"O Silêncio" (1998) de Mohsen Makhmalbaf é um filme de simbolismos e poesia. Simples, mas magnânimo ao mesmo tempo. O cinema iraniano tem essa característica tão linda que faz nos encantar com obras singelas, histórias que aos olhos de pessoas sensíveis tornam-se preciosidades. Mohsen Makhmalbaf tem sensibilidade de sobra, vide sua filmografia com obras como "Gabbeh" - 1996, "A Caminho de Kandahar" - 2001, "O Grito das Formigas" - 2006. "O Silêncio" é filme para se recomendar sem medo, a beleza está em cada palavra, gesto e situação, ele se desenrola de maneira tão sublime que consegue nos fazer sorrir e chorar no mesmo instante.
Numa aldeia na fronteira entre o Irã e o Tadjiquistão, Khorshid, um menino cego desenvolve um ouvido aguçado para construir o mundo que não consegue enxergar. Vivendo apenas com sua mãe que passa o dia pescando, ele fica com a missão de ganhar o dinheiro para casa trabalhando afinando instrumentos. Acompanhamos alguns dias desse garoto que sob pressão para conseguir pagar o aluguel atravessa diversas dificuldades, como o trajeto em que faz de ônibus. Khorshid em razão da cegueira desenvolveu uma audição extraordinária tendo facilidade em transformar barulhos rotineiros em música, no que acaba dando a ele uma outra concepção de mundo. O 1º movimento da 5ª sinfonia de Beethoven, em especial, exerce fascínio no garoto, e o "pam-pam-pam-pam" dá o tom à história.
Para chegar ao local do trabalho ele foge dos estímulos auditivos tampando os ouvidos, pois tem medo de descer no ponto errado ao ouvir as músicas que a rotina fornece, em uma das cenas mais lindas vemos Khorshid se perdendo por causa da música que ele ouviu e decidiu seguir, nisso a sua amiga Naderah preocupada o procura, sabendo como seu amigo entende os sons ela tem a ideia de fechar os olhos e seguir se orientando apenas pela audição, e dessa forma acaba o encontrando. O som é algo impressionante neste filme, como as vozes em harmonia, impossível não se encantar toda vez que Naderah diz: "Khorshid". É suave e delicado.
Naderah que sempre acompanha Khorshid mescla inocência com uma dose de sensualidade, a maneira que ela coloca as cerejas nas orelhas as transformando em brincos e as pétalas de flores nas unhas fazendo-as de esmalte são momentos visuais únicos, inclusive a fotografia é de uma delicadeza sem tamanho. As cenas nos embebedam com tantas sutilezas, é sensorial e sinestésico. O menino carrega uma responsabilidade enorme para sua idade e condição, mas ao fim despedido de seu emprego e despejado de sua casa consegue atingir a realização, e dá asas a sua imaginação chegando ao ápice de sua sensibilidade auditiva regendo diversos operários moldando objetos com suas ferramentas ao som da 5ª sinfonia de Beethoven.
Extremamente lindo quando o cinema consegue unir à música de maneira uniforme, o filme é tão visual quanto auditivo, e o mais interessante é que todas as cenas evidenciam essa mescla de forma simples. É como na música, ele vai evoluindo, evoluindo, até se transformar no que se chama apogeu.
Em declaração Mohsen Makhmalbaf disse que o filme faz referência a sua infância, pois quando criança sua avó dizia que se ouvisse a música iria para o inferno, então sempre saia para rua tampando os ouvidos, sendo que mais tarde a 5ª sinfonia de Beethoven seria a primeira música a escutar. É deveras uma bela obra de arte concebida por esse diretor que merece uma imensa lista de elogios.
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