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quarta-feira, 22 de junho de 2016

O Abraço da Serpente (El Abrazo de la Serpiente)

"O Abraço da Serpente" (2015) dirigido por Ciro Guerra (As Viagens do Vento - 2009) é uma viagem antropológica, histórica e mística. Um olhar espiritual sobre a vida e também sobre a perda de costumes e identidade.
Karamakate, outrora um poderoso xamã da Amazônia, é o último sobrevivente de seu povo, e agora vive em isolamento voluntário nas profundezas da selva. Os anos de solidão absoluta o tornaram vazio, privado de emoções e memórias. Sua vida sofre uma reviravolta quando chega ao seu esconderijo remoto Evan, um etnobotânico americano em busca da Yakruna, uma poderosa planta capaz de ensinar a sonhar. O xamã decide acompanhar o estrangeiro em sua busca, e juntos embarcam em uma viagem ao coração da selva, onde passado, presente e futuro se confundem, fazendo-o aos poucos recuperar suas memórias. Essas lembranças trazem uma dor profunda que não libertará Karamakate até que ele transmita o conhecimento ancestral que antes parecia destinado a perder-se para sempre.
Baseado nos diários do cientista alemão Theodor Koch-Grungberg (1872-1924, falecido por febre amarela na Amazônia) e do norte-americano Richard Evans Schultes (1915-2001), acompanhamos duas histórias em paralelo, no passado Theodor Koch-Grunberg (Jan Bijvoet), um cientista alemão que pesquisa tudo a respeito da Amazônia está muito doente e recorre ao xamã Karamakate (Nilbio Torres), único sobrevivente de uma tribo massacrada pela invasão colombiana em busca da borracha. De início recusa-se a ajudar, mas cede e o auxilia na viagem para encontrar a Yakruna, planta sagrada, que é a sua única salvação. Junto deles vai também Manduca (Yauenkü Migue), um índio leal ao pesquisador. No futuro vemos Richard Evans Schultes (Brionne Davis), inspirado pelos estudos de Theodor a conhecer a fundo os segredos da Yakruna, se embrenha em meio a floresta amazônica e mais uma vez Karamakate (Antonio Bolivar), agora velho e sem memória, o acompanha nessa difícil jornada que o faz reviver seu passado e assim relembrar quem de fato é.
A mescla de História, biologia, ciência, costumes e culturas diferentes hipnotiza o espectador, os diálogos são grandiosos, e a cada pedaço de rio e terra que se desbrava contém experiências repletas de significados. O misticismo está presente e é muito forte, porém não se limita a isso, o diretor coloca tudo dentro de um contexto histórico, o extermínio dos povos pelos barões da borracha e também pelos jesuítas com a missão de catequizar os índios, impressionante a cena em que retrata um messias histérico e louco, que é apenas uma das consequências da colonização que enfiava a fé cristã goela abaixo destruindo toda a cultura indígena. 

Karamakate tem a preocupação de manter a memória de seu povo, de seus costumes, continuar escutando a música da selva e não terminar a vida como um chullachaqui, um ser vazio e oco que se parece conosco, sem memória e vagando pelo "tempo sem tempo". Ao final quando encontram a Yakruna, representação de esperança, e ao contrário do que aconteceu a Theodor, ele deseja que Evans aprenda a escutar a música, mas antes disso precisou se desvencilhar de todo apego material e também do ego, que permite que criemos ilusões e sentimentos que travam nosso percurso pela existência. Karamakate insistia sobre o excesso de bagagem e o perigo da canoa afundar, para abraçar a serpente e alcançar a sabedoria cósmica é preciso estar livre de tudo. Ao invés de dar a planta ao pesquisador, Karamakate lhe dá de presente a experiência, para então passar adiante todo o conhecimento adquirido como a lembrança de uma cultura e costumes de um povo destruído pela colonização. A dedicatória dos créditos finais diz: "à memória de povos cujas canções nunca conheceremos".

"O Abraço da Serpente" é um filme maravilhoso, crítico sobre o impacto causado pelos brancos, seja em busca de riquezas ou pela inserção da religião, são questões pertinentes e muito bem colocadas. O misticismo é amplamente evocado, como a simbologia da serpente no xamanismo, para Karamakate a serpente desceu da Via Láctea e criou o mundo, e os rios amazônicos são a própria reminiscência da criação. 
A serpente é um animal de poder relacionado à regeneração, sabedoria, sensualidade e cura. Ela fertilizou esse mundo e estaria presente em todos nós na base da nossa espinha, está associada ao chacra básico e à kundalini, poder espiritual adormecido no osso sacro que só pode ser despertado por uma alma realizada.  
A fotografia em preto e branco é um deslumbre, a trilha sonora pontual e as atuações tocantes. Sem dúvidas, um filme especial e que representa toda essa cultura destruída.

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