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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A Sombra da Gaiola

"Pássaros criados em gaiolas acreditam que voar é uma doença." (A. Jodorowsky)

Evocando o cinema experimental de Maya Deren (marco do movimento), "A Sombra da Gaiola", dirigido e roteirizado por Ailton da Costa (Sobre Relógios, Sonhos e Liberdade - 2012) e realizado pela Fiapo de Arte e o Cineclube Lampião (Palmeira dos Índios -Maceió/AL), traz todo o mistério e a beleza que permeia a arte do experimentalismo que abrange uma série de recursos, como técnicas de abstração, a não narrativa, som assíncrono, cortes bruscos, entre outros. Isso tudo produz efeitos mais reflexivos e provoca o espectador que dá asas à subjetividade, tornando assim a experiência bem pessoal.
O curta explora de uma maneira diferente e simbólica o enclausuramento da educação, pois a liberdade de pensar por si próprio não faz parte do universo escolar, as crianças crescem repetindo saberes que não servem de nada, a curiosidade não é instigada, são repetições que não agregam, não incentivam e prejudicam o desenvolvimento como ser humano. E para aqueles (professores/alunos) que tentam alçar voos se torna um ato de coragem, já que não há o chão para se apoiar. É necessário discutir a educação e seus métodos antiquados que querem fazer de todos iguais.

O curta tem uma trilha sonora que traz um clima de pesadelo, e assim como a imagem é eficaz ao passar a mensagem. Uma ótima produção que vale a pena ser vista!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Joe

"Joe" (2013) de David Gordon Green (Prince Avalanche - 2013) é um filme bastante interessante que traz personagens sombrios e violentos em uma região que é marcada por regras locais. Não tem como não mencionar Nicolas Cage, que volta a sua velha forma e mostra que ainda existe talento dentro de si, o ator que sofre uma decadência em sua carreira devido a escolha de papéis nada favoráveis tem sido alvo constante de piadas. Cage faz um sujeito de poucas palavras e aparentemente nada sensível, mas no decorrer da história vamos nos afeiçoando a Joe e percebemos que apesar de tudo, é um homem bom. Uma atuação surpreendente!
Baseado no livro homônimo de Larry Brown, a história segue Joe Ransom (Nicolas Cage), um ex-presidiário que vive preso ao passado. Afundado na bebida e amargurado com a vida, ele começa a trabalhar em uma madeireira durante o dia, procurando uma vida simples. Durante seu período de trabalho, ele encontra com Gary (Tye Sheridan), um jovem de 15 anos, que procura trabalho desesperadamente para conseguir sustentar sua família, e cujo pai é alcoólatra. Joe decide proteger e cuidar do menino, oferecendo-o um trabalho. O filme é seco, já no início percebemos que a história não vai ser amena. O diálogo entre pai bêbado e filho gera um certo desconforto. Aliás, o personagem do pai é facilmente odiado por nós, suas atitudes são tão mesquinhas e ordinárias que causam náuseas. Tye Sheridan nos presenteia com uma atuação segura e digna de prêmios, mais uma vez mostra que tem personalidade e um longo caminho a trilhar.
Joe dá emprego a Gary e fica impressionado com a vontade dele de trabalhar, aos poucos descobre a turbulenta relação que existe entre o garoto e o pai, Joe até dá emprego pro velho bêbado, mas este está mais interessado em passar os outros para trás, fingir que trabalha e roubar. Gary acaba sustentando o vício de seu pai, além de conviver com a mãe e a irmã com sérios problemas psicológicos. O vínculo entre os dois vai se estreitando e o solitário Joe vai demonstrando a sua personalidade mais doce. O personagem é carregado de nuances, ele se mantém quieto para não explodir diante a erros que vê, evita brigas, mas as pessoas não desistem de perturbá-lo, principalmente a polícia que o persegue constantemente.

Há vários pontos interessantes neste longa, a verossimilhança em retratar a região sul dos EUA, a dificuldade, a pobreza e os meios nem tão regulares de se trabalhar, vide a madeireira que Joe lidera, cujo intuito é injetar veneno em árvores sadias. Curioso o fato de terem colocado um alcoólatra de verdade para viver o pai de Gary, e que infelizmente faleceu pouco depois das gravações. Não há um instante sequer em que esse velho não dê nos nervos, uma real atuação, a cena que destaco é quando segue um mendigo fazendo perguntas, mas de olho na bebida o mata. Vale salientar também a rica trilha sonora, a música country só ressalta a atmosfera do local.

