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terça-feira, 10 de junho de 2014

A Canção dos Pardais (Avaze Gonjeshk-ha)

"A Canção dos Pardais" (2008) dirigido por Majid Majidi (Os Filhos do Paraíso - 1997) é um filme lindo, poético, cheio de metáforas e dilemas. A simplicidade é a grande marca deste diretor tão sensível.
A trama retrata Karim, um homem trabalhador que tem como profissão cuidar de uma fazenda de avestruzes, algo que requer bastante esforço e amor. O dinheiro é pouco e o custo de vida aumenta a cada dia, as necessidades aparecem aos montes, principalmente quando sua filha precisa de um novo aparelho auditivo. O filho menor tem o sonho de transformar a cisterna abandonada que fica próxima de sua casa em um aquário com peixinhos dourados. Karim repudia essa ideia e toda vez que o encontra lá com outros meninos o repreende. A vida segue até que um dia Karim é responsabilizado pelo sumiço de um avestruz e acaba sendo despedido. Para manter a casa e juntar dinheiro para o aparelho da filha começa a trabalhar acidentalmente de mototáxi na capital, Teerã. Dia após dia ele luta com a concorrência e com trabalhos que infringem sua moral, Karim é um homem do campo, honesto, com valores, orgulho, mas conforme vai se habituando ao ritmo da cidade, esses valores começam a se distanciar. A ânsia de ganhar mais e mais dinheiro, o passar por cima de outros trabalhadores, e tudo isso vai consumindo-o de maneira natural, o mais triste é que esquece do aparelho auditivo da filha e trata de maneira rude seu filho que apresenta uma rara esperança e alegria.
Karim todos os dias leva algo para casa, uma janela, uma porta, quinquilharias que não vai usar, mas mesmo assim as guarda, uma bela metáfora ao consumismo, onde compra-se em demasiado sem realmente precisar, no que acaba ficando parado e o pior, não passando pra frente, veja a cena em que a mulher dele dá a porta para uma amiga que necessitava, o quão triste é ver aquele homem se tornando num alguém egoísta e mesquinho. Ele buscou a porta e andou com ela nas costas por um longo caminho e a empilhou lá com a desculpa que iria usar. Ele fez uma pilha imensa no quintal de sua casa, coisas que ia pegando pelos lugares que passava, um dia ele cai lá do alto e se machuca feio, de cama Karim tem tempo de sobra para repensar seus valores e olhar a vida com outros olhos. A partir daí começamos a ver mais de perto o sonho de seu filho, e a delicadeza de sua filha ao mentir sobre o aparelho auditivo, são momentos únicos, mas extremamente profundos.

Sem poder fazer nada Karim observa o esforço de sua família, a mulher e seus filhos trabalhando, e o mais incrível, vê que o sonho de seu filho está virando realidade, ele e seus amigos limparam a cisterna e ganharam os tais peixinhos para o aquário desejado, também vê a filha dizendo que consegue ouvir, quando na verdade lê os lábios para entender. Ele acompanha a vida nos seus detalhes, e percebe o quanto se distanciou da tranquilidade e do amor. Mas infelizmente não há ganhos nesta história, talvez para mostrar que é através das perdas que nos tornamos fortes e sábios, dando valor para o que realmente é de verdade.
A cena mais bela é quando os garotos percebem que o balde com os peixes está furado, e então juntos correm para poder salvá-los, só que no caminho derrubam e aos prantos tentam juntá-los no chão. Perde-se tudo na vida, menos os sonhos, sempre há um recomeço para poder libertá-los de novo, a canção ao final revela este pensamento através dos olhos cansados de Karim, e dos sorrisos que se abrem aos poucos nos rostos das crianças. Há um futuro ali, mesmo que incerto.

Majid Majidi é um diretor de sensibilidade única, são histórias simples, situações que podem parecer mínimas, mas que na verdade contém uma carga reflexiva muito forte. E apesar de mostrar uma cultura tão diferente da nossa, ao mesmo tempo é parecida, até porque os filmes de Majid retratam sentimentos. E não há nada mais universal que isso.
Para aqueles que desejam conhecer o cinema iraniano, Majid Majidi é uma ótima iniciação, são filmes para corações sensíveis, pessoas que capazes de enxergar além das superficialidades, são sentimentos verdadeiros que acometem qualquer ser humano em qualquer parte do mundo.

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