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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Fatima

"Fatima" (2015) dirigido por Philippe Faucon (A Desintegração - 2011) expõe um delicado retrato de uma mãe que tenta se adaptar a uma cultura diferente e ultrapassar as barreiras do idioma, além de se desdobrar em serviços de doméstica para garantir o sustento e um futuro digno para suas filhas.
Fatima vive com as duas filhas, Souad, uma adolescente rebelde, e Nesrine, que está prestes a começar a estudar na escola de medicina. Fatima não fala bem o francês, o que a frustra em sua relação cotidiana com as filhas. Ao mesmo tempo, elas são a sua motivação e orgulho, mas também fonte de preocupação. Para garantir às meninas o melhor futuro possível, Fatima trabalha de modo irregular como doméstica. Um dia, ela se acidenta. Enquanto está fora do trabalho, ela começa a escrever textos em árabe para as filhas, dizendo-as tudo o que ela nunca foi capaz de expressar em francês.
Inspirado pelos escritos da poeta argelina Fatima Elayoubi, que chegou a França sem saber ler e nem escrever e que obteve uma dura adaptação. No filme Fatima é interpretada por Soria Zeroual, uma mulher que luta para se adaptar ao país e aos costumes, a relação com as filhas se torna difícil por ela não conseguir se expressar em francês, as meninas nasceram lá, portanto, há um choque imenso na convivência, porém Fátima quer que as filhas estudem para terem um futuro, diferente dela que precisa se submeter a empregos que sugam a sua saúde. A filha mais nova, Souad (Kenza Noah) é rebelde e não gosta de estudar, é sempre ríspida com Fatima e não percebe o esforço que faz para mantê-las. Nesrine (Zita Hanrot) está entrando para a faculdade e pretende ser médica, Fatima para vê-la conseguir realizar isso trabalha pesado, são muitos os custos e o pai das meninas parece não ajudar em nada, o vemos esporadicamente visitando-as, ele tem uma nova família e apesar do carinho que demonstra é distante. Fatima acaba por se tornar ausente das meninas devido a carga horária de trabalho, e principalmente Souad se sente sozinha, a comunicação entre elas é precária, quando Fatima vai à escola para saber do desempenho da filha não consegue compreender, isso só gera ainda mais revolta na filha, que num diálogo despeja palavras grosseiras à mãe. Fatima entende muito bem o que acontece ao seu redor, mas por conta da língua se torna passiva.
Nesrine sabe que precisa estudar bastante para passar na faculdade, a pressão e a ansiedade a tomam por completo, ela nega todas as diversões da juventude para se concentrar. Vemos alguns momentos bonitos entre ela e sua mãe, Nesrine ao contrário de Souad tem afeto e sabe do empenho e zelo de Fatima, que abdica de sua própria vida em prol das filhas.

Em determinado momento Fatima sofre uma queda e fica impossibilitada de trabalhar, nesse período em que frequenta uma médica que fala árabe e que entende não só a sua dor física, mas também a emocional, revela detalhes importantes sobre como se sente por não conseguir se comunicar com as filhas, a figura da Fatima passiva e insegura se desfaz ao falar em sua língua materna, ela lê um pedaço de uma carta para a doutora e vemos como essa incomunicabilidade impossibilita de ser ela mesma, e de ter a sua dignidade.
Devido a incapacidade de falar o que sente com propriedade, Fatima escreve em seus diários, a integração com a cultura é difícil, o trabalho como doméstica é depreciado e quase sempre tem que conviver com preconceitos, como quando encontra dinheiro no bolso de uma calça e devolve à patroa, Fatima depois diz que ela sabia que a mulher queria testá-la. 

"Fatima" é apenas um recorte de tantas outras vidas que imigram para França e que dia após dia buscam um lugar para si e sonham com condições de igualdade.
Verdadeiro, simples, emocionante, é um filme que causa empatia, Fatima é um exemplo de força e coragem, geralmente as Fatimas são invisíveis na sociedade, mas como ela própria diz, tenha orgulho das Fatimas.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