"Joe" pode até ser um pouco estereotipado, mas é um excelente filme com personagens fortes. É duro e ao mesmo tempo sensível, pois explora-se muito bem as dores e as complexidades de seus personagens, e o silêncio muitas vezes predomina dando um tom sombrio. É uma ótima oportunidade de ver Nicolas Cage em um bom personagem novamente e se encantar pelo jovem Tye Sheridan.  

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Viver é Fácil Com os Olhos Fechados (Vivir es Fácil Con los Ojos Cerrados)

Inspirado em uma história real, "Viver é Fácil Com os Olhos Fechados" dirigido por David Trueba é daqueles filmes deliciosos que retratam sentimentos nobres do ser humano, a gentileza permeia toda a produção que traz um grande nome do cinema espanhol, Javier Cámara (O Que os Homens Falam - 2012).
Em plena década de 60, Antonio (Javier Cámara), um modesto professor de inglês, é fã incondicional dos Beatles e sonha em conhecer seu ídolo, John Lennon. Para encontrar o seu herói, o professor irá viajar até Almeria e no meio do caminho irá esbarrar com dois jovens: Belén (Natalia de Molina), uma moça de vinte anos e Juanjo (Francesc Colomer), um garoto de dezesseis que está fugindo de seu pai autoritário. O encontro destas três pessoas fará a vida de cada uma tomar rumos imprevisíveis. O título do filme é uma frase da letra de "Strawberry Fields Forever", composta por John Lennon em sua passagem por terras hispânicas em 1966, onde gravou o filme "How I Won the War", de Richard Lester.
O filme é um road movie que retrata o amor pelo seu ídolo e toda a ternura que pode haver numa pessoa. Antonio tem um coração que não cabe no peito. No início o vemos ensinando inglês às crianças com a canção "Help" e logo se enveredando pela estrada rumo ao seu sonho, conhecer John Lennon e convencê-lo a colocar as letras das músicas no encarte de seus álbuns. No caminho ele encontra Belén, uma moça grávida e sem apoio, e também dá carona para Juanjo, um garoto que por causa dos desentendimentos com o pai, principalmente por ele invocar com seu cabelo, foge em busca de algo. Nessa viagem conhecemos um pouco mais dos personagens e acabamos por nos apaixonar, são situações cativantes e de rico valor.

Antonio é uma pessoa que adora falar e contar histórias, ele brinca com os dois jovens que estão numa fase nada favorável. Com o desenrolar Belén se afeiçoa a Juanjo, que descobre a sua primeira paixão. O cenário e as cores vibrantes, juntamente com a trilha sonora faz deste um filme imperdível, é para se encantar com diálogos e momentos únicos, captando o que cada personagem tem para dar e sorrir diante a atitudes que nos fazem ser melhores uns com os outros.
A recriação da época é impecável e explora bem a beatlemania, principalmente em relação a John Lennon. Para os fãs da banda é um deleite e até para aqueles que não dão tanta importância é uma delícia de filme.

O humor sereno está presente em toda a narrativa, e por mais que algumas situações sejam ridículas, afinal idolatrar alguém é algo idiota a se fazer, o filme pende mais para um lado ingênuo e desperta sentimentos prazerosos, como a vontade de pegar a estrada sem rumo e contemplar a paisagem ouvindo uma boa música.
"Viver é Fácil Com os Olhos Fechados" tem uma história agradável e você nem sente o tempo passar. É uma linda surpresa coroada pela atuação singela de Javier Cámara. É uma viagem sonhadora que faz florescer a alegria.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

A Festa da Insignificância - Milan Kundera

"A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores desgraças. Isso exige muitas vezes coragem para reconhecê-la em condições tão dramáticas e para chamá-la pelo nome. Mas não se trata apenas de reconhecê-la, é preciso amar a insignificância, é preciso aprender a amá-la. Aqui, neste parque, diante de nós, olhe, meu amigo, ela está presente com toda a sua evidência, com toda sua inocência, com toda a sua beleza. Sim, sua beleza. Como você mesmo disse: a animação perfeita… e completamente inútil, as crianças rindo… sem saber por quê, não é lindo? Respire, D’Ardelo, meu amigo, respire essa insignificância que nos cerca, ela é a chave da sabedoria, ela é a chave do bom humor."

