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segunda-feira, 29 de julho de 2013

O Mestre (The Master)

Paul Thomas Anderson após cinco anos desde "Sangue Negro" (2007) retorna mais uma vez à direção, produção e escrita de um longa curioso que mantém as peculiaridades e qualidades do diretor, apresentando o ator Joaquin Phoenix dando uma aula de atuação e entregando-se completamente a seu personagem.
No início de "O Mestre" vemos Freddie Sutton em uma ilha, sofrendo as amarguras das quais a guerra consegue propiciar a mente de uma pessoa. Após uma confusão envolvendo sua fórmula especial de bebida alcoólica, Freddie vai parar no navio de Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), que o trata bem desde o início e o convida para participar do encontro e festejamento que está acontecendo, imediatamente o introduzindo à conceitos curiosos e uma forma não convencional que de primeira vista mais parece com técnicas de psicologia do que uma seita que acredita em vidas passadas, futuras e uma infinidade de crenças que ficam confusas no decorrer do longa, que podiam ser mais bem explicadas, mas mesmo assim não afetam na proposta e resultado final.
Freddie passa a admirar muito Lancaster, e este o "adota" para ser seu mestre quando penetra aos poucos na mente perturbada do ex-soldado, a cada discurso do mestre notamos o olhar de Freddie que às vezes exterioriza o quão fica confuso, com isso a mulher de Lancaster, Peggy Dodd, logo sente receio do mais recente membro da família, pois nas sessões de "processamento" (volta à vidas passadas) ele mais fica distante em seus pensamentos do que presta atenção, como se começasse a sentir que aquilo ali era pura besteira. Na cena em que um convidado a assistir um processamento no apartamento de uma senhora questiona o perigo do Movimento da Causa alegar que cura a leucemia e logo depois Freddie vai ao apartamento do homem e o surra é possível notar que sua adoração é pelo mestre em si e não sua ideologia centralizada nele mesmo, somente em seus livros, um homem que quando questionado fica extremamente nervoso e sem muitos argumentos para defender sua amada Causa, mas que deu a Freddie uma razão para seguir adiante e o submete a várias sessões de andar de um lado para o outro na sala e imaginar o que vê de olhos fechados enquanto toca a parede, depois de fazer muito isso parece que ele aderiu ao movimento e é aí que tudo desmorona e prefere partir, vemos que escolhe seu caminho e a única coisa que queria era a amizade de seu mestre bajulado pelos seguidores fanáticos e só admirado pelo seu esquisito amigo de trejeitos no mínimo bizarros, andar e colocação das mãos na cintura característicos de seus vários tiques.

No fim a história é mais do personagem de Joaquin Phoenix, que mostra que precisava de direção e não ideologia ou alguém que o ordenasse a acreditar em algo que ele não vê como possa haver sentido, afinal o Homem, apesar de necessitar de um mestre, esse não precisa ser necessariamente uma pessoa e suas ideologias calcadas em uma mente criativa, mas sim somente alguém com quem se preocupar e gostar de passar o tempo junto, sair, sem ter de se escravizar por algo religioso, ideológico ou político, ou uma 'Causa'.

sábado, 27 de julho de 2013

Deixa Ela Entrar (Låt Den Rätte Komma In) + Deixe-me Entrar (Let Me In)

"Deixa Ela Entrar" (2008) pode ser considerado um dos melhores filmes sobre vampiros, ele também retrata a transição da adolescência, dos assuntos que a rodeiam, como a paixão, que é retratada sem ser piegas ou clichê.
Ambos os filmes foram feitos a partir de uma mesma história, o best-seller escrito em 2004 por John Ajvide. O remake americano "Deixe-me Entrar" (2010) tem uma boa ambientação, interpretações, mas não supera o clima sombrio que o original (sueco) transmite.
A história acontece no subúrbio de Estocolmo, em 1982. Oskar (Kare Hedebrant), um frágil garoto de 12 anos sempre atormentado pelos colegas de escola, sonha com vingança. Ele se apaixona por Eli (Lina Leandersson), uma garota bonita e peculiar que não suporta o sol e comida. Eli dá a Oskar força para lutar, mas o menino é colocado frente a um impasse quando percebe o que ela precisa fazer para sobreviver.
Oskar é um menino de aparência quase albina, é retraído, sofre com a separação de seus pais e diariamente apanha na escola. Um dia conhece Eli, uma menina estranha que mudou ao lado de seu apartamento com um suposto pai. Com o passar do tempo os dois desenvolvem uma amizade bem particular. O que Eli deseja de Oskar? Será que ela o ama ou ele é apenas um meio para sua sobrevivência? De fato, depois de se tornarem íntimos, Oskar ganha força e enfrenta seus colegas, e se torna mais valente e seguro. O ambiente frio, branco e afastado com as duas crianças pálidas, deprimidas e sozinhas dão um tom muito sombrio ao filme.

Interessante observar como Oskar aceita Eli de maneira terna depois que fica sabendo que é uma vampira. Não dá para deixar de comentar sobre as cenas de ataques que são ótimas, assim como a do final, em que envolve os colegas de Oskar na piscina, e também o da mulher que não consegue suportar o fardo que lhe espera depois de ser transformada. Eli está fadada a ser uma menina de 12 anos para sempre, e Oskar envelhecerá, portanto será que seu destino vai ser o mesmo daquele homem que supostamente era visto como pai de Eli pelos demais?
É um filme que aborda o vampirismo, e consegue ainda captar a dificuldade de ser adolescente, em questões de família, bullying, a incompreensão, e a paixão. Mesclando terror, drama, romance e suspense é um filme original e estranhamente bonito!

Os remakes são interessantes por poder dar ênfase em alguma parte que ficou meio de lado no original, principalmente quando a obra é baseada em um livro, ou seja, explorando algo novo dentro da mesma história.
Em "Deixe-me Entrar" o menino Owen é vivido por Kodi Smit-McPhee, zoado sempre pelos colegas de escola e negligenciado por seus pais em vias de se divorciar, ele passa os seus dias planejando a vingança e as suas noites espiando o que acontece nos outros apartamentos da vizinhança. Então ele conhece a nova vizinha Abby (Chloe Moretz), menina que mora com seu silencioso suposto pai (Richard Jenkins). Como no original a ambientação é fiel, tem clima sombrio, porém com interpretações mais sentimentais, as diferenças são bem sutis e não há nada que fuja muito da história.
Algumas partes ficam a mercê de nossa imaginação, pois o filme só dá a entender, é preciso ler o livro para compreender na totalidade. 
"Deixa Ela Entrar" é uma obra original dentro do tema, e o remake não fica devendo, tem  todo o mistério e obscuridade que esse universo pede. 