18 Filmes sobre Velhice

A velhice já foi abordada sob diversos aspectos no cinema, com delicadeza, humor, crueza e realidade. O fato é que temos que encará-la, pois faz parte do ciclo da vida, é uma realidade que todos enfrentaremos, caso não morrermos antes. Confira a lista que trata deste assunto ainda pouco discutido e que exemplifica o processo do envelhecimento com todas as suas dificuldades, perdas, mas também aprendizados e alegrias.
"Quando a velhice chegar, aceita-a, ama-a. Ela é abundante em prazeres se souberes amá-la. Os anos que vão gradualmente declinando estão entre os mais doces da vida de um homem. Mesmo quando tenhas alcançado o limite extremo dos aos, estes ainda reservam prazeres." (Seneca)

E Se Vivêssemos Todos Juntos? (Et Si On Vivait Tous Ensemble? - 2011)
Annie (Geraldine Chaplin), Jean (Guy Bedos), Claude (Claude Rich), Albert (Pierre Richard) e Jeanne (Jane Fonda) são melhores amigos há mais de quatro décadas. Enquanto os dois primeiros e os dois últimos são casados, o do meio é um tremendo solteirão convicto, que não se cansa de aproveitar a vida. Quando a saúde deles começa a piorar e o asilo se apresenta como solução para um deles, surge a ideia de todos morarem juntos. Mas a novidade acaba trazendo a reboque algumas antigas experiências, que irão provocar novas consequências na vida de cada um.

Lugares Comuns (Lugares Comunes - 2002)


A vida de um professor universitário argentino muda radicalmente depois que ele é obrigado - por decreto - a se aposentar. Ao lado de sua mulher, com quem forma um casal apaixonado e dedicado, viaja para a Espanha. Na volta, procura uma nova ocupação mudando-se para uma fazenda. Saiba+


Elsa e Fred - Um Amor de Paixão (Elsa y Fred - 2005)
Uma incomum e divertida história de amor. Fred é um senhor recém viúvo e apático que vê a sua vida ser completamente transformada ao conhecer a extravagante Elsa, uma inquietante senhora com espírito jovial e aventureiro. Ela é uma mulher de 83 anos que sonha em conhecer Roma e ele é um homem de 80 anos que começa a viver a vida.

A Demora (La Demora - 2012)
María é uma mãe solteira, de meia idade e com três filhos. Ela nunca está sozinha, toma conta de todos, dorme pouco e trabalha demais. Augustín é seu pai, que está senil e sabe disso. Uma visita de María ao escritório de previdência social revela que ela é muito pobre para colocar seu pai em um asilo, porém muito rica para receber benefícios. Ela pensa numa solução cruel: abandonar seu pai em uma praça. Augustín espera então pelo demorado retorno da filha.

Vulcão (Eldfjall - 2011)
A história de amadurecimento de um homem de 67 anos de idade. Quando Hannes se aposenta de seu emprego como zelador, começa o vazio que é o resto de sua vida. Ele está afastado de sua família, quase não tem amigos e o relacionamento com sua esposa está desgastado. Por meio de eventos drásticos, Hannes percebe que ele tem que ajustar sua vida a fim de ajudar alguém que ama.

Poesia (Shi - 2010)
Mija, de 66 anos, solitária e batalhadora, amante das flores e da poesia, descobre estar sofrendo de Alzheimer. Além disso, ela descobre que o neto, de quem cuida sozinha, participou do estupro coletivo de uma garota que teria, por esta razão, cometido suicídio. Saiba+

Hanami - Cerejeiras em Flor (Kirschblüten - Hanami - 2009)
Trudi (Hanelore Elsner) vive um dilema, já que é a única pessoa a saber que seu marido Rudi (Elmar Wepper) tem uma doença em estágio terminal e precisa decidir se vai contar a ele ou não. O médico sugere que eles façam algo juntos, como realizar um velho sonho. Saiba+

Rugas (Arrugas - 2012)
Baseado nos quadrinhos homônimos de Paco Roca, "Rugas" é um longa animado em 2D para adultos. Retrata a amizade entre Emilio e Miguel, dois idosos trancafiados em um asilo. Recém chegado, Emilio, nos estágios iniciais de Alzheimer, é ajudado por Miguel e outros colegas a não ser mandado para o “andar de cima” do asilo, também conhecido pelas “causas perdidas”. Seus planos loucos dão humor e ternura ao cotidiano tedioso. Ainda que para muitos suas vidas houvessem acabado, eles acabaram de começar uma nova.

