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sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

The Eddy (Minissérie)

 
"The Eddy" (2020) minissérie disponível no catálogo da Netflix é um achado maravilhoso que cativa com toda sua musicalidade e sentimentos complexos, com personagens apaixonantes somos absorvidos por uma aura de melancolia numa Paris pulsante onde predominantemente o que se sobressai é a veneração pelo jazz e os laços afetivos que são construídos a partir dele.
Dirigido por Damien Chazelle (Whiplash - 2014, La La Land - 2016) acompanhamos em oito episódios a história de Elliot (André Holland), um exímio pianista que abandonou a carreira após uma tragédia familiar e partiu sozinho para Paris onde abriu uma casa de show especializada em jazz junto de seu melhor amigo Farid (Tahar Rahim). Elliot não é uma pessoa fácil de lidar, é extremamente perfeccionista e a banda intitulada The Eddy composta pelos melhores músicos é a sua vida, conhecemos alguns integrantes mais de perto em episódios dedicados a eles, como Maya (Joanna Kulig) que precisa lidar com frustrações na carreira e sua relação conturbada com Elliot e Jude (Damian Nueva), que esbanja autenticidade e afeto. Elliot precisa dar um jeito em sua vida, há muitas pontas soltas e depois da morte misteriosa de seu sócio e amigo sua vida vai ladeira abaixo, são muitas coisas para resolver, problemas com o clube, coisas ocultas que Farid fazia e além disso, sua filha Julie (Amandla Stenberg) vem morar em Paris e tentar criar laços com o pai, mas é uma tarefa muito difícil e nenhum dos dois estão preparados, ela acaba indo morar na casa da viúva de Farid, Amira (Leïla Bekhti).
A trama policial acaba desviando muito o tom da série, é uma lástima infelizmente, acaba perdendo muito o contexto dramático dos personagens que são ricos e densos em suas mais diversas camadas, isso se deve a excelência das interpretações, inclusive os integrantes da banda são músicos na vida real que nunca interpretaram. A parte musical é linda e empolgante e por isso nem importa tanto as decaídas que o roteiro dá. Outro ponto positivo é que a história é repleta de diversidade, a Paris retratada é recheada de culturas, onde imigrantes lutam pelo seu espaço ao lidar com preconceito e desigualdade. 
 
A minissérie tem episódios marcantes, vibrantes, melancólicos e apesar da trama escorregar no lado policial tem fascinantes cenas em que a música impera nos proporcionando beleza ao ver a paixão que exala dos músicos, mais orgânico impossível. As histórias se desenrolam de maneira contida e por mais que soe arrastada em alguns pontos vale muito assisti-la.
 
"The Eddy" é uma minissérie vibrante pelo jazz e tocante pelas histórias que acompanhamos, até poderia se aprofundar em mais personagens, as diversas personalidades são apaixonantes, mas também complexas e caóticas, e mesmo que hajam desentendimentos e conflitos o afeto sempre norteia essas relações. 

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

A Filha Perdida (The Lost Daughter)

"A Filha Perdida" (2021) dirigido por Maggie Gyllenhaal e estrelado por Olivia Colman exibe as complexidades do feminino entre simbolismos e passagens que nos faz refletir sobre a maternidade e a enorme responsabilidade que cai sobre a mulher, tanto no quesito de estar fisicamente presente suprindo as necessidades do filho, como nas emoções tendo que até muitas vezes fingir e suprimir seus próprios anseios. É a tal da romantização da maternidade. O fato é que sentimentos são complexos e cada um tem seus próprios meios de lidar com eles. Mergulhamos junto a Leda em suas lembranças, um recorte verdadeiro e sem floreios de uma mãe.
Ao mesmo tempo que é um filme introspectivo e lento também é exuberante e potente, tanto na incrível presença de Olívia Colman que nos remexe por dentro ao observamos seus medos e desejos enquanto exerce a maternidade, quanto na sensação que causa durante a sua estadia no litoral em que fica obcecada por Nina (Dakota Johnson) e sua filhinha. Leda é uma mulher elegante, erudita, que decide passar as férias à beira-mar, um local idílico inicialmente, onde busca calma, mas esse cenário é quebrado quando surge uma grande e barulhenta família que praticamente toma conta da praia. Ela observa cada passo e ato de Nina e sua filha, relembra seu passado e realmente não dá para perceber claramente o interesse dela nas duas, memórias afetivas, compadecimento ou apenas diversão em ver as birras da menina, tudo fica ainda mais estranho, principalmente, quando a garotinha "perde" a boneca. O episódio em que a menina se perde e Leda a encontra acaba aproximando essa família dela e daí surge um cenário nebuloso.
É mostrado nos entremeios o passado de Leda, que não consegue conciliar sua carreira e a maternidade, ela almeja conquistar sucesso, menospreza o marido e não pensa duas vezes ao abandonar as duas filhas com ele. Segue seu caminho na universidade, aproveita sua vida e então volta para as meninas, e isso é dito por ela sem um pingo de arrependimento, não há nada que a faça sentir remorso, suas lembranças são apenas lembranças. Ela possui angústias, mas é de cunho egoísta, age de maneira impulsiva e até grosseira, quando observa Nina e sua filhinha relembra dos perrengues vividos no passado, no peso da responsabilidade e na inabilidade em ser mãe. Essas questões são muito exploradas e garante ao espectador repensar na pressão que acompanha a maternidade, o quanto a mulher é julgada por seus atos e escolhas e o como não há a compreensão de que esta continua sendo mulher com desejos e anseios para além de ter que criar os filhos. O abandono e a infidelidade quando vem do lado da mulher pesa imensamente mais e ao ver Leda tão dona de si e agindo deliberadamente causa impacto.

