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terça-feira, 20 de outubro de 2015

Human

"Human" (2015) dirigido pelo fotógrafo francês Yann Arthus-Bertrand, criador da série fotográfica "Earth from Above", que vendeu 4 milhões de livros, e pela direção e co-produção do filme "Home", assistido por 600 milhões de pessoas. Em  setembro de 2015 lançou seu novo documentário: "Human", um retrato sensível sobre a Terra e seus habitantes. Foram 3 anos de filmagem e mais de 2.000 entrevistas em 60 países. É um trabalho extremamente lindo que capta emoções e que demonstra que somos únicos. São diversas culturas, histórias e olhares que fazem com que compreendamos o outro. Os assuntos variam entre amor, felicidade, superação, dor, guerra, morte, pobreza versus riqueza e o sentido da vida. Vivemos sem perceber o outro e não pensamos duas vezes em julgar, esse é um documentário essencial para que lembremos o que significa "ser humano". Em intervalos somos presenteados com belíssimas imagens aéreas ao redor do mundo, é mostrado o Quênia, Nepal, Paquistão, Mongólia, Madagascar, Bolívia, República Dominicana, Haiti, USA, França, entre outros, e tudo acompanhado por uma trilha sonora transcendental criada por Armand Amar que ajuda imensamente refletir sobre o que vemos, proporciona uma interiorização bem significativa.
"Eu sonhei com um filme em que a força das palavras ampliasse a beleza do mundo. As pessoas me falaram de tudo; das dificuldades de crescer, do amor e da felicidade. Toda essa riqueza é o centro do filme". (Yann Arthus-Bertrand)

O que nos torna humanos?
A primeira parte se concentra na questão do amor, dor e status social, são visões diferentes e interessantes. Acompanhamos histórias de amor, o amor que cuida, mas também o amor que machuca, as distorções acerca do sentimento que, afinal todos nós buscamos, porque não suportamos estar sós no mundo.
Relatos sobre a pressão e a exaustão do trabalho, dores físicas e psicológicas, a vida que se resume em se levantar e trabalhar, sacrifícios para sustentar a família, esforços que tiram a força e anulam uma vida. A diferença de classes também é mostrado como nesse depoimento: "O que é pobreza para mim? É quando eu preciso ir para à escola, mas não posso ir. Quando preciso comer, mas não posso. Quando preciso dormir, mas não posso. Quando minha esposa e meus filhos sofrem. Não tenho o nível intelectual necessário para sair dessa situação. Nem eu, nem minha família. Eu me sinto realmente pobre. No corpo e na mente. E vocês ricos que estão me ouvindo, o que têm a dizer sobre sua riqueza?"

Em vários momentos percebe-se que a riqueza dá liberdade de adquirir, mas torna as pessoas incapazes de esbanjar sentimentos, e que a pobreza dá as pessoas uma riqueza impossível de ser comprada por dinheiro. Há um depoimento bem marcante de um aborígene que diz assim: "Das pessoas mais generosas que conheço, algumas não têm dinheiro. E deve ser assim. Quando não se tem dinheiro, vive-se de outra forma. Os anciões por exemplo... Nossa língua não tem palavras para dizer 'por favor' ou 'obrigado', porque se espera que compartilhemos e demos o que temos. Hoje temos de dizer 'por favor' e 'obrigado', temos de implorar. Antigamente era normal compartilhar tudo. Fazia parte de nossa identidade. E não só para os aborígenes, eu imagino que no mundo todo fazia-se a mesma coisa antes do dinheiro. Mas agora é: 'Isso é meu', tem palavras como 'meu', não se compartilha mais nada. E virou. Isso nos mata como seres humanos, como sociedade, como raça. Quando digo 'raça', refiro-me à raça humana. Negamos abrigo aos outros, negamos comida, negamos a sobrevivência somente por causa do dinheiro."
Também contém uma entrevista com o ex-presidente do Uruguai José Mujica, um grande ser humano que exemplifica bem a questão da sobriedade, em se ter apenas o necessário, pois o que se gasta na verdade é o nosso tempo de vida, porque quando compramos algo pagamos com o tempo de vida que gastamos para conseguir o dinheiro, e a vida é a única coisa que não se pode comprar. 

A segunda parte reflete sobre homossexualidade, guerra, família e morte. Impressionante são as histórias vivenciadas por conta da guerra, vidas destruídas, seja pela perda de familiares ou de si mesmos, há aqueles que se modificaram como pessoa, que jamais viverão sem se lembrar do que passaram, pois viram e sentiram o gosto amargo da violência, mas alguns desejam vingança e outros que gostaram da sensação de matar. Um trecho bem significativo é de um cara que diz que todos querem saber como é a guerra, mas ninguém se preocupa em perguntar como ele está se sentindo. Angustiante e pesado vemos crianças preparadas para a guerra, pois se tornou um estado normal em muitos lugares. As pessoas estão realmente cansadas desse tipo de vida. Todos se despem perante a câmera e confiam a nós pedaços de suas vidas, somos arrebatados por tantas emoções, sorrisos, sofrimentos, lamentações e súplicas que fica difícil não derramar lágrimas e perceber que por mais que sejamos diferentes queremos o mesmo, viver dignamente e ser o que somos!
A homossexualidade também faz parte desse emaranhado de histórias e acompanhamos fortes depoimentos, de quem não se aceita, de quem não é aceitado, ou aqueles que receberam todo o apoio dos pais, o fato é que muitas pessoas creem que ser homossexual é uma opção, não acreditam que isso faça parte da pessoa como qualquer outro traço de personalidade. Como dito: "Você é gay? E daí?", esse 'e daí' faz tanta falta e é tão óbvio.

