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quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Resurrection

"Resurrection" (2022) dirigido por Andrew Semans é um filme magnético e desconfortante, a decaída psicológica da protagonista, sua paranoia persistente e o desenrolar surreal causam um misto de terror e ansiedade. Rebecca Hall (Christine - 2016, The Night House - 2020) está esplêndida ao ir de uma mulher altiva e segura para um total desequilíbrio que a alavanca para fora da realidade. Somos apresentados a Margaret, bem-sucedida, ocupada com sua carreira e maternidade, superprotetora com sua filha adolescente Abbie (Gracie Kaufman) que logo irá embora para a faculdade, sua rotina consiste nisso, além de se relacionar com um cara casado e dar conselhos sobre relacionamento tóxico a uma estagiária. O desencadear dos eventos acontecem sem mais nem menos, um sonho estranho em que ela encontra um bebê dentro do forno e em outro dia eventualmente numa palestra vislumbra um rosto que lhe causa pânico instantâneo. Ela sai correndo imediatamente do local e a partir disso sua derrocada psicológica acontece. David (Tim Roth), o homem que assombra Margaret faz parte de um passado traumático que descobrimos aos poucos e bizarramente ser bem profundo, as insanidades ditas por ele, o joguinho psicológico medonho que cresce à medida que os encontros ocasionais se dão, e isso é uma das coisas mais estranhas do filme, ele simplesmente aparece em todo canto, em um banco na praça, encostado em alguma parede, então não fica muito claro se isso é apenas algo da cabeça de Margaret, como um pesadelo horrível do qual não há como acordar, essa perturbação de não sabermos se é real ou não gera ansiedade e desconforto, ainda mais quando ela perde totalmente o equilíbrio e vive apenas em função de seguir David. Ele diz coisas enigmáticas para Margaret, palavras que a faz ir de encontro ao seu terrível passado. É incrível a capacidade de atração da história, a visceralidade que surge em Margaret quando acha que sua filha corre perigo, sua raiva, seu medo em ter de lidar com um monstro do passado que surge de mansinho, mas não menos perturbador, David é polido com sua voz mansa e sorriso cínico, a história parece não fazer sentido, a perspectiva que temos é embaçada e conflituosa, mas assim são os traumas que foram soterrados e que submergem inesperadamente.

É um filme que sabe trabalhar bem seu suspense/thriller, que possui uma protagonista que se ergue sobre a história, cuja atmosfera sufoca a cada evento enigmático, os olhares desesperados de Margaret, sua violência física que cresce quando prevê o perigo, sua angústia em lidar com um passado amargo e extremamente doloroso, abusos de diversos tipos, não há nada que mensure a grandeza da interpretação de Hall, a estranheza do filme se converte em emoção, não tem como não ter empatia por essa mulher que está afundada em terrores. Como superar traumas de abuso? Fugindo e seguindo a vida? E então como conviver com os fantasmas advindos disso?
 
Sincero e honesto ao retratar os acarretamentos de abusos perversos, "Resurrection" é um filme potente e voraz, não é fácil, não é simples, e seu final carrega um misto de peso e alívio. Destaque para a cena em que Magaret narra toda sua história pregressa para a estagiária, um monólogo destruidor.