"A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores desgraças. Isso exige muitas vezes coragem para reconhecê-la em condições tão dramáticas e para chamá-la pelo nome. Mas não se trata apenas de reconhecê-la, é preciso amar a insignificância, é preciso aprender a amá-la. Aqui, neste parque, diante de nós, olhe, meu amigo, ela está presente com toda a sua evidência, com toda sua inocência, com toda a sua beleza. Sim, sua beleza. Como você mesmo disse: a animação perfeita… e completamente inútil, as crianças rindo… sem saber por quê, não é lindo? Respire, D’Ardelo, meu amigo, respire essa insignificância que nos cerca, ela é a chave da sabedoria, ela é a chave do bom humor."
Milan Kundera aos 85 anos nos presenteia após uma pausa de 14 anos com uma obra aparentemente simples, de leitura fácil, mas que exige do leitor bastante atenção. "A Festa da Insignificância" narra eventos cotidianos, banalidades, coisas desprovidas de qualquer sentido, o que só confirma o quanto estamos perdidos em meio a insignificâncias que cada vez mais dominam a sociedade, seja em qualquer parte do mundo.
Milan Kundera é um gênio, poucos são os escritores ainda vivos que têm a capacidade narrativa dele, vide seu romance mais conhecido "A Insustentável Leveza do Ser", além de "A Brincadeira". "A Ignorância", "A Imortalidade", "O Livro do Riso e do Esquecimento", "Risíveis Amores", "A Identidade", "A Lentidão"... O que impressiona em Kundera é que ele é considerado um Best-seller mesmo evitando a mídia e aparições, perseguido por comunistas na Rep. Tcheca se mudou para Paris em 1975, onde vive recluso há muitos anos. A popularidade aconteceu lá nos anos 80 com o romance "A Insustentável Leveza do Ser", do qual teve sua adaptação para o cinema em 1988, com direção de Philip Kaufman.
"A Festa da Insignificância" já vendeu 200 mil cópias na França e Itália, o assunto pode parecer bobo, mas não se engane, há extrema seriedade, é um disfarce, vale destacar a narrativa divertida e aleatória que brinca com seus personagens e situações. Mesmo sendo fácil absorvê-lo, não queira lê-lo rápido, deguste cada palavra, cada cena que se apresenta, pois o poder de nos dar luz para as insignificâncias vividas são enormes. Vivemos num período em que se espera rapidez, anseia-se por espetáculos e se cultua efemeridades. Inevitável não lembrar do filme de Sorrentino, "A Grande Beleza" - 2013. Superficialidade, vazio, status, valorização do banal, egoísmo, exposição demasiada, importâncias irrelevantes e uma busca que jamais será saciada.
A escrita é inteligente e promove reflexões, mas sua maneira de dispor as palavras faz com que se torne simples. Com certeza deve ser relido, assim como todos os seus outros livros, pois a cada vez absorvemos informações diferentes e sentimos a história de outra forma.
Essa definição do jornal italiano sobre Kundera na contracapa é linda:
"Por que será que Kundera é um dos poucos grandes escritores vivos, essa verdade inquestionável? Porque para ele, entre a filosofia e a literatura não há diferença. Exatamente como em Montaigne, Rabelais, Sterne, Diderot, Kierkegaard, Nietzsche, Musil, Broch... Narrativa? Ensaio? Literatura? Filosofia? Por que perder tempo definindo se no fundo se ocupam apaixonadamente da mesma coisa? Kundera celebra a fragilidade de todas as emoções, incluindo o luto, a alegria e a beleza." - Il Corriere della Sera
"As pessoas se encontram na vida, conversam, discutem, brigam, sem perceber que se dirigem uns aos outros de longe, cada um de um observatório num lugar diferente do tempo."
A história se passa em Paris e conta sobre um grupo de amigos: Alain, Ramon, Calibã e Charles. Os personagens são apresentados com seus problemas, individualmente, situações aleatórias e banais que aparentemente não representam absolutamente nada.
Alain assombrado pela imagem da mãe que o abandonou quando pequeno conversa de maneira imaginária e fantasia as tentativas de aborto que ela fazia. O umbigo é a sua obsessão e percebe semelhanças entre eles, o que talvez explicaria muitas coisas sobre as pessoas e sua falta de sentido. Ramon desmotivado ensaia por várias vezes ir na exposição do Chagall, ele não consegue compreender o porquê das filas, já que as pessoas não vão entender nada do que está lá dentro, portanto sempre acaba a andar pelos arredores, onde encontra um outro personagem, D'Ardelo que sem nada muito interessante a dizer para o amigo inventa uma doença e o convida para ir à sua festa de aniversário, Ramon não gosta dele, mas por pura compaixão aceita o convite. Calibã é um ator frustrado que se passa por um garçom paquistanês, ele inventa sua própria língua para que as pessoas acreditem piamente em sua mentira, porém ninguém realmente se importa com isso. Charles é um dramaturgo que realiza coquetéis e está lendo "Memórias", de Nikita Khruschóv, um livro sobre Stálin, e traça um perfil ridículo deste, suas piadas sem graça e o deboche dos outros em relação a ele, esta parte propõe um paralelo entre a Paris atual e a União Soviética de outrora. Quaquelique, um outro personagem é visto como medíocre pelos demais, ele é bem-sucedido, consegue a atenção das mulheres e isso sem jamais fazer alarde. Ele vai contra a onda de exibicionismo e é justamente por isso que é visto como um qualquer.
Na festa de D'ardelo em que muitas figuras se encontram podemos visualizar com clareza a estranheza das relações pessoais e o como cada um se porta para ser notado de alguma forma.
O livro com apenas 134 páginas consegue nos dizer tanta coisa que fica difícil absorvê-lo e colocar em palavras tais pensamentos, mas o mais importante é que nos elucida sobre as coisas absurdas e sem sentido que permeiam o nosso cotidiano.
"Nós compreendemos há muito tempo que não era mais possível mudar este mundo, nem remodelá-lo, nem impedir sua infeliz trajetória para a frente. Havia uma única resistência possível: não levá-lo a sério."
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