava cada vez mais reconhecida, Violette se encolhia, inclusive os cortes em "Destroços", quase desencorajou a continuar, mas sempre influenciada por Simone buscava nas palavras a sua salvação. Violette ousou escrever sobre experiências sexuais, o aborto e seu impacto sobre as mulheres, o incesto e a bissexualidade. Sua linguagem direta escandalizou a sociedade puritana. Mas foi acolhida pelos intelectuais, um círculo de grandes nomes da literatura, como Jean Cocteau, Jean Genet, e também o perfumista e entusiasta das artes Jacques Guérin. Violette alcança seu público com o livro "A Bastarda" com prefácio de Simone de Beauvoir.

"O meu caso não é único, tenho medo de morrer mas lamento estar no mundo. Nunca trabalhei, nunca estudei. Só chorei e gritei. Lágrimas e gritos, levaram muito de meu tempo. Partirei da mesma forma que cheguei. Intacta. Carregada com meus defeitos que me torturaram. Eu queria ter nascido estátua, sou uma lesma no meu estrume. As virtudes, as qualidades, a coragem, a meditação, a cultura, de braços cruzados briguei com essas palavras.”


Um dos traços mais marcantes de Violette é a sua dependência emocional, a sua ânsia de ser correspondida amorosamente por aqueles que a rodeiam, Simone faz o contraponto sendo segura e distante, apesar de proteger e incentivar Violette. Os traumas vividos na infância e juventude surgem como fantasmas na sua vida, mas ela transporta tudo para o papel e com a ajuda de Simone pôde explorar seus sentimentos, escrever tudo o que era proibido dizer, os desejos, a quebra de padrões e a autodescoberta feminina, sem dúvida Violette foi peça fundamental para o começo da libertação feminina. O nome dela é pouco conhecido e suas obras são difíceis de encontrar, os poucos livros que foram traduzidos para o português, como "A Bastarda", seu maior sucesso, está fora de catálogo, sendo com sorte achado apenas em sebos. 


Além de refletir sobre o feminismo, é um grande estudo de personagem, o diferencial de "Violette" é que ele não é um filme biográfico comum, é cru, poético, desesperador, apaixonante, um turbilhão. A interessante narrativa do filme nos faz refletir em diversas questões, uma delas é acerca da literatura e a sua função transformadora, tanto para quem escreve, como para quem lê. Afinal, o que define um bom escritor? Como acontece o processo de escrita, e de onde vem as inspirações? Também coloca o desejo de reconhecimento, além de nos fazer pensar sobre o mercado que existe em torno, na escassa distribuição de livros com potencial, por exemplo, a escrita de Violette era considerada inapropriada por inúmeros motivos, por ser escandalosa, uma escrita sobre fatos densos, emoções confusas, fortes paixões, e portanto, chocante. Ela foi colocada de lado, mas como vivia num período de grande efervescência literária foi enaltecida por seus contemporâneos intelectuais. A literatura sempre foi e sempre será um meio para expandir ideias, uma forma de criticar, denunciar e se expressar sobre a sociedade e tudo o que nos aflige. Viva os escritores que como Violette Leduc compreendeu que a literatura a salvaria!

Trecho do prefácio de Simone de Beauvoir para o livro "A Bastarda", de Violette Leduc.

"Dizem que não existe mais autor desconhecido. Qualquer um ou quase isso consegue editar. Pudera, a mediocridade pulula. A boa semente é abafada pelo joio. O êxito depende, na maior parte do tempo, de um golpe de sorte. Entretanto, a própria má sorte tem as suas razões. Violette Leduc não quer agradar. Não agrada e até assusta. Os títulos de seus livros — L’ Asphyxie (A Asfixia), L’Affamée, (A Faminta), Ravages (Destroços) — não são divertidos. Ao folheá-los, entrevemos um mundo pleno de ruído e raiva, onde o amor muitas vezes traz o nome de ódio, onde a paixão de viver se expande em gritos de desespero. Um mundo devastado pela solidão e que de longe parece árido. Não o é, porém. 'Sou um deserto que monologa', me escreveu um dia Violette Leduc. Nos desertos encontrei belezas incontáveis. Quem quer que nos fale do fundo de sua solidão fala de nós. O homem mais mundano ou o mais militante tem seus recônditos onde ninguém se aventura, nem mesmo ele, mas que lá estão: a noite da infância, os fracassos, as renúncias, a brusca emoção de uma nuvem no céu. Surpreender uma paisagem, um ser, tais como existem em nossa ausência: sonho impossível que todos nós acariciamos. Se lemos A Bastarda, o sonho se realiza, ou quase. Uma mulher desce ao mais secreto de si mesma e se revela com uma sinceridade intrépida, como se não houvesse ninguém para escutá-la."

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