"Pura" (2009) é um filme sueco recheado de críticas a uma sociedade alienada que vive assistindo programas inúteis de TV, e retrata uma classe intelectual que certamente despreza aqueles que não nasceram no meio cultural. Há muitas citações filosóficas e o filme todo é envolvido pela música clássica. A protagonista Katarina se depara ao acaso com Mozart no Youtube e desde então não consegue ouvir outra coisa, sua vida muda, suas visões, é como se um mar de possibilidades surgissem ali bem na sua frente. A cultura é o meio para a mudança, Katarina podia ser considerada uma menina que vivia sem expectativas, seu namorado não pensava em outra coisa a não ser sentar no sofá e assistir TV, e sua mãe uma alcoólatra, realmente sua vida não era nada agradável. Essa realidade começou a atormentá-la desde que se deparou com a música clássica e a nutrir uma certa obsessão em frequentar a Sala de Concertos. Tanto que conseguiu um emprego lá, Katarina descobre no maestro Adam uma oportunidade de ingressar neste universo, algo que jamais tinha imaginado para si. No entanto, toda a sedução de suas novas vivências também lhe traz uma série de dificuldades.
É um drama pouco conhecido fora da Suécia. Por lá foi laureado em importantes festivais e alavancou a carreira da atriz Alicia Vikander, intérprete de Katarina, que despontou para o mundo e ganhou Hollywood. Impressionante e maduro, o longa de estreia de Lisa Langseth é baseado em uma peça de sua autoria, encenada em 2004 no Teatro Real Dramático de Estocolmo, que tinha como protagonista Noomi Rapace - que ganhou notoriedade com o papel de Lisbeth Salander em "Os Homens que não Amavam as Mulheres".
O maestro Adam percebe que Katarina tem apreço pela música, sua fascinação é muito evidente, e ele começa a se interessar por ela, mas apenas sexualmente. Ele a envolve no meio da cultura, lhe ensina as artimanhas da música, cita Kierkegaard, o poeta Gunnar Ekelöf e explica sobre o maestro austríaco Herbert Von Karajan, empresta livros e sempre repete que "a coragem é a única medida da vida". A jovem de 20 anos retribui ao se entregar para Adam de corpo e alma sem medo algum. Ele é casado e com um filho pequeno, na certa ela devia estar muito encantada para não perceber que era apenas uma aventura diante ao seu deslumbramento. Quando ele enjoa, Katarina entra em pânico por conta do desprezo. Completamente perdida, com a mãe no hospital e já sem namorado, pois ele descobriu sua traição, não tem nem mais emprego, o maestro fez a despedirem do local que ela mais amava estar. Katarina quando confrontada sempre reagia de forma agressiva, e essa atitude é crucial em determinada parte do filme.
Os atores são fascinantes. Samuel Fröler representa o típico intelectual que despreza aquele que não nasceu no meio e quer conhecer a cultura, em dado momento ele diz a Katarina: "Se não consegue lidar com sua realidade, não se meta com a filosofia". Ainda a humilha dizendo que ela faz parte da grande maioria que não pensa. Há uma crítica sobre a música moderna dizendo que expressa nada além de sexo, como a de Snoop Dogg, citado como um show de strip-tease. A estreante Alicia Vikander entende perfeitamente a complexidade de sua personagem, ela passa pela revolta, doçura, amargura e entendimento.
Se desejar algo é preciso algum esforço, e por mais que o filme seja um retrato triste de uma pessoa sem oportunidades, quando ela descobre algo de que gosta muito, lá no seu íntimo, não vê impedimentos, não vê obstáculos, simplesmente vai lá e busca, mas para alcançar é preciso cair algumas vezes, pois nada é dado de graça, é necessário luta, para aquele que vem do nada e se envereda por um caminho regado a arte e a cultura é mais complicado, é preciso provar seu valor e sua determinação.
Esse filme me lembra a importância de inserir a cultura desde cedo, ensinar a ler, a escutar música de qualidade, aprender a tocar algum instrumento, aprender a gostar de teatro, cinema, filosofia, enfim... Abre nossos horizontes, nossas percepções e nos dá a capacidade de sentir diversas emoções. Katarina percebeu isso quando se deparou com Mozart no Youtube e sentiu algo diferente do que estava acostumada.
O filme lida com algumas questões éticas, mas também nos mostra que para gostar de algo dito erudito, não necessariamente precisa-se ser do meio. Gosto quando passam o que sabem pra frente ao invés de guardar para si, e apenas ser taxado de intelectual e parecer melhor que os outros. Conhecimento é para ser compartilhado.
"Pura" serve para questionar a nossa realidade e o que ela traz de bom a nós, e reflete muito bem a máxima, que a coragem é realmente a única que nos leva adiante, e sobretudo, ousar, como citado: "Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se." (Kierkegaard)
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