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Quando Nietzsche Chorou (When Nietzsche Wept)

"Quando Nietzsche Chorou" (2007) é baseado no livro homônimo de Irvin D. Yalom. É um conto fictício, embora trabalhe com personagens reais. A história é sobre o encontro do filósofo Nietzsche com o médico Josef Breuer, ambos encontravam-se em fases atormentadas: Nietzsche apresentava tendências suicidas (o ano provável é 1882, quando Assim Falava Zaratustra ainda não tinha sido lançado), Nietzsche costumava dizer que era um filósofo póstumo, e que seus alunos ainda não haviam nascido, enquanto Breuer estava passando por uma crise por ter se envolvido com uma de suas pacientes, Bertha Pappenheim (a qual era referida como Anna O). Lou Salomé, única paixão da vida de Nietzsche e namorada de Paul Rée, procura Dr. Breuer para que ele trate do famoso filósofo com a sua nova e controversa técnica de terapia através da fala, sem que este se dê conta de que está passando por uma sessão de terapia. Para convencer Nietzsche a permanecer em Viena, Dr. Breuer inventa uma tática engenhosa: diz que vai tratar a parte física de Nietzsche, que sofria de enxaquecas terríveis, enquanto este o ajuda a entender seus próprios problemas através da filosofia. Ambos os homens passam, então, a encontrar-se todos os dias e suas vidas mudam drasticamente.
Nietzsche consegue perturbar Breuer logo que começa a falar de seus sintomas ou sobre sua filosofia, o Dr. é um ser inteligente, porém aprisionado em seus próprios sentimentos e verdades, Nietzsche o ensina a ter um pensamento livre e analisar suas escolhas. O filme é fraco em relação ao livro, que é recheado de diálogos e informações, o filme acabou condensando fatos e personagens, deixando-os sem profundidade. Claro que filme e livro tem linguagens diferentes, mas é recomendado que seja assistido só por quem tenha lido o livro, de outra forma ele se torna cansativo e efêmero.
Ler Nietzsche é como abrir gavetas que estavam fechadas há tempos, ele expõe a realidade de maneira seca e você que se vire para lidar com isso. A verdade é incômoda, porém obrigatória. Apesar de ser um encontro fictício, há fatos verídicos e as filosofias de cada um são fiéis. O que a história quer passar é que independente de seus personagens, falar e desabafar ajuda aliviar o peso que carregamos, ele mostra o início da psicanálise tão difundida por Freud tempos depois, este que também aparece no filme e tem longas conversas com o Dr. Breuer sobre o estado de Nietzsche e do próprio Breuer, que encontra a cura de seus pensamentos obsessivos através da hipnose.

Não é um filme profundo, mas válido para quem leu o livro, retrata um pouco os pensamentos de Nietzsche que tanto perturbavam Breuer. O que no início era apenas um acordo com Lou Salomé para tratar do desespero de Nietzsche ao mesmo tempo em que tratava de sua enxaqueca, se tornou um encontro de dois seres pensantes que ficaram amigos pelo método da fala.

"Quando Nietzsche Chorou" virou um best-seller, se trata de uma ficção histórica escrita por Yrvin D. Yalom, psicanalista norte-americano. A história simula o encontro do pioneiro médico Dr. Josef Breuer, mestre do grande psicanalista Sigmund Freud com o revolucionário filósofo Friedrich Nietzsche. A trama desenrola-se no cenário da Viena do século XIX, iniciado a partir de um encontro feito pela jovem Lou Salomé, amiga de Nietzsche (por quem ele se apaixonara), com o proeminente médico que havia ficado famoso por curar a ainda obscura Histeria: o Dr. Josef Breuer. A jovem inicia seu contato afirmando que o futuro da filosofia alemã está em jogo, pois o grande filósofo Nietzsche corria o risco de suicidar-se. Assim, solicita ao Dr. Breuer  que o atenda, mas, para isso, Nietzsche precisa acreditar que trata-se apenas de uma consulta clínica sobre suas fortes dores de cabeça. Isso deve-se ao fato de que Nietzsche tem como premissa a questão da dívida presente nas relações sociais, jamais podendo aceitar receber uma ajuda, sendo necessário haverem valores pré-estipulados de troca, o que não era possível no ainda experimental tratamento psicológico, além de não admitir que possuía problemas que não fossem as suas enxaquecas.
Como o livro propõe Nietzsche é apenas um personagem, não espere encontrar o grande filósofo Nietzsche, mas dá para ter uma ideia de muitos de seus pensamentos, os diálogos com o Dr. Breuer são interessantíssimos e nessa parte simplesmente avança-se muito na leitura, não é uma leitura profunda, mas cria-se muita simpatia por ela, ainda mais depois de ler a nota do autor.
"Quando Nietzsche Chorou" tornou-se um livro pop, mas isso não o torna menor, ao contrário, esse sim deve ser o tipo de leitura que deve ser disseminada e compreendida em sua totalidade.

"Jamais alguém faz algo totalmente para os outros (...) todas as ações são autodirigidas, todo serviço é autosserviço e todo amor é amor próprio."

"O desespero é o preço pago pela autoconsciência. Olha profundamente para dentro de si e sempre encontrará o desespero."

"A vida é uma centelha entre dois vácuos idênticos: a escuridão antes do nascimento e aquela após a morte."