O Ancião Que Saiu Pela Janela e Desapareceu (Hundraåringen Som Klev Ut Genom Fönstret Och Försvann - 2013)
No dia de seu centésimo aniversário, um homem foge da casa de repouso. Certo de que nunca é tarde pra recomeçar, ele embarca em uma série de aventuras enquanto conta a história surreal de sua vida.

A Festa de Despedida (Mita Tova - 2014)
Idosos moradores de um asilo em Jerusalém inventam uma máquina de eutanásia para ajudar os amigos em condições críticas. A criação é um sucesso e a fama do objeto logo se espalha, atraindo inúmeros interessados em utilizá-lo. Saiba+

Nebraska (2013)
Woody Grant (Bruce Dern) é um homem idoso que acredita ter ganho US$ 1 milhão após receber pelo correio uma propaganda. Decidido a retirar o prêmio, ele resolve ir a pé até a distante cidade de Lincoln, em Nebraska. Percebendo que a teimosia do pai o fará viajar de qualquer jeito, seu filho David (Will Forte) resolve levá-lo de carro. Só que no caminho Woody sofre um acidente e bate com a cabeça, precisando descansar. David decide mudar um pouco os planos, passando o fim de semana na casa de um de seus tios antes de partir para Lincoln. Só que Woody conta a todos sobre a possibilidade de se tornar um milionário, despertando a cobiça não só da família como também de parte dos habitantes da cidade. Saiba+

Ela Vai (Elle S'en Va - 2013)
Bettie (Catherine Deneuve) é uma viúva de 60 anos, que cuida de um restaurante em uma pequena cidade francesa. Amante de um rico industrial local, ela está cansada de ouvir as constantes promessas de que largará a esposa. Um dia isto finalmente acontece, mas, para surpresa de Betty, ele fica com uma mulher mais nova que está grávida. Perturbada com a novidade, ela sai de carro pela estrada e acaba vivenciando diversas situações que irão mudar radicalmente sua vida pessoal e profissional.

A Morte do Sr. Lazarescu (Moartea Domnului Lazarescu - 2005)
Sr. Lazarescu chama uma ambulância após sofrer com dores de cabeça e de estômago. Inicia-se então uma viagem através da cidade, entre um hospital e outro, em busca de tratamento médico.

Amor (Amour - 2012)
Georges e Anne, são professores de música reformados, na faixa dos seus oitenta anos gostam de frequentar espetáculos musicais. Cúmplices, a casa é o paradigma das suas vidas, organizada, recheada de cultura e bastante agradável. No entanto, tudo muda quando de um momento para o outro Anne deixa de reconhecer Georges e entra num estado de coma. Pouco tempo depois, acorda e não se lembra de nada. É o sinal da desgraça que se avizinha na vida do casal. Esta tem de ser operada de uma artéria carótida entupida, uma intervenção que não corre bem e faz com que fique com o lado direito do corpo paralisado, sendo obrigada a locomover-se numa cadeira de rodas. Saiba+

Hora de Morrer (Pora Umierac - 2007)
Aniela é uma enérgica e inflexível relíquia do passado, como a grande casa em estilo dacha rodeada por árvores altas em que vive sozinha com sua impetuosa cadela, Filadelfia. Ela observa, do outro lado da rua, um homem gordo, novo rico grosseiro, que mora em uma grande casa nova e a quem desaprova, e na esquina, uma casa caindo aos pedaços, ocupada por uma escola de música que luta para sobreviver. Todo mundo quer a casa e o terreno de Aniela. Quando o vizinho, auxiliado pelo filho interesseiro de Aniela, traça planos para obter a propriedade, Aniela encontra uma maneira de ser mais esperta que eles.

Histórias Que Só Existem Quando Lembradas (2011)
Jotuomba é uma cidade fictícia, ambientada no Vale do Paraíba, onde nos anos 30 grandes fazendas de café faliram e cidades antes ricas se tornaram quase fantasmas. Lá vive Madalena, a velha padeira, presa à memória de seu marido morto e enterrado no único cemitério da cidade, hoje trancado. Rita, uma jovem fotógrafa, chega à cidade e pouco a pouco modifica o cotidiano de Madalena.