Da morte não falamos, principalmente em nossa cultura, temos medo do fim, quando na verdade o que precisamos é falar para pelo menos entender um pouco que estar vivo é algo maravilhoso. Aceitar que o corpo vai embora, mas os momentos vividos ficam, não tem como lutar contra isso. Seja com humor: "Depois da morte não tem mais nada. Vamos dar risada. Vamos para o céu, mas não pegamos o caminho certo. Embaixo da terra, não vai dar no céu. Não é o caminho certo. Eu não acho que exista vida após a morte. Eu não acredito nisso", ou com sabedoria: "Não tenho medo de morrer. Não sei se Deus existe ou não, mas prefiro acreditar. E quando olho para o universo, espero que nosso espírito vá para algum lugar, onde nos reconheçamos uns aos outros. Além dos meus pais, eu adoraria rever meu melhor amigo Shaunie, que morreu quando tinha 21 anos. Eu adoraria passar tempo com ele, viajando de carona pelo céu, como fazíamos aqui na Terra quando éramos jovens. Também adoraria encontrar todas as pessoas maravilhosas que tentaram tornar o mundo melhor e trabalharam pela justiça e pela paz no mundo. Para mim, isso é o mais importante. E quando analisamos as grandes religiões, filosofias e ideologias, e tentamos simplificar dogmas e teologias complexos, tudo se resume ao amor. Então espero que meu espírito seja levado para um grande balé e uma grande dança cósmica de amor, onde não haja mais sofrimento nem tristeza. Onde não possamos mais magoar ou ser magoados. E onde possamos realmente celebrar o grande dom da consciência, o grande dom de ser, o grande dom da vida. E se, afinal, Deus não existir, ainda sou grato pelo dom da vida. Sempre penso... que as últimas palavras que gostaria de dizer antes de morrer são: "Obrigado. Obrigado pelo dom da vida". 

A terceira parte diz sobre felicidade, educação, corrupção e o sentido da vida. É incrível observar que para cada um a felicidade significa uma coisa, para muitos está em suprir as necessidades básicas, ou poder se satisfazer com miudezas, compartilhar momentos, adquirir bens materiais, ver um sorriso no rosto do filho, se aceitar, colher o que plantou, acordar pela manhã e estar vivo.
A importância da educação é evidenciada, as crianças que vivem em lugares que sempre estão em conflito e que ir pra escola é difícil, nutrem a esperança de que com a educação as pessoas se livrariam da ignorância e perceberiam que a guerra é inútil. São olhares tristes, mas esperançosos. A imagem do professor é poderosa, eles podem mudar o destino de muitos. A deficiência é outro tema abordado, a dificuldade de viver em sociedade, dos obstáculos a ser ultrapassados, das estigmatizações e esteriótipos. 

Nos tornamos humanos quando somos capazes de sentir a dor do outro, quando conseguimos adentrar no ser de outra pessoa e sentimos vontade de fazer algo para que essa dor se amenize. Viver com dignidade, essa é a questão que fica pairando, ainda mais quando o tema imigração vem à tona, o caos, a desumanidade é tão grande que é insuportável. 
E afinal, qual a finalidade de existir, se não fizermos nada valioso simplesmente nossa vida não terá sentido? É aterrador pensar que estamos aqui e apenas sobrevivendo, esquecendo-se de que somos importantes e que tudo é tão amplo e repleto de possibilidades. Um dos depoimentos mais lindos sobre isso é de um brasileiro, com verdade e sutileza ele diz: "A vida é como carregar uma mensagem da criança que você foi um dia para o velho que você vai ser amanhã. E tentar não deixar essa mensagem se perder, se desfazer. Muitas vezes me pergunto sobre isso, porque quando eu era criança eu pensava tantas coisas bonitas. 'Nossa! Eu quero um mundo sem mendigos, todo mundo feliz'. Coisas tão simples e sutis. Mas a gente perde isso, a vida faz a gente perder. Daqui a pouco só trabalhamos para poder comprar coisas e não tá nem aí pro mendigo, não ajuda ninguém. Aí cadê aquela mensagem da criança? Talvez o sentido da vida seja não deixar essa mensagem da criança desaparecer."

"Human" é um documentário enriquecedor que nos proporciona ampliar o olhar perante o outro, entender que cada ser humano é um mundo e que devemos respeitar, porque queremos que seja assim conosco. "Fazemos parte do 'todo humano', somos iguais na diferença, com nossos pensamentos, sentimentos e mistérios". Essa frase do escritor Khaled Hosseini se encaixa perfeitamente na aura do filme.
Por fim, assistam "Human", uma obra imprescindível capaz de nos modificar. Em tempos em que o amor ao próximo se tornou algo raro, é ainda mais válido!

Dividido em 3 partes de 90 min, está disponível no Youtube.

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