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Marina Abramovic: A Artista Está Presente (Marina Abramovic: The Artist Is Present)

Marina Abramovic é uma performer que começou sua carreira no início dos anos 70. Ativa por três décadas, ela recentemente começou a se descrever como a "avó da arte da performance". O seu trabalho explora a relação entre o performer e o público, os limites do corpo, e as possibilidades da mente.
O documentário começa mostrando o frenesi do dia de abertura da exposição "The Artist Is Present", uma retrospectiva dos quarenta anos de sua carreira, que inclui intervenções, peças sonoras, obras em vídeo, instalações fotográficas, performances solo e coletivas tudo feito por jovens artistas no Museu de Arte Moderna (MOMA) de NY. Depois disso, o filme regride seis meses e nós encontramos Marina Abramovic em seu escritório, uma mulher elegante, mas comum. O contraste imposto pelo diretor Matthew Akers é marcante: Marina, a mulher que quase morreu asfixiada pela fumaça em uma apresentação que resumia-se em ficar no meio de um pentagrama em chamas, é mostrada em sua intimidade nas mais variadas atividades.
A aparição de Ulay é um dos grandes pontos do documentário, cujo há depoimentos sobre ela, Ulay foi seu parceiro em todos os quesitos, ele desenvolveu uma intensa colaboração artística, mostrando suas performances na batalha dos sexos. A relação durou 12 anos, e depois passaram mais de 23 anos distantes, até que se encontram novamente na exposição, onde Ulay oferece sua experiência do relacionamento. O documentário começa a nos emocionar quando mostra Marina junto ao público em uma performance que se desenrola por 3 meses, que consiste em estar sentada estática e olhar fixamente para quem se senta à sua frente, canais de comunicação são abertos para que a artista se torne próxima das pessoas.
No começo da carreira Marina disse ter escutado muito durante a suas entrevistas se tudo aquilo era arte mesmo, e nós compartilhamos dessa ideia no início, e de fato é de se estranhar, porém a resposta de que tudo que Marina se dispõe a fazer, vem de uma maneira arrebatadora. Difícil colocar em palavras o sentimento que causa ao assisti-la lá parada concentrada expondo o seu eu perante as pessoas, não dá para afirmar que está representando, é uma linha muito tênue que nos confunde e emociona. É incrível como cada uma das pessoas que se senta à sua frente sente um tipo de sensação, alguns choram, outros sorriem, outros ficam curiosos, interrogativos, ou tentam persuadi-la, mas todos de alguma forma se sentem vulneráveis diante dela.

As pessoas estão distantes umas das outras hoje em dia, pouco se vê gentilezas e gestos de carinho para com o outro, através dessa performance vemos o quanto somos carentes de atenção e que um único olhar é capaz de nos desmanchar e aliviar de um grande peso. As pessoas se despem diante ao seu olhar, vemos dor, alegria, raiva, desespero, curiosidade, mas ninguém sai imune a essa experiência. Quando Ulay senta-se e Marina levanta a sua cabeça e o olha, sem dúvida é o momento mais emocionante, vemos pelos olhares tantas coisas, saudade dos tempos vividos, o amor em comum pela arte, também ternura, respeito e perdão. O gesto de tocar as mãos é dotado de uma sensibilidade gigantesca.
O sacrifício de Marina ao ficar sentada por tanto tempo sem se mover dá a conotação de mártir, o cansaço físico é tanto que é preciso uma certa abstração, mas ela precisa estar presente, se ela sumir e seu olhar se tornar distante as pessoas perceberão. Isso tudo é incrível, Marina Abramovic é um ser humano diferenciado, teve seus problemas na infância, mas tudo colaborou para que se tornasse essa pessoa maravilhosa e única.

Há algo que incomoda, a idolatria, vemos pessoas se desesperando, suportando filas, dormindo na porta do museu, tudo por um número que os levará a se sentarem diante a sua deusa, isso chega a desmanchar a aura da arte, irritante essa glorificação, eles não pensam no absurdo em que estão fazendo, claro que o artista merece reconhecimento quando seu trabalho é bem feito, digno de aplausos e lágrimas como o de Marina, só que esta coisa de fazer tudo por um ídolo (o que um artista não deve se tornar), quebra o encanto, realmente estraga e se torna fútil. A arte em si termina em segundo plano.
É fato que qualquer esquisitice pode ser denominada como arte, exemplos não faltam, até cocô enlatado é arte, vide "Merda d'Artista" do italiano Piero Manzoni, a nós meros mortais resta admirar ou se abster de tudo isso, a arte tem que provocar e comover, que não se torne efêmera, e que acrescente.
"Eu tenho 63 anos, e não quero mais ser alternativa", diz Marina Abramovic. Foi só depois dos quarenta anos de carreira, com muito do seu tempo dedicado a administração e ao marketing, que conquistou com o auxílio de ampla cobertura da mídia, o status de estrela do universo artístico. A performance segundo Marina Abramovic é uma abordagem direta e emocional, inferior apenas a música.

É raro alguém olhar pra você, quando digo olhar, é no sentido mais amplo da palavra, aquele olhar que dá atenção, aquele que te acalma e te respeita. No momento em que sentam e olham para Marina, alguns se enxergam como um autorretrato, sentem que estão a olhar a sua individualidade como se ela fosse um espelho e, por isso a maioria chora. 
O documentário é uma experiência fantástica, nos leva a tantos pensamentos, a rever tantas atitudes, e se isso não for arte, não sei o que pode ser.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Transylvania

O diretor Tony Gatlif (Exílios - 2004) é adorado por seus filmes alternativos em torno do mundo cigano, e "Transylvania" (2006) é mais um dos que focam nessa imensidão cultural. Apesar de ser um drama ele é completamente contagiante devido a trilha sonora, que é espetacular.
Zingarina (Asia Argento) está grávida e junto de sua amiga Marie (Amira Casar) viaja rumo à Transylvania, na Romênia. Ela está à procura do homem que ama, Milan (Marco Castoldi), que conheceu na França, mas que foi embora sem qualquer explicação. Ao reencontrá-lo, Milan rejeita Zingarina. Sua vida apenas melhora quando conhece Tchangalo (Birol Ünel), um homem solitário que, assim como ela, é livre. Zingarina é uma mulher em busca do amor, ela deseja ser amada e para isso não existe fronteiras ou obstáculos. No início acompanhamos a sua busca pelo amado em toda Transylvania, e conforme as coisas acontecem o lugar de algum modo a prende lá. Desconsolada pelo fora que levou do cara que procurava, sai pelas ruas chorando e encontra Tchangalo, um cigano que dá golpes em velhinhas.
Interessante como o filme é sedutor, a vida nômade que aparentemente pode soar desconfortável se revela fascinante. Tanto no personagem de Tchangalo que é um homem rude, mas cuja beleza exótica arrebata, como Zingarina, uma mulher perdida que não sabe o que irá fazer a partir do momento em que foi deixada e assume a identidade cigana. A música é outro personagem, as pessoas daquele lugar respiram música e a todo instante vemos violinos, sanfonas e danças acompanhando a história.
Tony Gatlif nascido na Argélia e filho de pais ciganos coloca em seus filmes a riqueza cultural de seu povo, que é visto muitas vezes com maus olhos. Tony faz cinema para quebrar esteriótipos mostrando a autenticidade de seu povo.
"Transylvania" é um filme delicioso, pois incorpora o drama ao ritmo frenético das músicas com um toque de romance pouco convencional. Zingarina e Tchangalo se juntam e saem por aí, ela encontra de certa forma um ombro amigo e para ele que também é só, uma mulher não é uma má companhia.