A Juventude (La Giovinezza - 2015)
Fred (Michael Caine) e Mick (Harvey Keitel), dois velhos amigos com quase 80 anos de idade cada, estão passando as férias em um luxuoso hotel. Fred é um compositor e maestro aposentado e Mick é um cineasta em atividade. Juntos, os dois passam a se recordar de suas paixões da infância e juventude. Enquanto Mick luta para finalizar o roteiro daquele que ele acha que será seu último grande filme, Fred não tem a mínima vontade de voltar à música. Entretanto, muita coisa pode mudar.

Floride (2015)
O francês Claude Lherminier (Jean Rochefort) completou 80 anos e com o avançar da idade também vem os esquecimentos. Sua filha mais velha, Carole (Sandrine Kiberlain), enfrenta dificuldades para lidar com ele e tudo piora quando o pai toma a decisão de viajar à Flórida. Saiba+

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Modris

"Modris" (2014) dirigido pelo estreante Juris Kursietis é um filme da Letônia que retrata um adolescente apático, viciado em jogos de azar e que tem uma relação turbulenta com a mãe, seu único anseio é descobrir quem é seu pai, mas sua mãe diz que está preso e por alguma razão esconde seu verdadeiro paradeiro, o que o deixa revoltado. Modris não é melhor ou pior do que seus colegas. Ele vai à escola, tem uma namorada, alguns bons amigos. Seu vício em jogos de azar faz o seu relacionamento com a mãe ser difícil. Eles vivem sozinhos, e ela não perde a chance de lembrar-lhe que seu pai está na prisão e que possui um gene ruim. O relacionamento dos dois chega ao limite, quando Modris vende o aquecedor elétrico de sua mãe, ao tentar obter uma vitória em uma máquina de caça-níquel. Ela com raiva vai à polícia e Modris é condenado a dois anos de liberdade condicional. Isto é, quando as suas aventuras com o sistema de justiça começam, juntamente com a mudança de sua relação com o mundo exterior e sua nova meta: encontrar o pai que ele nunca conheceu.
Modris é um personagem interessante, ele não é mau, apenas distante, não tem ambições e tudo se resume a tentar se satisfazer jogando num bar perto de onde mora. Como não tem dinheiro, rouba de sua mãe e vende objetos de sua casa, cansada do comportamento do filho, ela resolve chamar a polícia e denunciá-lo. A situação então se complica, o garoto está sob fiscalização e qualquer deslize o fará ir para a cadeia.
O diretor faz questão que adentremos na história junto de seu protagonista, o estilo de filmagem é natural e quase documental, vamos acompanhando as atitudes e as consequências dos atos de Modris, não tem como ter raiva, ele está perdido, não sabe muito bem o que quer da vida, existe uma carência afetiva enorme, percebe-se isso por seus olhares, quase sempre à procura de alguma coisa. É um grande esforço do ator Kristers Piksa, que apesar de sua apatia exibe uma carga emocional em suas expressões faciais e linguagem corporal.
A mãe (Rezija Kalnina) não o ajuda, certo que está cansada, seu psicológico também precisa ser avaliado, sua atual atitude deve ser reflexo de várias decepções, e coloca toda a sua amargura de ter que se virar sozinha em cima do filho, que necessita de uma atenção mais carinhosa. Então vira um círculo vicioso, um atacando o outro, se aproximam de vez em quando numa tentativa de apaziguamento, mas logo surgem questões espinhosas, como o paradeiro do pai de Modris. Dói ver as ameaças da mãe dizendo que ele será como o pai, um bandido, é muito baixo da parte dela utilizar este artificio e depois reclamar das atitudes do filho.

"Modris" é um filme sólido, documenta perfeitamente a realidade social de jovens problemáticos, com consistência revela sobre relações familiares, numa tentativa de querer que o filho aprenda uma lição a duras penas o afasta mais ainda e o coloca numa posição frágil, a falta de percepção é enorme e os diálogos são inexistentes. 
Algumas particularidades do sistema de justiça do país são abarcadas pela história, burocracias e punições que abrem vários questionamentos, Modris ao ser denunciado pela mãe tem a liberdade condicional, onde é fiscalizado e qualquer deslize, como beber cerveja em público e a perda de documentos são motivos para ser trancafiado na cadeia. Em muitos momentos percebemos que o garoto possui um coração bom e gentil, é realmente uma má sorte que o acompanha. As relações familiares em qualquer parte do mundo tem similaridades, "Modris" exemplifica isso e lembra que muitas mães e pais esquecem-se de cuidar e amar os filhos, preferindo deixar tudo nas mãos do Estado.