Milan Kundera aos 85 anos nos presenteia após uma pausa de 14 anos com uma obra aparentemente simples, de leitura fácil, mas que exige do leitor bastante atenção. "A Festa da Insignificância" narra eventos cotidianos, banalidades, coisas desprovidas de qualquer sentido, o que só confirma o quanto estamos perdidos em meio a insignificâncias que cada vez mais dominam a sociedade, seja em qualquer parte do mundo.
Milan Kundera é um gênio, poucos são os escritores ainda vivos que têm a capacidade narrativa dele, vide seu romance mais conhecido "A Insustentável Leveza do Ser", além de "A Brincadeira". "A Ignorância", "A Imortalidade", "O Livro do Riso e do Esquecimento", "Risíveis Amores", "A Identidade", "A Lentidão"... O que impressiona em Kundera é que ele é considerado um Best-seller mesmo evitando a mídia e aparições, perseguido por comunistas na Rep. Tcheca se mudou para Paris em 1975, onde vive recluso há muitos anos. A popularidade aconteceu lá nos anos 80 com o romance "A Insustentável Leveza do Ser", do qual teve sua adaptação para o cinema em 1988, com direção de Philip Kaufman. 
"A Festa da Insignificância" já vendeu 200 mil cópias na França e Itália, o assunto pode parecer bobo, mas não se engane, há extrema seriedade, é um disfarce, vale destacar a narrativa divertida e aleatória que brinca com seus personagens e situações. Mesmo sendo fácil absorvê-lo, não queira lê-lo rápido, deguste cada palavra, cada cena que se apresenta, pois o poder de nos dar luz para as insignificâncias vividas são enormes. Vivemos num período em que se espera rapidez, anseia-se por espetáculos e se cultua efemeridades. Inevitável não lembrar do filme de Sorrentino, "A Grande Beleza" - 2013. Superficialidade, vazio, status, valorização do banal, egoísmo, exposição demasiada, importâncias irrelevantes e uma busca que jamais será saciada.
A escrita é inteligente e promove reflexões, mas sua maneira de dispor as palavras faz com que se torne simples. Com certeza deve ser relido, assim como todos os seus outros livros, pois a cada vez absorvemos informações diferentes e sentimos a história de outra forma. 

Essa definição do jornal italiano sobre Kundera na contracapa é linda:
"Por que será que Kundera é um dos poucos grandes escritores vivos, essa verdade inquestionável? Porque para ele, entre a filosofia e a literatura não há diferença. Exatamente como em Montaigne, Rabelais, Sterne, Diderot, Kierkegaard, Nietzsche, Musil, Broch... Narrativa? Ensaio? Literatura? Filosofia? Por que perder tempo definindo se no fundo se ocupam apaixonadamente da mesma coisa? Kundera celebra a fragilidade de todas as emoções, incluindo o luto, a alegria e a beleza." - Il Corriere della Sera

"As pessoas se encontram na vida, conversam, discutem, brigam, sem perceber que se dirigem uns aos outros de longe, cada um de um observatório num lugar diferente do tempo."