A personagem de Asia Argento tem explosões durante todo o filme, mas nada se compara com a cena em que ela sai do carro de Tchangalo, corre pela floresta gritando e se joga no chão desesperada agarrando as folhas e a terra.
O filme tem uma diversidade cultural incrível, e o cigano nada mais é que essa avalanche de tudo, pessoas que não se enquadram no sistema e que foram marginalizadas.
A trilha sonora pitoresca é o ponto forte do filme, é deslumbrante a junção de todos os elementos, a vida cigana retratada encanta. "Transylvania" seduz completamente, pois a liberdade é algo que todos nós almejamos, assim como o amor.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Laurence Anyways

"Laurence Anyways" (2012) é o terceiro longa de Xavier Dolan (Eu Matei Minha Mãe - 2009). Sua história é complexa, pois trata de um tema que muitos ainda não discutem e do qual nutrem preconceito. O início se dá com Laurence Alia (Melvil Poupaud) já vestido de mulher andando pelas ruas, enquanto ele caminha os olhares das pessoas o segue e dizem várias coisas, tais como, curiosidade, preconceito, estranheza, desdém, medo, etc. Tudo ao som de "If I Had a Heart" de Fever Ray. Daí o filme volta dez anos, mostrando Laurence em uma vida comum, dando aulas de literatura e com sua namorada Fred (Suzanne Clément), em um relacionamento bem divertido e ao mesmo tempo estranho. Há também uma narração em off, uma entrevista sobre a vida de Laurence.
O filme segue lento até que Laurence já não aguenta mais viver fingindo e conta para Fred que sempre teve a vontade de se vestir de mulher, que não se identificava como homem apesar de sua orientação sexual continuar a mesma. Ou seja, por fora ele queria se transvestir, sua identidade de gênero era feminina, mas sua orientação sexual continuava masculina. Para sua namorada foi um choque, mas é impressionante a maneira gradativa que vai aceitando-o, ele precisava dela para realizar a mudança, essa que foi bem aos poucos, primeiro a maquiagem, unhas pintadas e uma roupa feminina básica.
A cena em que ele se transveste pela primeira vez e vai dar aula é ótima, a forma como os alunos reagem e seu medo de ser rejeitado, tudo é mostrado perfeitamente, acho que essa cena é a única que passa o drama mais denso do personagem, o restante é o desenvolvimento e o cair de seu relacionamento com Fred, que aliás a atriz Suzanne Clément faz divinamente, ela passeia por inúmeros sentimentos em minutos, se irrita, chora, se desespera, sofre, grita, sorri, ama e odeia. A força do filme reside nessa personagem, ela retrata bem o que é ser surpreendida por alguém que ama.
Há muitas cenas que não dizem absolutamente nada, é praticamente um desfile ao som de uma trilha sonora descolada. A direção é afetada e não imprime o drama do personagem. Closes e passagens em slow motion dominam, tudo para ter uma estética cool. A ideia é genial, mas vai minguando no desenvolvimento.

O assunto principal é pouco explorado e nem todos entendem a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual, e é disso que o filme trata afinal. Laurence não é gay, apesar de sentir necessidade de se vestir de mulher. É inevitável não se lembrar do cartunista Laerte que há algum tempo apareceu vestindo-se de mulher. A situação é parecida com o filme.
É um tema muito em voga, mas o longa ficou no seu mundinho e não deu chances a várias questões, como os direitos de ir e vir e a maneira de como a sociedade se porta diante o "diferente", poucas cenas exploram aspectos interessantes, uma delas é quando Laurence é despedido, mesmo sendo intelectualizado e inteligente para exercer sua profissão, foi preciso apenas algumas denúncias para seu cargo ser retirado, a alegação foi que estava sofrendo de demência.

O filme tem imagens deslumbrantes, cenas maravilhosas, trilha sonora perfeita, mas o roteiro fica girando e nada se define, não tem densidade e parece que fica no ar. Destaque para a atuação intensa de Suzanne Clément que garante momentos surpreendentes, como a do restaurante. Quem nunca teve vontade de mandar todo mundo tomar naquele lugar por estarem olhando torto pra você? Pois é, ela faz, sua raiva foi emergindo até que não aguentou mais, a garçonete perguntava sem parar coisas pessoais para Laurence, sendo que ela nem o conhecia, foi um show de atuação, e sem dúvida, uma das melhores cenas que querem de fato dizer alguma coisa.
"Laurence Anyways" possui muitos closes, cenas em câmera lenta que ora parecem um videoclipe pop, ora metáforas visuais, é um pouco cansativo, tem quase três horas de duração, exagerado em alguns pontos, mas super válido por sua ideia. Xavier Dolan é um jovem cineasta que está despontando por suas belas e pertinentes obras. Vale conferir! 

