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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A Pedra de Paciência (Syngué Sabour, Pierre de Patience)

"Sobre uma pedra mágica e legendária: "Se encontrar esta pedra, ponha diante de ti, fale dos seus segredos, dos seus sofrimentos. A pedra te escuta. Tudo o que jamais contaria a outra pessoa, você conta à pedra. Você fala com ela, ela te escuta. E um dia, a pedra arrebenta, desfaz-se em pedacinhos. E nesse dia será livre, libertada de todas as suas dores."

"A Pedra de Paciência" do afegão Atiq Rahimi (Terras e Cinzas - 2005) é a adaptação de seu próprio livro homônimo. É uma obra delicada e intensa.
Um herói de guerra (Hamidreza Javdan) é abandonado por seus companheiros do Jihad e pela mãe e irmãos após levar um tiro no pescoço. Em estado vegetativo, ele fica sob os cuidados de sua esposa (Golshifteh Farahani) que vai, aos poucos, confessando seus segredos e impressões ao marido em coma, fazendo dele sua pedra de paciência e seu caminho para uma nova vida.
O ambiente em que essa personagem vive é marcado por violência, repressão e sofrimento, à beira da miséria ela segue os dias cuidando de seu marido. O papel da mulher em sua cultura é algo realmente triste, não há direitos, oportunidades, e tudo é motivo para julgamentos. Os personagens não têm nomes e o filme é marcado pelos monólogos desta mulher. O ritmo da narrativa é envolvente, acompanhamos a trajetória rumo ao seu descobrimento e libertação.
Inabitável é o local que mora, há bombardeios, a água é insuficiente, o farmacêutico já não lhe vende mais remédios pela falta de dinheiro, além de que precisa alimentar suas filhas. Depois de ver seus vizinhos mortos desesperada sai em busca da única que pode lhe ajudar, ela encontra sua tia (Hassina Burgan) e acaba por permanecer no lugar, uma espécie de bordel, mas todos os dias retorna para cuidar de seu marido. Há momentos em que ela precisa escondê-lo, e numa invasão a casa diz ser prostituta para que não abusem dela, afinal esses homens que dizem lutar por uma causa em nome de Deus adoram jovens virgens e meninos órfãos, prostituas são consideradas impuras, e desse modo o homem cospe nela e vai embora, só que o moço que estava junto começa a ir frequentemente em sua casa e a pagar por seus serviços, ele tem problemas de fala e inesperadamente essa mulher se encanta.
Ao revelar sobre si ao marido começa a sentir algo como a liberdade, isso cresce quando a tia conta a história sobre a pedra de paciência. Ela faz de seu marido, a sua pedra. Um ser que nunca a conheceu e que nem no casamento esteve presente por causa da guerra. Aos poucos descobrimos verdades e situações de desespero que pediam uma saída.

No pequeno quarto, angústias, segredos e ressentimentos que foram guardados por tanto tempo são expostos àquele moribundo. Confissões surpreendentes e libertadoras. Bela interpretação de Golshifte Farahani, delicada, expressiva e que se liberta através da fala. O filme é uma crítica/denúncia à opressão que as mulheres muçulmanas são submetidas, mas não deixa de ter seu caráter universal.
Essa realidade é distante de nós e absurda aos nossos olhos, a mulher é vista como um ser inferior, são proibidas de trabalhar, estudar, andar sozinhas, cobrem o corpo e o rosto com a burca em razão da modéstia, a voz é silenciada. Existem muitos casos de viúvas que se tornam pedintes e outros que por suposições são presas, açoitadas ou mortas. Esse retrato terrível também pode ser visto no dilacerante filme "Osama".

Esteticamente perfeito "A Pedra de Paciência" é um filme bonito, elegante, porém carregado e triste. É importante para que cada vez mais se evidencie e discuta sobre o tema, e as mulheres que sofrem qualquer tipo de repressão possam ganhar voz e dar asas a sua natureza.

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