A história se passa em Paris e conta sobre um grupo de amigos: Alain, Ramon, Calibã e Charles. Os personagens são apresentados com seus problemas, individualmente, situações aleatórias e banais que aparentemente não representam absolutamente nada. 
Alain assombrado pela imagem da mãe que o abandonou quando pequeno conversa de maneira imaginária e fantasia as tentativas de aborto que ela fazia. O umbigo é a sua obsessão e percebe semelhanças entre eles, o que talvez explicaria muitas coisas sobre as pessoas e sua falta de sentido. Ramon desmotivado ensaia por várias vezes ir na exposição do Chagall, ele não consegue compreender o porquê das filas, já que as pessoas não vão entender nada do que está lá dentro, portanto sempre acaba a andar pelos arredores, onde encontra um outro personagem, D'Ardelo que sem nada muito interessante a dizer para o amigo inventa uma doença e o convida para ir à sua festa de aniversário, Ramon não gosta dele, mas por pura compaixão aceita o convite. Calibã é um ator frustrado que se passa por um garçom paquistanês, ele inventa sua própria língua para que as pessoas acreditem piamente em sua mentira, porém ninguém realmente se importa com isso. Charles é um dramaturgo que realiza coquetéis e está lendo "Memórias", de Nikita Khruschóv, um livro sobre Stálin, e traça um perfil ridículo deste, suas piadas sem graça e o deboche dos outros em relação a ele, esta parte propõe um paralelo entre a Paris atual e a União Soviética de outrora. Quaquelique, um outro personagem é visto como medíocre pelos demais, ele é bem-sucedido, consegue a atenção das mulheres e isso sem jamais fazer alarde. Ele vai contra a onda de exibicionismo e é justamente por isso que é visto como um qualquer.
Na festa de D'ardelo em que muitas figuras se encontram podemos visualizar com clareza a estranheza das relações pessoais e o como cada um se porta para ser notado de alguma forma.
O livro com apenas 134 páginas consegue nos dizer tanta coisa que fica difícil absorvê-lo e colocar em palavras tais pensamentos, mas o mais importante é que nos elucida sobre as coisas absurdas e sem sentido que permeiam o nosso cotidiano. 

"Nós compreendemos há muito tempo que não era mais possível mudar este mundo, nem remodelá-lo, nem impedir sua infeliz trajetória para a frente. Havia uma única resistência possível: não levá-lo a sério."

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Entre Nós

"Não sei o que é mais frustrante: se é não realizar nenhum sonho; ou realizar todos eles."

"Entre Nós" dirigido por Paulo Morelli, é um ótimo filme nacional que retrata o tempo e o como ele age sobre nós. Quando jovens idealizamos e sonhamos com um futuro distante, mas quando o futuro se torna o presente e muitas das coisas imaginadas não se tornam realidade, o peso das decisões caem em nossas costas.
A história segue sete jovens amigos escritores que viajam para uma casa de campo para celebrar a publicação do primeiro livro do grupo. Lá, eles escrevem cartas para serem abertas dez anos depois. A viagem acaba em uma tragédia após a morte de um dos amigos. Mesmo assim, eles se reúnem dez anos depois para lerem as cartas. O elenco cria uma aura de amizade crível, os amigos são retratados de forma muito comum e real, papos descontraídos regados a bebida, risadas, brigas, tudo o que constitui a relação de amizade. No início vemos os laços, Felipe (Caio Blat), Rafa (Lee Taylor) e Silvana (Maria Ribeiro) confidenciam e vivenciam inesquecíveis momentos, Cazé (Júlio Andrade) e Drica (Martha Nowill) já denunciam que mais tarde seriam namorados, e Gus (Paulo Vilhena), e Lúcia (Carolina Dieckmann), é um casal apaixonado. Rafa tem a poesia pulsando em suas veias, Felipe é o cara que vive tentando escrever algo original e se deslumbra com os escritos do amigo. Em uma saída, os dois acabam sofrendo um acidente, do qual Rafa morre. Felipe salva o livro que Rafa tinha terminado recentemente e não conta para ninguém.

Nesse ponto a história salta dez anos e acompanhamos o reencontro desses amigos, Felipe conseguiu o almejado sucesso como escritor e está casado com Lúcia, e claro, carrega a culpa pelo acidente. Drica e Cazé tem um relacionamento, aliás Drica é uma personagem super magnética e interessante, ela sofre porque Cazé não deseja filhos. Gus é o romântico inveterado e Silvana é aquela que usufrui de sua bela e boa vida, mas continua sozinha suportando os fantasmas do passado. Todos os personagens são importantes para a trama, não há realmente um protagonista, mas é evidente que Caio Blat é que nos dá de presente uma atuação maravilhosa, ele guarda um segredo e convive com uma decisão que resultou na mudança de sua personalidade, ele se tornou uma figura complexa e sombria. Porém, outros personagens, como Gus, cético e sempre crítico nos brinda com ótimos e duros diálogos, e Lucia que deve ter se arrependido de abandonar Gus, a personificação do fracasso para se casar com o idealizado escritor famoso, que mais tarde se revelaria uma farsa.