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Dear Zachary: Um Caso Chocante (Dear Zachary: A Letter to a Son About His Father)

"Dear Zachary" (2008) é um documentário de uma força extraordinária capaz de nos tirar do eixo e mudar muitos de nossos pensamentos.
Dirigido por Kurt Kuenne, o filme retrata a história de seu amigo Andrew Bagby, assassinado pela namorada Shirley, que descobriu estar grávida após o crime. O documentário foi especialmente produzido para esse filho que iria nascer. Então, Kurt visita várias pessoas que eram próximas a Andrew e pede para que elas compartilhem seus sentimentos e lembranças. Porém, durante as filmagens novos acontecimentos mudam o foco de Kurt.
O início parece apenas uma homenagem de um grande amigo, e emociona pelo fato do cara ser muito amado, ter muitos amigos, uma família incrível e uma liberdade única com seus pais. Várias cenas mostram Andrew e Kurt na infância brincando de fazer filme. O documentário é um enorme desabafo, principalmente de seus pais sobre a justiça, pelo fato desta não ter dado a guarda da criança a eles e deixando à solta uma psicopata.
O Andrew retratado é um ser humano cativante, de boa índole, inteligente, próspero e com grandes pessoas ao seu lado. Shirley, a assassina se livra da cadeia por diversas vezes, e inclusive permanece com a guarda de Zachary. Os avós fazem grande esforço para conseguir visitá-lo e lhe dar amor e carinho. Nesta parte a indignação surge, pois a justiça não existe, ela simplesmente beneficiou uma pessoa perturbada e ainda lhe deu uma criança.
O documentário pode ser dividido em duas partes, sendo o foco da primeira em mostrar a declaração de amor e também o sofrimento dos pais pela perda do filho, a alegria em saber que um pedacinho dele irá nascer e que assim poderão de alguma forma amenizar a dor. Quando acontece a batalha judicial pela guarda de Zachary e a oscilação da justiça na prisão de Shirley, o sentimento de revolta e desgosto é imenso, nos colocamos na pele daquelas pessoas, a dor salta da tela, e consequentemente lágrimas escorrem de nossos olhos.

A segunda parte foi um fator surpresa que aconteceu no meio da produção do documentário, que intensifica ainda mais essa dor e mostra o quanto David e Kathleen Bagby (pais de Andrew) são pessoas especiais, que tiveram forças para continuar e lutar por seus direitos, transformando a tristeza em energia para brigar e combater as leis que tiraram parte de suas vidas. A impunidade é extrema nessa segunda parte, mas o final deixa uma mensagem muito importante, que mesmo que as leis sejam atrasadas e oscilem na condenação de um criminoso ainda que esteja na cara que é um alguém perturbado, calculista, egoísta e tantas outras características pertencentes a um psicopata, existem outras formas de buscar justiça. Os pais de Andrew exemplificaram isso, tiveram voz ativa, se rebelaram contra as leis, questionaram e clamaram pela verdadeira justiça. Infelizmente, as mudanças ocorrem de fato apenas quando algo pior acontece.

A sensação que esse documentário passa é a falta de sentido em tudo, não tem cabimento um casal de idosos lutar pela guarda do neto com uma criminosa, que como em vários outros casos a lei não optou pelo conforto da criança. O filme apesar de triste não tem intuito de ser melodramático, é direto e coloca o dedo na ferida.
Em certas cenas o ritmo frenético enfatiza o quanto foi ridícula as decisões tomadas pela justiça. É um peso que nenhum ser humano pode suportar. Há muitas coisas que não dá para entender, é pura maldade em destruir a alegria e a vida de alguém. Os depoimentos das pessoas próximas da família Bagby é um dos grandes pontos do filme, são palavras que permanecem conosco por um bom tempo. Por fim, "Dear Zachary" é um documentário intenso e triste, mas necessário e que transmite uma enorme força.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Possuídos (Bug)

"Bug" (2006) dirigido por William Friedkin (O Exorcista - 1973) é um filme de terror psicológico, esqueça o título traduzido, pois ele dá a falsa impressão de ser um filme comum de terror e não faz jus a história. E se pudesse categorizá-lo em apenas um gênero, seria o drama. Essas traduções têm o único intuito de vender o produto para um público maior que compra pela primeira impressão, infelizmente destrói completamente o contexto da obra. "Bug" que significa inseto conta a história de Agnes White (Ashley Judd), uma garçonete que escapou de seu ex-marido Jerry Gross (Harry Connick Jr.), recém-saído da prisão. Ela vive em um hotel de beira de estrada e é apresentada por R.C (Lynn Collins), sua colega de trabalho, a Peter Evans (Michael Shannon), um veterano da Guerra do Golfo. Peter é obcecado por insetos e logo se relaciona com Agnes. Porém ela passa a viver um pesadelo claustrofóbico quando diversos insetos começam a invadir sua vida.
Michael Shannon é um ator magistral, ele é especialista em representar personagens com problemas psicológicos, vide "Meu Filho, Olha o que Fizeste!" - 2009, e "O Abrigo" - 2013, é muito bom vê-lo em cena, é extasiante. Em "Bug" ele é Peter e inicialmente aparece tímido, sente afinidade por Agnes, que é solitária, sofrida e repleta de traumas. Aos poucos ela é absorvida para o mundo de Peter de um jeito surreal. É uma ótima amostra de como uma mente frágil se deixa levar quando algo lhe parece seguro, quando imagina que tudo o que vê é o que necessita. Peter lhe deu companhia, sua presença é um motivo para Agnes viver, e nisso acabou se nutrindo da loucura de Peter.
Agnes está tão frágil e tão sem norte que logo no início vemos uma ponta do que está por acontecer, a primeira cena é dela atendendo um telefone que toca estridentemente e quando atende não há ninguém. Há casos em que a solidão gera um tipo de alucinação, principalmente em pessoas que não são habituadas a ela. Agnes pensa que é seu ex-marido recém-saído da cadeia do outro lado da linha, e quando ele aparece em sua casa diz não ter ligado. Jerry é um sanguessuga bruto, aparece para pegar o dinheiro de Agnes. O passado deles revela algo muito triste, eles tiveram um filho do qual desapareceu certo dia em um mercado. Para Agnes a perda do filho é irreparável, vive remoendo esta história, é bem nítido como está perdida na vida. E quando Peter aparece, eles se entrelaçam, sentem uma afinidade instantânea, logo ela o convida para dormir no quarto de hotel onde mora, entre conversas estranhas se apaixonam e se unem numa relação simbiótica.

