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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Deserto Interior (Desierto Adentro)

"Deserto Interior" (2008) de Rodrigo Plá, narra o caminho de expiação de Elias, um viúvo com vários filhos pequenos, que se isola da civilização e vai viver no deserto, dedicando-se à construção de uma capela a fim de obter o perdão de Deus. O filme transmite a experiência religiosa de um homem atormentado em suas crenças com uma profundidade incrível, uma beleza visual e uma narrativa interior poucas vezes vista no cinema mexicano.
Uma história cheia de metáforas e símbolos sobre a culpa, o fanatismo, a religião, a solidão e a loucura. Através de quadros pintados de forma rústica, Aureliano conta a história de sua família, predestinada a morrer por um pecado que seu pai cometeu. Com a guerra civil mexicana como pano de fundo, mostra toda a transformação de um homem cuja obsessão é obter o perdão de Deus, mesmo que para isso condene seus próprios filhos ao mais profundo confinamento. Elias cometeu um enorme pecado e crê que a fúria de Deus cairá sobre seus oito filhos, fazendo com que morram precocemente. Para se redimir, ele se isola da civilização e dedica a vida à construção de uma igreja. Aureliano (nome recebido em homenagem ao seu irmão assassinado) é vulnerável, ele retrata a saga familiar em pinturas religiosas, Elias acredita que seu filho mais novo será o primeiro a morrer. Mas Aureliano e seus irmãos percebem que o pai culpa a Deus por não conseguir perdoar a si mesmo e aos outros. No entanto, são os erros de Elias e não a vingança divina que muda o curso dos eventos. Pelo menos é o que alguns de seus filhos acham, pois ele culpa Deus pela sua incapacidade de perdoar os outros, e, acima de tudo, a si mesmo.
O diretor foi instigado a fazer o filme depois de descobrir os diários do filósofo Soren Kierkegaard, que descreve o seu medo de ser condenado pelo seu pai a uma morte prematura. Eventos ocorridos durante o século 20 ajudaram o cineasta a transferir a história de um protestante para a cultura católica mexicana e, num contexto histórico, fazer um registro audiovisual de um tipo de insanidade religiosa.
O deserto simboliza uma espécie de busca interior ou exterior, simultaneamente um local de tentação e um meio ideal para a obtenção da salvação divina da alma. Uma das simbologias do deserto na cultura cristã, das mais frequentes que se podem encontrar na Bíblia, é a de um lugar afastado de Deus e propício à tentação pelo demônio, Cristo foi tentado no deserto, Santo Antão também nele foi assediado pelos demônios e nele o povo de Israel foi castigado. Mas o deserto é o local escolhido pelos eremitas para se encontrarem com a sua própria natureza e com o divino. São João Batista também escolheu o deserto para pregar a para anunciar a vinda do Messias e aqui o local demonstra ser propício a profecias divinas. No Apocalipse, o povo de Deus refugia-se no deserto onde Deus lhe assegura proteção e alimento. A diferença essencial parece estar na presença e na ausência de Deus, já que o deserto com Deus é positivo e sem Deus é negativo ou estéril. Sendo assim, não há dúvidas do poder simbólico desta obra de Rodrigo Plá, consequentemente levando-nos à reflexão.

No meio do deserto, Elias e as crianças tentam ganhar o perdão de Deus construindo um templo. Aureliano tinha sido criado com a ideia de que ele estava doente, então ele não podia sair do quarto e sua única forma de sair era entrando em um velho baú. Elias é o símbolo de culpa, o criador e receptor de uma maldição, onde carrega o peso da morte sobre seus ombros sem poder se livrar dela. Sua vida tinha sido condenada ao horror de ver os seus filhos morrerem antes dele. Desde então, o homem totalmente miserável e cheio de culpa ficou fechado a qualquer possibilidade de ser perdoado por Deus, apesar de tentar provar sua fé. A culpa envenenou a cabeça da família. A maldição que ele criou. Elias realmente matou seus filhos, mas não a um suposto pecado que cometeu, mas porque ele próprio se condenou. O longa é dividido em quatro partes: a culpa, a penitência, o sinal, e o perdão... que nunca chega. Conhecemos a miséria desses personagens. Elias em sua convicção e fanatismo criou a sua própria destruição e a de sua família.

A obsessão de Elias contaminou e destruiu seus filhos, a maldição estava apenas em sua cabeça. A espera pelo sinal divino que não vinha, e por causa de sua cegueira religiosa não percebia que quem não perdoava era ele próprio e não Deus. Ele estava imerso em seu deserto interior, onde só existia dor, culpa, e por fim, a loucura.
O filme termina com uma poderosa frase de Nietzsche: "O deserto cresce, aí daquele que dentro de si, cobiça desertos."

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