Uma excelente obra que mostra que a maternidade não é plenitude e sim um misto de sentimentos e tomadas de decisões que causam uma série de traumas, claro que também é mostrado o lado bom e simples, como a repetida cena das meninas pedindo para a mãe descascar a laranja sem que quebre a casca. A sinceridade e a contemplação marcam a história que possui simbolismos e questões pertinentes, além de um elenco maravilhoso, cujo protagonismo de Olivia Colman, que apesar de silenciosa possui rompantes que perturbam.
 
"A Filha Perdida" é uma adaptação do romance da escritora Elena Ferrante e marca a estreia na direção de Maggie Gyllenhaal que com perspicácia e franqueza coloca as aflições, a ansiedade, o medo e a dificuldade da mulher em ser muitas, pode até ser chocante porque esse lado quase nunca é discutido, mas na verdade é aliviante e abre novas perspectivas sobre a tão idealizada maternidade.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

The Innocents (De Uskyldige)


"The Innocents" (2021) dirigido por Eskil Vogt (Blind - 2014) é um filme profundo repleto de nuances que retrata a maldade entrando aos poucos na vida de algumas crianças, entre a ociosidade e a solidão do dia a dia, elas descobrem que possuem poderes e isso é retratado com potência e sem ponderações, não há limites quando o mal é permeado pela inocência, e por isso é tão assustador e perturbador. Vale ressaltar o brilhantismo do elenco infantil, os sentimentos estão à flor da pele, os olhares lançados, os silêncios, as descobertas. Visceral define. Também vale dizer que Eskil Vogt é um exímio roteirista, sua criatividade explode na tela, lembrando sua parceria com Joachim Trier, entre eles: "Oslo, 31 de Agosto" - 2011 e "Thelma" - 2017.
Acompanhamos Ida, uma menina de nove anos que se muda com a família para os arredores de Oslo, Noruega, durante o verão. Junto com sua irmã Anna, que possui autismo, a menina tenta se ajustar ao novo ambiente e faz amizade com duas outras crianças. Quando estão longe dos adultos, esses quatro amigos descobrem que possuem poderes sobrenaturais. O que começa como uma inocente brincadeira, logo se transforma em um jogo sombrio e perigoso.
Acompanhamos a adaptação e as experiências geradas a partir da amizade que nasce entre Ida, Ben (Sam Ashraf) e Aisha (Mina Yasmin Bremseth Asheim), todos de alguma forma desajustados e solitários, os pais de Ida dão mais atenção a sua irmã Anna (Alva Brynsmo Ramstad), por conta do autismo, são pais que não veem os filhos, não sabem o que se passa e todo o tempo das crianças dispensado nos arredores do prédio surgem ideias de brincadeiras que quando executadas desencadeiam reações diferentes em cada, além disso, descobrem que possuem poderes, Ben consegue mover objetos, Aisha consegue ler pensamentos, e esta cria um laço com Anna, que desenvolve-se a partir dessa conexão. Esse elo de certa forma alimenta Ida e ela vai se modificando, entendendo a empatia, ao contrário de Ben, que utiliza seu poder para cometer maldades para aqueles que lhe fizeram alguma coisa. O desenvolvimento da história é interessante, misteriosa e pende para reflexões diversas, principalmente sobre a moralidade na infância, que a partir das experiências e observações vai se formando e quando um adulto não dá suporte se transforma num caos interno, isso é muito explícito em Ben, ele não tem a bússola moral ainda, é desprovido de afeto e não sabe lidar com críticas e brincadeiras, seu instinto é revidar e tendo um poder que aumenta junto com sua raiva não tem como se desenvolver de forma sadia, mas não podemos julgá-lo malvado justamente por ele não ter essa consciência. Já Aisha é uma menina mais sensível e observadora, a empatia já está instalada nela, perceba que se importa com os outros ao redor e quer unir forças para dar um fim no que Ben começou. E, Ida, que antes não se importava com Anna e se sentia excluída percebe a mãe e os outros de forma diferente. Seu olhar se amplia e outras nuances aparecem.

"The Innocents" é um filme magnífico que mesmo tendo cenas pesadas e incômodas não perde a sutileza nem a humanidade das crianças em meio a um cenário frio e desesperançoso. Com atuações impecáveis, o elenco infantil cria perfeitamente a sensação de tensão e angústia devido o descontrole que vem através de seus poderes. Especialmente a pequena Ida - Rakel Lenora Fløttum, que contracena com sua mãe Ellen Dorrit Petersen, consegue expressar uma gama de sentimentos complexos que ora revira o estômago, como na cena do gato, e ora encanta, como na cena final, que é um belo exemplo de um despertar de união de forças.
 
O filme é um misto de terror/suspense/drama que combina elementos perturbadores e reflexivos na mesma proporção, lento em seu desenvolvimento, mas uma experiência cinematográfica incrível, que certamente não irá sumir após algum tempo, é um filme marcante, intenso e que exemplifica de maneira incômoda a falta de moralidade na infância.