Filmado praticamente em único ambiente, a sensação é de claustrofobia conforme a loucura se acentua. O tom teatral só evidencia o drama dos dois personagens, os diálogos quase pro final do longa tem um ritmo alucinante.
"Bug" faz um aprofundamento na mente de duas pessoas fragilizadas que se unem numa única loucura. A paranoia é contagiosa, ainda mais quando a situação real é um mar de perguntas sem respostas.
É um suspense diferenciado, crescente e que nos provoca e causa mal-estar, o pensamento principal é o encontro de uma mente frágil com a loucura em potencial, porém dá para tecer uma série de ideias sobre o tema.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Deus Abençoe a América (God Bless America)

"Eu estou cansado. Realmente. Tudo é tão cruel. Eu só queria que tudo isso terminasse."

"God Bless America" (2011) é um filme de humor negro realizado por Bobcat Goldthwait, ator e comediante. A história é sobre Frank (Joel Murray), um quarentão sem família, sem emprego e em estágio terminal devido a um tumor no cérebro, inconformado com a estupidez da sociedade e o rumo que sua vida está tomando decide se suicidar, porém o pensamento de que pode fazer mais aparece, e então resolve matar todos os idiotas acéfalos existentes em solo americano.
Muitos o consideraram um filme violento, críticas surgiram dizendo que é vazio de sentido, mas o que o roteiro faz é satirizar o estúpido, e venhamos e convenhamos que a ideia é boa, apesar de ser demasiadamente escrachada, mas analisando-o não poderia ser de outra forma. Os diálogos e pensamentos do filme geram momentos de puro êxtase, pois quem nunca quis dizer verdades na cara de um retardado manipulado pela massa que o rodeia, que tem preguiça de raciocinar, e que vomita frases prontas?
Frank deseja meter bala nos seus vizinhos desrespeitosos que acham que valem mais do que qualquer outro, ele diz que já não há vergonha, senso comum, tudo é superficial. O pensamento suicida desaparece após ver uma patricinha gritando com os pais por não ter ganhado o modelo de carro que ela queria em um programa de TV, Frank decide matá-la como último gesto de bondade para o mundo. Durante o processo de aniquilação da patricinha ele acaba se esbarrando em Roxy (Tara Lynne Barr), uma garota de 16 anos que compartilha do mesmo pensamento de Frank sobre a estupidez humana. A garota confessa a sua vida difícil com uma mãe drogada e um padrasto que a molesta, e assim os dois se tornam cúmplices de um plano para matar as pessoas que merecem.
O filme em certo ponto se distancia da crítica social, então não dá para analisar como um todo. Os diálogos elucidam o caminho estranho que as coisas vão tomando, ele abrange tão amplamente o consumismo, a relação pais e filhos, vizinhos escrotos, trabalho, o desrespeito pelo outro, a superficialidade televisiva, a supervalorização das celebridades sem nenhum talento, a violência, e a revolta gerada a partir disso.

"Viu, ninguém fala mais sobre nada. Apenas regurgitam o que veem na TV, ouvem no rádio ou veem na web. Quando foi a última vez que você realmente conversou com alguém, sem que ficasse mandando mensagens ou olhando para uma tela ou monitor? Uma conversa sobre algo que não fosse celebridades, fofocas, esportes ou política? Sobre algo importante. Algo pessoal?"

Ao matar as pessoas que merecem, eles na verdade estão matando a inutilidade que reina na sociedade. O intuito do filme é cutucar mesmo, que as pessoas que assistam sintam vergonha se elas fazem algo parecido com que é mostrado, é para desestruturar, chocar e esmagar a pobreza que veicula na TV, como os reality shows, o excesso de propaganda que faz você pensar que necessita daquilo, e que te faz menor por não querer o que lhe vendem.
Não espere uma comédia barata, é humor inteligente e sem escrúpulos. E dentro desse contexto de futilidades dá para pensar no quanto Hollywood por ser tão "grandiosa" manipula o público, claro que nem tudo é ruim, mas permitam-se ver além dos efeitos especiais e roteiros feitos a partir de uma fórmula repetida diversas vezes, cujo único intuito é puramente bilheteria. Aproveitem o cinema na sua mais bela essência e não como um produto. 

Exagerado em sua execução, mas perfeito em suas críticas, "God Bless America" merece ser visto por todos!

"Meu nome é Frank. Mas isso não é importante. O que importa é: quem são vocês? A América se tornou um lugar cruel e corrompido. Nós recompensamos o que há de mais superficial, mais estúpido e mais barulhento. Não temos mais senso de decência, de vergonha, de certo ou errado. As piores qualidades nas pessoas é o que nos chama atenção e atrai. Mentir e espalhar o medo é bom. Contanto que se ganhe dinheiro. Nos tornamos um país de traficantes de ódio e injustiça. Nós perdemos a nossa bondade. Nós perdemos a nossa alma. O que nos tornamos? Pegamos os mais fracos da nossa sociedade, ridicularizamos e rimos deles por puro entretenimento. Rimos deles até o ponto em que prefiram se matar do que continuar vivendo conosco." 

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Segredos de Sangue (Stoker)

Park Chan-wook, diretor cultuado, especialmente pelo filme "Oldboy" (2003), lança seu primeiro longa em Hollywood, o roteiro ficou por conta de Wentworth Miller, protagonista da série "Prison Break". Dá para notar a diferença entre um típico suspense americano, especificamente com as cenas não convencionais que o diretor sul-coreano adora. O roteiro carrega o clima misterioso a todo instante, mesmo quando tudo é revelado, as personagens são bem trabalhadas, desde a mãe, que anseia viver e amar, mas joga toda a sua estagnação na filha. Charlie, com seu olhar doentio, e India, a menina que floresce de uma maneira esquisita. Depois da morte de seu pai em um acidente de carro, India (Mia Wasikowska) passa a viver na companhia de sua instável mãe, vivida por Nicole Kidman, e de seu tio, Charlie (Matthew Goode), de quem ela nunca soube da existência. Mas após a sua chegada, India começa a desconfiar que esse homem misterioso e sedutor pode ter segundas intenções. Só que a solitária garota não consegue controlar os seus sentimentos e acaba se envolvendo cada vez mais com Charlie.
Toda a história é coberta por um clima de mistério envolvendo os personagens, principalmente o tio, que exerce fascínio na mãe e na filha, o desenrolar acontece rapidamente, não há enrolações, percebemos logo o que acontece na família, apenas conhecemos o porquê depois. Charlie é uma pessoa dissimulada e usa todos os artifícios para conquistar a jovem India. As suspeitas começam com o desaparecimento da empregada, então tudo vai se encaixando, como a morte do pai de India com o fato do tio aparecer repentinamente. Interessante observar as expressões de Charlie, sua maneira aparentemente elegante esconde frieza e obsessão.
"Segredos de Sangue" é um filme que explora a hereditariedade da psicopatia, uma relação em certo ponto incestuosa, recheada de crime, violência estilizada e até momentos reflexivos. É notável o trabalho de direção, fotografia, enredo e elementos utilizados, assim como os pormenores, a câmera focando nos detalhes e o mais interessante, a captura dos sons, seja da respiração ofegante, ou de algum estalido, pequenas coisas, mas que fazem enorme diferença na questão sensorial de quem o assiste.