A fotografia do filme faz questão de exaltar o clima e o caminho melancólico e solitário do garoto, a cidade coberta de neve, com prédios em estilo bloco, a luz esquálida.
"Modris" é inspirado em uma história verídica, é um drama contemporâneo que traça o perfil de um jovem à deriva, relações familiares quebradas e que se vê cercado por um sistema que mais atrapalha do que ajuda. A interpretação é maravilhosa, sempre passivo e desconectado, o vemos sorrir apenas uma vez, mas habilmente consegue passar empatia, o estreante Kristers Piksa com seu semblante austero soube conduzir o personagem com maestria. 

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Sparrows (Þrestir)

"Sparrows" (2015) dirigido pelo islandês Rúnar Rúnarsson (Vulcão - 2011) é sutil ao explorar as possibilidades da vida e suas descobertas, a história acompanha um garoto islandês de 16 anos de idade, Ari (Atli Oskar Fjalarsson), que vive com sua mãe em Reykjavík. Por causa de um novo emprego, ela tem de deixar o país, então, ele é mandando de volta para a cidade onde passou sua infância. O filme abre com Ari cantando junto a um coral, ele não está numa posição em que se destaque dos demais, o que representa que todos ali possuem as suas próprias histórias, as vozes se harmonizam e a cena se faz extremamente emocional. Ari é enviado para morar com o pai (Ingvar Eggert Sigurðsson), pois a mãe precisa se mudar por causa do trabalho, pelos diálogos percebe-se que ela tem um espírito livre. O pai o recebe friamente, claramente a relação deles é distante e o único elo afetivo é a sua simpática avó. Ari volta a Vestfirðir, sua cidade natal, lá não se sente em casa, tudo está diferente, o pai que é alcoólatra o coloca para trabalhar e pouco conversa, não são poucas as vezes em que enche a casa com seus amigos e fica bêbado, o refúgio de Ari é a avó.
Retratando a adolescência e suas descobertas em um lugar estranho, Ari reencontra uma antiga amiga, começa a sair com colegas, mas ele não se ajusta, tudo é visto sob seu ponto de vista e sensações, ele tem todos os problemas da idade, mas tem anseios diferentes da maioria dos meninos, é sensível e sereno, uma bela interpretação de Atli Oskar Fjalarsson, que demonstra perfeitamente suas nuances e sentimentos pelas expressões de seu rosto, seu olhar sempre suave e vulnerável, uma atuação natural, visceral e emocionante. Lindo de assistir, compreendemos a história pelas suas experiências e seu jeito particular de lidar com tudo o que lhe acontece, Ari nos leva pela mão e consequentemente nos tornamos cúmplices.
O filme é recheado de belíssimas cenas, o clima gélido intensifica, a paisagem também diz muito, resplandece. Não há nada extraordinário, apesar de conter acontecimentos complexos, a cadência narrativa é certeira, melancólica, poética, e termina com uma sensação de incertezas, assim como a vida.
"Sparrows" parte da mesma premissa do curta realizado em 2008 por Rúnar Rúnarsson, "Dois Pássaros", que tem como protagonista o mesmo ator, é um filme que suscita sentimentos diversos, uma pequena pérola que merece ser conhecida, assim como essa obra que ao mesmo tempo é linda e angustiante. A transição da adolescência para a vida adulta é sempre fascinante, por mais que existam inúmeros filmes sobre o tema, o diretor conseguiu expôr as emoções com sensibilidade, é um retrato sincero e por isso tem a sua originalidade.

"Sparrows" trata do amadurecimento e das relações familiares, da difícil interação entre pai e filho, por mais que o personagem do pai queira modificar a situação não dá seguimento, pois é frágil e imaturo, não consegue reverter seus defeitos. Portanto, Ari em meio a tantas dificuldades exteriores e interiores é obrigado a enxergar a vida sem o véu da pureza, da qual a primeira cena do filme enfatiza. Agora ele tem que tomar decisões não só para si, mas também para os outros, uma espécie de sacrifício.