Vale ressaltar a deslumbrante fotografia que destaca a Serra da Mantiqueira, a câmera passeia demoradamente pela imensidão verde e toda a melancolia que permeia esta história que por vezes trabalha de maneira excelente o suspense. Também a trilha sonora compõe perfeitamente as cenas e toda a densidade dos personagens. Um dos momentos mais intensos é quando Felipe chega perto de Silvana que está de costas à beira de um precipício e não sabemos o que ele irá fazer, difícil entender, até porque o próprio não se entende, interessante o clima criado como se algo ruim fosse acontecer.
É um filme que retrata a leveza da juventude e as ações que tomamos quando nos tornamos adultos responsáveis, arrependimentos e medos são expostos e ficamos incapazes de fazer qualquer julgamento, a vida acontece e certas coisas acabam fugindo do controle, resta apenas conviver com as escolhas. O final amargo reflete bem essa realidade.

"Entre Nós" é um longa intimista que traz diálogos cuidadosos, além de olhares, gestos e contemplação, é uma ótima pedida para tirar aquela impressão de que cinema nacional não tem seriedade e beleza. 

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Nada Pessoal (Nothing Personal)

"Nada Pessoal" (2009) dirigido por Urszula Antoniak é um filme minimalista, silencioso, e que desperta uma imensa vontade de se sentir só, de fugir para lugares inóspitos e ter a presença somente da natureza para ter noção do que realmente significa estar vivo.
Anne (Lotte Verbeek) é uma jovem mulher que, aparentemente devido ao fim de seu casamento, decide abandonar a Holanda, enveredando então numa viagem solitária pela Irlanda. É durante essa viagem que encontra uma casa, onde habita um homem chamado Martin (Stephen Rea), também ele bastante só. Anne acaba por trabalhar para Martin, a princípio a troco de comida, com a exigência de nunca trocar impressões pessoais de qualquer gênero. No decorrer desta aparente bizarra convivência, estas duas personagens solitárias vão-se lentamente aproximando, até que as suas almas se tocam e a solidão se torna conjunta. O filme é dividido em cinco partes, "Solidão", "O fim de uma relação", "Casamento", "Início de uma relação" e "Sozinha".
Anne devastada interiormente, cansada das relações pessoais decide se afastar de tudo, a vemos caminhando por lugares maravilhosos, dos quais intensificam o sentimento de estar só e refletir sobre o como vivemos nossa vida e o como acontecemos nela, Anne quando interrogada por alguém sempre dá respostas certeiras e duras, a cena logo no início em que procura alimento no lixo e uma família pergunta se precisa de ajuda, exemplifica. Seguindo o caminho, passa fome, frio, dorme em sua barraca improvisada e reflete. Um dia encontra uma casa, nela há um homem sozinho e triste, ela então começa a trabalhar em troca de comida e com o passar dos dias Martin lhe arruma mais tarefas e a relação vai se construindo, uma troca de solidões, nada revelam sobre si mesmos, Anne demonstra que qualquer pergunta de cunho pessoal irá embora, portanto Martin respeita. A mudança que acontece é vagarosa e não há nada mais bonito do que essas sutilezas retratadas, seja num breve sorriso ou numa troca de olhares. A naturalidade é a marca deste longa que prima por retratar um lado pouco explorado do ser humano, e dificilmente se encontrará um filme que explore tão bem a solidão.
A fotografia é convidativa e nos joga dentro desta relação que acontece tão lindamente sem rótulos e obrigações. Um filme que promove reflexões acerca de nós mesmos e o como lidamos com as relações que se formam durante a vida. Certa vez li que o melhor de uma relação é sentir-se confortável com o silêncio do outro, e para mim não há verdade maior. Muito se perde quando conhecemos demasiadamente uma pessoa, pois o que nos instiga é exatamente o mistério, por vezes as palavras apenas destroem a beleza do não saber. Anne não diz sobre si, mas Martin chega muito próximo dela, aos poucos, a descobrindo, e vice-versa.