A cena do piano sem dúvida é uma das mais belas e interessantes, é ali que India sente uma profunda ligação com Charlie e entende a química que passeia entre eles, enquanto tocam, as vibrações se complementam. O fato é que tudo tem um fundo sexual, a relação que se desenvolve entre Charlie, India e a mãe. Outra cena estranha, mas reveladora é quando a garota vê seu tio matar o cara que ela provocou, como se fosse uma presa, ela acaba tirando o corpo fora até mesmo porque não sabia o que pretendia, seu tio aparece e dá um fim nele, o mata na sua frente. E ela gosta do que vê e sente, é excitante para ela.
É preciso notar o menor ato, os olhares, os gestuais, sempre estão tentando nos dizer algo. Não é um filme excelente, não espere nada parecido com os filmes orientais de Park Chan-wook, mas também não é os convencionais suspenses americanos. Ele prima por uma fotografia paralisante e uma narrativa intrigante.

Quase no final do longa a mãe de India diz: "Já pensei muitas vezes no porquê de termos filhos. E a conclusão que cheguei é que... Em algum momento da vida, percebemos que as coisas estão ferradas e não têm conserto. Então decidimos começar de novo. Apagar a lousa. Começar do zero. E temos filhos. Cópiazinhas de carbono a quem podemos dizer: 'Você fará o que eu não pude. Vai ter sucesso onde eu falhei'. Porque queremos que alguém acerte desta vez." E dentro do contexto de sua personalidade India conserta as coisas, nos fazendo pensar que às vezes o mal é preciso para evitar o pior.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A Qualquer Momento (Any Day Now)

"Any Day Now" dirigido por Travis Fine é um filme baseado em fatos reais e ambientado no final dos anos 70, a história é sobre um advogado enrustido que se apaixona por uma Drag queen, interpretada pelo maravilhoso Alan Cumming. O advogado Paul é todo certinho, contido nos seus gestos, recém-separado ele acaba indo parar numa boate, na qual Rudy se apresenta, basta alguns olhares para a paixão acontecer, eles momentaneamente se envolvem. Isso já seria um grande fator para o preconceito, mas ainda aparece na vida de Rudy um garoto portador da Síndrome de Down, que é abandonado pela mãe drogada. O menino vive de maneira horrorosa, apenas comendo rosquinhas de chocolate, sem qualquer higiene, educação e carinho. Tocado pela situação do menino, Rudy tenta pedir ajuda ao advogado que acabara de conhecer, mas este espantado ao vê-lo no ambiente de seu trabalho o trata de forma fria. É impossível não se encantar pela personalidade de Rudy, ele tem em si uma grandeza humana inesgotável.
Mais tarde, Paul arrependido promete ajudar Rudy com o garoto, daí por diante eles tentam obter a guarda, inicialmente tendo a permissão da mãe de Marco, que está presa. Logo acontece a batalha judicial que teima em não visar as melhorias e o bem-estar de Marco, dando ênfase apenas no casal, que julgavam promíscuos. É completamente injusto a maneira que as autoridades julgaram o caso. A verdade é que Marco começou evoluir em todos os quesitos, e ele não era atrasado por conta da Síndrome de Down, mas sim pelo tratamento que estava recebendo de sua mãe drogada.
O filme transborda amor, um amor diferente do que vemos por aí, é de uma sensibilidade incrível e realmente muito bonito ver o quanto o ser humano pode se doar ao outro. O que assusta é pensar que, apesar de estarmos vendo um caso que aconteceu no final dos anos 70, essas mesmas leis ainda funcionam e frequentemente nos deparamos do como é desgastante para um casal gay adotar uma criança, mesmo eles mostrando estabilidade em todos os sentidos.
É preciso que todos saibam que família é algo além de convenções sociais e laços biológicos, família não é só feita de pai, mãe e irmãos, mas também feita de amigos, pessoas que encontramos e simplesmente nos apaixonamos, que nos dão a liberdade de viver e amar. Pessoas são pessoas e amamos quem nos faz bem, aliás amamos a pessoa pelo que ela é e não só pelo aspecto sexual.

O filme nos faz pensar nas diferenças e nos esteriótipos que se criam, caráter independe de gênero. Paul em dado momento diz: "Ninguém quer adotar um baixinho gordo com deficiência mental. Ninguém no mundo inteiro o quer! Exceto nós. Nós o queremos. Nós o amamos. Vamos cuidar dele e educá-lo. Mantê-lo seguro e torná-lo um bom homem. Não é o que ele merece? Não é o que toda criança merece?" Essa parte gera muita indignação, pois a verdade está estampada para todo mundo ver, e a justiça permanece ignorante e preconceituosa.

