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quinta-feira, 11 de abril de 2019

Girl

"Girl" (2018) dirigido por Lukas Dhont é um filme que foge das convencionalidades envolvendo a temática transgênero, e por mais críticas e polêmicas em torno da representatividade em não ter escolhido uma atriz trans é uma história válida que retrata com honestidade os obstáculos externos e a complexidade dos obstáculos internos. Inspirado por um artigo contando a história da bailarina Nora Monsecour, o cineasta teve a intenção de enfatizar não os vilões, como o preconceito e a não-aceitação da família e de pessoas a sua volta, mas a gama de sentimentos que compõem a personagem, como o ódio do próprio corpo e a guerra que trava dentro de si própria, mas em nenhum momento se vitimizando ou encarando a sociedade negativamente, o que lhe dói é o que sente em relação a si mesma. É doloroso, real, mas exibe uma beleza em cada detalhe, o desabrochar da protagonista é lento e cheio de sofrimento reprimido e, por isso, o seu desfecho é tão libertador e esperançoso.
Lara (Victor Polster) é uma jovem menina de quinze anos, seu maior sonho é tornar-se uma bailarina profissional e, com a ajuda do pai, ela busca uma nova escola de dança para desenvolver sua técnica. No entanto, a menina encontra dificuldades para adaptar-se aos movimentos executados nas aulas por conta de sua estrutura óssea e muscular, já que Lara nasceu no corpo de um menino.
Acompanhamos seu dia a dia, o relacionamento com o pai e o irmão mais novo, sua entrada na nova escola de balé e sua ansiedade em transformar seu corpo, na superfície tudo parece calmo, mas seu interior está em conflito, o pai a apoia e sempre está à disposição para conversar, Lara até fica irritada por vezes pela preocupação excessiva e nunca diz com clareza sobre suas angústias, é fechada e tímida e se mantém firme diante das pessoas ao redor, tanto na escola e nas aulas de dança, alguns constrangimentos se dão, mas o que a incomoda de fato é se olhar no espelho e ver seu corpo masculino, apesar de estar em transição não consegue ver mudanças, o que a faz sorrir é saber que em algum tempo realizará a cirurgia de redesignação sexual, mas ela não se alimenta direito e se exige demais na dança e por conta disso sua saúde é afetada e a cirurgia cada vez mais adiada, é uma série de dúvidas que a permeiam e vemos pelas suas iniciações em descobrir sua sexualidade, são momentos dolorosos quando se reprime, ela guarda os incômodos do cotidiano e acaba se maltratando fisicamente.

É preciso salientar que antes da escolha de Victor Polster para interpretar Lara foi realizado audições sem qualquer apego a gêneros e não encontraram ninguém que pudesse dançar e atuar tão bem, então foi durante a escolha do elenco de dançarinos que Victor se sobressaiu e acabou se encaixando perfeitamente ao papel, esse é seu primeiro trabalho e a carga dramática que exibe é potente e recheada de camadas, conseguiu passar com realismo todas as dificuldades que uma adolescente trans passa para se aceitar.
Através de uma perspectiva naturalista observamos todos os obstáculos não só da personagem Lara, mas das vidas transgênero, principalmente o conflito com o corpo com as exigências e a ansiedade da transformação, pois o filme se apega a esse exercício de empatia, do olhar mais íntimo e delicado, ele se importa com o assunto de fato e o faz de forma bonita e real.

"Girl" traz com sensibilidade e vigor o drama da autoaceitação, retrata com amabilidade a tensão nos olhos de Lara, suas angústias, sua raiva, seus receios, seus conflitos e o distanciamento que toma para evitar constrangimentos, além dos danos físicos que se submete, como esconder o pênis com fita adesiva que acaba causando infecções e toda a cobrança que tem em volta de seu corpo e desempenho como bailarina, as cenas em que realiza a coreografia reprimindo a dor aflige e só faz realçar o como lida consigo mesma. Um exemplar honesto, empático e fora dos padrões dentro temática, e cuja composição de Victor Polster é realmente admirável.

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