"Nada Pessoal" é um filme que nos brinda com uma história reflexiva, ela nos puxa e vivemos juntos o isolamento dos personagens, e claro, a estonteante fotografia realça ainda mais o clima de imersão em si mesmo. É suave e profundo!

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Para Sempre Alice (Still Alice)

"Quando eu era bem nova, na segunda série, minha professora falou que borboletas não vivem muito, algo em torno de um mês, e fiquei tão chateada. Fui para casa e contei para minha mãe. E ela disse: 'É verdade. Mas elas tem uma linda vida'. E isso me faz pensar na vida de minha mãe, e na da minha irmã. E, de certa forma, na minha vida."

"Still Alice" (2014) baseado no livro homônimo da escritora e neuro-cientista Lisa Genova é um filme que aborda um tema desesperador, a ingrata doença chamada Alzheimer. Não tem como não lembrar do primoroso e duro filme de Haneke, "Amour" - 2012, mas aqui a história apesar de triste é mais embelezada. Julianne Moore como Alice está sublime, nos entrega de presente uma mulher forte e inteligente que de repente se vê aos 50 anos com uma doença genética que devastará suas memórias e sua identidade.
Alice Howland, uma bem-casada mãe de três filhos adultos, é uma renomada professora de linguística, que começa a esquecer as palavras. Ao receber um diagnóstico de Mal de Alzheimer, Alice e sua família terão seus laços testados. Alice é uma mulher ativa, formadora de opinião, mas em uma de suas palestras algo novo acontece, falta uma palavra, e por conseguinte pequenos lapsos de memória vão acontecendo, esquecimentos de datas, objetos, até que um dia correndo no parque se vê perdida. Isso a impulsiona a investigar, vai ao médico e não demora para que o diagnóstico se comprove em Alzheimer precoce, que acontece antes dos 65 anos e que só nesses casos é hereditário.
Alice tem uma família impecável, John (Alec Baldwin) um marido carinhoso mesmo tendo o trabalho em primeiro plano, Tom (Hunter Parrish), um filho se formando em medicina, Anna (Kate Bosworth), que está iniciando uma bela família, e a mais nova Lydia (Kristen Stewart) que não quer saber de faculdade e tem o sonho de ser atriz, é uma garota sonhadora e a que mais presta atenção na mãe apesar de estar longe. Kristen é aquela de sempre, não surpreende na atuação, mas sua personagem é a que nos dá a possibilidade de conhecer mais a fundo Alice. Ela dialoga com a mãe, questiona e quer saber como se sente, coisa que os outros filhos sendo ótimos não fazem.
Alice sabe que piorará e tenta colocar a mente para funcionar com joguinhos de palavras, e usa o celular como uma ferramenta imprescindível, também acaba gravando um vídeo para quando mais tarde estiver num estado crítico.
Para quem já conviveu perto de alguém que sofre dessas perdas diárias sabe o quanto é difícil, é uma doença solitária e que cabe muita paciência e compreensão, o estágio crítico talvez, seja quando os rostos conhecidos vão se tornando estranhos e jã não há mais resquícios de quem se é. Toda a identidade, coisas que marcam uma personalidade e que se fazem essenciais, se vão. Momentos de toda uma vida simplesmente escoam pelo ralo.

Muitas cenas envolvem uma grande carga emocional, muitos diálogos interessantes e informativos, o ponto alto da trama se concentra quando Alice em uma palestra sobre o Alzheimer relata o como é conviver com uma doença que a faz perder-se de si mesma, com muita dificuldade ela elabora um texto e vai marcando com a caneta as linhas que lê: "Sou uma pessoa vivendo no estágio inicial do Alzheimer. E assim sendo, estou aprendendo a arte de perder todos os dias. Perdendo meus modos, perdendo objetos, perdendo sono e acima de tudo, perdendo memórias. Toda a minha vida eu acumulei lembranças. Elas se tornaram meus bens mais preciosos. A noite que conheci meu marido, a primeira vez que segurei meu livro em minhas mãos, ter filhos, fazer amigos, viajar pelo mundo. Tudo que acumulei na vida, tudo que trabalhei tanto para conquistar, agora tudo isso está sendo levado embora. Como podem imaginar, ou como vocês sabem, isso é o inferno. Mas fica pior. Quem nos leva a sério quando estamos tão diferentes do que éramos? Nosso comportamento estranho e fala confusa mudam a percepção que os outros têm de nós e a nossa percepção de nós mesmos. Tornamo-nos ridículos. Incapazes. Cômicos. Mas isso não é quem somos. Isso é a doença. E como qualquer doença, tem uma causa, uma progressão, e pode ter uma cura. Meu maior desejo é que meus filhos, nossos filhos, a próxima geração não tenha que enfrentar o que estou enfrentando. Mas, por enquanto, ainda estou viva. Eu sei que estou viva."