"Any Day Now" fala sobre o amor, e poucas vezes o vi de uma forma tão natural. O filme não é apelativo, nem manipulador com intuito de nos arrancar lágrimas, ele segue uma linha realista que reflete bem a nossa sociedade, veja que dos anos 70 para cá pouca coisa mudou, principalmente as leis, e o preconceito continua latente.
Vale ressaltar a maravilhosa trilha sonora, Alan Cumming interpreta várias canções ao longo do filme. É uma boa sugestão, pois é um assunto atualíssimo do qual mostra, infelizmente, que muitas vezes a justiça não está do lado certo.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

E Buda Desabou de Vergonha (Buda as Sharm Foru Rikht)

"E Buda Desabou de Vergonha" (2007) dirigido pela iraniana Hana Makhmalbaf conta a história de Baktay, uma menina de seis anos que vive com sua família em Bamian, cidade em que tesouros da cultura local, como as estátuas de Buda, foram destruídas pelos talibãs. Instigada por seus vizinhos que já sabem ler, ela faz de tudo para poder estudar em uma escola para meninas que abre do outro lado do rio. Quando segue para a escola, no caminho encontra um grupo de garotos acostumados a brincadeiras de guerra, que resolvem fazê-la de prisioneira.
O filme é singelo e inocente, apesar de tratar de um tema tão forte e pesado como a guerra e um sistema que aprisiona, tortura e mata. A cena inicial mostra o Buda sendo derrubado pelos talibãs, e é justamente neste local que os garotos em forma de brincadeira pegam a menina e começam a agir exatamente como os talibãs, questionando para onde vai, o porquê, o que está carregando, e tudo é motivo para tortura e apedrejamento, a falta do véu, um batom, ou um caderno já é o suficiente.
A cena é medonha, os meninos imitam a violência da qual estão acostumados e que pensam ser normal. Será que essas brincadeiras os influenciarão no futuro? Essa é uma das questões que o filme traz. O mundo da mulher é alheio, elas não sabem o que é liberdade e vivem de acordo com o meio. Tudo o que a pequena Baktay quer é um caderno e um lápis, seu amiguinho Abbas a incentiva, assim ela vai em busca da mãe para pedir dinheiro e comprar o caderno, mas ela não a encontra e seu amigo dá a ideia dela vender quatro ovos no mercado e comprar o caderno e o lápis, na ida ela quebra dois ovos, então troca o restante por pão, que vende a um homem que lhe dá dinheiro, mas infelizmente só dá para comprar o caderno, aí ela pega um batom da mãe para poder escrever e parte para a escola. Chegando lá, o professor castiga Abbas por chegar atrasado e expulsa Baktay, pois é uma escola para meninos. Ao tentar encontrar a escola para meninas, os garotos a encurralam, a revistam e acham o batom, motivo suficiente para o apedrejamento, mesmo que brincando é assustador.
A narrativa é simples e não há trilha sonora, as pessoas moram em cavernas numa região muito árida e bem pobre, as crianças por vezes nos dá a sensação de estar vendo um documentário, a brincadeira parece séria em dado momento e nos choca. Os pequenos imitam os adultos, e no filme mostra que essa nova geração já está pendendo pro lado da violência, restrição política e religiosa. Também prima em retratar a situação das mulheres nessa sociedade controlada. A cena final é uma das mais lindas, juntamente com a frase que resume o filme: "Morra se quiser se libertar".

Tudo é uma brincadeira de criança, os meninos apenas imitam o que veem. Baktay só deseja aprender ler e ouvir histórias bonitas, sua chegada na escola revela o quanto é difícil encontrar um lugar para si. Poucas mulheres têm essa chance de estudar e poucos permitem a ida delas à escola.
"E Buda Desabou de Vergonha" é um filme sobre inocência em meio a violência, é sobre crianças com poucas alternativas ou quase nenhuma. É uma joia rara do cinema!

terça-feira, 2 de julho de 2013

Upstream Color

O diretor Shane Carruth elogiado pela originalidade de Primer (2004), filme de ficção científica de baixo orçamento (7 mil dólares), nos traz depois de nove anos um outro filme não menos impactante chamado "Upstream Color". Sua sinopse não diz muita coisa, apenas que um casal tenta juntar pedaços de suas vidas destruídas. Sua narrativa não é linear e não tem explicações como um filme comum, é recheado de metáforas que cada um interpreta de uma maneira, então ao final alguns podem o achar genial, ou uma bobagem pretensiosa.
A história segue Kris (Amy Seimetz), uma mulher aparentemente bem-sucedida, que de repente é sequestrada e depois de ingerir uma larva fica em estado hipnótico. Ela cede todo o dinheiro de sua conta ao cara e faz algumas ações estranhas, como copiar trechos do livro "Walden", de Thoreau, para poder beber água. Mais tarde, Kris se livra da larva que é transferida a um porco em uma cirurgia feita por um fazendeiro, logo depois ela acorda em seu apartamento sem nenhuma lembrança. Ao acaso encontra Jeff (Shane Carruth), os dois imediatamente sentem um tipo de conexão e a partir desse encontro tentam recompor suas vidas. A impressão que dá é que eles não sabem nem quem são, e as memórias que chegam inesperadamente podem ser tanto de um quanto de outro, é como se tivessem sido zerados e conforme vivem, flashes do passado acabam vindo à tona. Às vezes o filme remete ao "A Árvore da Vida" de Terrence Malick, os elementos utilizados e algumas cenas, metáforas da vida e a conexão com a natureza.
"Upstream Color" é um filme totalmente sensorial, que nos permite formular perguntas e as respostas vêm de de acordo com a nossa percepção. Ele vai além de qualquer mensagem, é permitido pensar em questões existenciais.

O fato é que este filme faz refletir o quanto nós somos limitados na arte de pensar, e é justamente por isso que ele nos confunde, pois não estamos acostumados com a ideia transcendentalista, o ser humano tende a se separar da natureza, quando na verdade deveria estar em completa comunhão. E pode-se deduzir muito do filme pelo livro que foi inserido na história, "Walden" contém pensamentos muito amplos, a experiência relatada é incrível, no livro o autor propõe o retorno ao simples, deixar o meio capitalista e uma certa volta as origens, que seria a total reintegração com a natureza. O livro é uma viagem espiritual, assim como o filme.

Shane Carruth dirige, roteiriza, produz e interpreta, é admirável seu trabalho e a forma que o faz. Com certeza já é cultuado por um nicho e cada vez mais ganha notoriedade com seus filmes criativos. 
Apesar da narrativa ser desconexa, ela nos instiga a cada cena, são imagens belíssimas juntamente com a trilha sonora que complementa ainda mais. Claro, é um cinema diferenciado que traz perguntas e que desencadeia reflexões acerca de tudo, aparentemente nada faz sentido, mas tente perceber os detalhes, afinal são neles que as maiores preciosidades estão escondidas.