"Still Alice" é um ótimo filme para conhecermos o como o Alzheimer age e se maravilhar com a linda atuação de Julianne Moore. Todo o processo impressiona e a cada olhar da personagem faz com que sofremos com ela e, inevitavelmente refletimos sobre o como somos frágeis. É real e por isso, dolorido. Um filme que transborda emoção!

"Quando não há certezas possíveis, só o amor sabe o que é verdade."

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Entardecer (Nachmittag)

"Não acho que ter medo seja algo para se envergonhar. Nada é mais fácil de se entender do que o medo. Somos mais ou menos feitos de medo."

Uma adaptação livre e pessoal, transposta para o aqui e agora, da peça de teatro "A Gaivota", de Anton Tchekhov. Irene, atriz de teatro, vai para sua casa no lago nas proximidades de Berlim, onde seu irmão mais velho e seu filho Konstantin moram. Verão, sol, lago - aparentemente um cenário idílico, mas os personagens estão escondidos em si mesmos. Uma atmosfera de cansaço, tristeza e de amor perdido paira sobre as cenas cotidianas.
"Entardecer" (2007) é um filme de silêncios que retrata o vazio e o reconhecer-se. É desconfortável assisti-lo e também cansativo, mas vale muito a pena, principalmente àqueles que gostam de refletir sobre si mesmos e a vida. Fria e distante são as relações, mãe, filho, tio, namorada, e amante, a solidão de cada um é medonha. Konstantin, filho de Irene é um jovem escritor que sente na pele toda uma inadaptação, sua mãe é atriz de sucesso no teatro, ausente ela não demonstra qualquer tipo de sentimento, Max, seu namorado atual é um escritor famoso que também aparece muito distante de Irene, Agnes é a vizinha de Konstantin, ele é apaixonado por ela, que é apaixonada por Max. Konstantin adora a melancolia do lugar em que mora com o tio, este que sofre com as dores da velhice. Já Agnes não gosta de viver ali e por isso acaba sempre desistindo de Konstantin.
Um belo filme, sua plasticidade é estonteante rodeada de melancolia e silêncios. A luz natural é algo que marca a direção de Angela Schanelec, que também atua no filme como Irene.
O tédio é exposto em "Entardecer", e nada melhor para simbolizar do que a imagem do lago. A particularidade do filme é justamente refletir instabilidades emocionais, as relações e o como é difícil nos ajustarmos perante à sociedade. De certa forma todos estamos à deriva tentando se agarrar n'algum lugar. 
Os diálogos são inteligentes e poéticos, um dos pontos mais altos do filme consiste no encontro de Agnes e Max, eles falam de si mesmos e refletem sobre medo e reconhecimento. Muitas ideias surgem a partir disso, por exemplo, enquanto via o filme pensei na autenticidade de algumas ações, afinal fazemos as coisas para nós mesmos ou pelos outros esperando reconhecimento? Max complementa no diálogo que o ser humano de tempos em tempos necessita que alguém nos reconheça, que olhem o que nem mesmo enxergamos em nós.

"De tempos em tempos queremos ser reconhecidos por alguém. A alma quando reconhecida se modifica. Torna-se mais bonita."
Por fim, "Entardecer" deve ser visto por almas sensíveis e pensantes que conseguem captar beleza nos silêncios, e que gostam de se aprofundar em questões que permeiam o cotidiano. É uma obra singular e que promove sentimentos diferentes em cada um que o assiste.