São nos momentos difíceis em que podemos contemplar a beleza, é exatamente neste ponto também que se concentra as maiores virtudes do personagem, as sutilezas imperam, cria-se empatia. 
"Sparrows" é um longa precioso, partindo das experiências particulares de um adolescente que amadurece e percebe que a vida pode ser cruel e que decisões são cruciais.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Cemitério do Esplendor (Rak ti Khon Kaen)

"Cemitério do Esplendor" (2015) dirigido pelo tailandês Apichatpong Weerasethakul (Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas - 2010) é um filme contemplativo que nos transporta para uma atmosfera espiritualista e que faz crítica ao sistema com belas metáforas. É uma obra artística profunda, sensível e ampla. A vida é muito mais do que podemos ver, e conforme vivemos muitos muros são construídos nos levando à cegueira, porém as possibilidades de derrubá-los existem e quando isso ocorre, a visão com certeza é surpreendente. A compreensão se dá pela nossa imaginação, o esplendor consiste não no concreto, mas nas inúmeras experimentações, sensações do que não se pode enxergar. A filosofia de vida dos tailandeses está presente, a concepção budista, porém vai além de crenças em outras vidas, é algo inominável que só se completa na imaginação. 
Soldados com uma misteriosa doença do sono são transferidos para uma clínica temporária em uma antiga escola. O espaço repleto de memórias se torna um mundo revelador para a dona de casa e voluntária Jenjira (Jenjira Pongpas) enquanto ela cuida de Itt (Banlop Lomnoi), um belo soldado que não recebe visitas. Jen torna-se amiga da jovem médium Keng (Jarinpattra Rueangram), que usa seus poderes psíquicos para ajudar entes queridos a se comunicarem com os homens em coma. Os médicos exploram diferentes maneiras, incluindo terapia de luz colorida, para aliviar os sonhos perturbados dos doentes. Jen descobre um caderno de Itt, cheio de desenhos e escritos estranhos. Pode haver uma ligação entre a enigmática síndrome dos soldados e o antigo local mítico que se encontra abaixo da clínica. Mágica, cura, romance e sonhos são parte do tenro caminho de Jen para uma consciência mais profunda de si mesma e do mundo ao seu redor.
A narrativa é rica e engrandecedora, os símbolos são identificáveis e a delicadeza com que tudo é abordado nos traz à lucidez, um abrir de olhos para si e para o mundo. É incrível a união da aura mística e enigmática a um despertar de imaginação e consciência.
A doença que acomete os soldados é um mistério, tem a ver com vidas passadas que sugam a energia daqueles homens, o que representa o esgotamento da existência, o vazio que toma o ser humano. Jen após se encontrar com duas deusas que lhe contam que o hospital foi no passado um palácio e que os reis que ali habitavam absorvem a energia dos soldados para lutar suas batalhas, se aproxima mais da jovem médium e convive com Itt quando desperta, eles conversam e há algo inexplicável nesta relação, uma mistura de afeto materno e uma tensão sexual que paira no ar, em dado momento Itt adormece no meio de um lanche a tarde e encorpora em Keng, ali no jardim Keng/Itt mostra o que vê, as salas de um suntuoso palácio, enquanto Jen vê apenas o local repleto de árvores que remetem a sua juventude. É o encontro entre passado e presente que metaforiza com questões sociais da Tailândia.
O filme expõe que é preciso ter consciência dos sonhos da mesma forma que temos dos nossos pensamentos, que por sinal não se diferem. Há uma crítica em relação à alienação, o tédio que o cotidiano provoca e o estado de dormência que nos assola.

O mundo real se confunde com o mundo onírico de maneira leve e orgânica, o conceito de reencarnação está presente e tanto as pessoas como os lugares carregam uma carga espiritual, não adianta querer entender a narrativa pelo modo convencional, a lógica dela vai além do que está se passando na tela, a naturalidade permeia toda a obra, as interpretações, o som do vento, dos pássaros, cenas que contemplam a natureza das coisas, é calmo, e estranhamente por mais que pareça confuso, chega fácil a quem já está habituado ao clima dos filmes de Apichatpong.
"Cemitério do Esplendor" segue um fluxo que não se conclui, mas que se transforma, a sensação é de que as imagens nos captura e hipnotiza, temos a certeza de que mesmo não compreendendo sairemos satisfeitos, é um filme que diz sobre o que não somos capazes de enxergar, portanto gera desconforto, mas sem dúvidas abre novos olhares e amplia percepções.

Vida e morte, realidade e imaginação não são conceitos separados, são experiências ininterruptas que estão lado a lado. Além desse viés espiritual, pode-se ler também algo político na trama, devido a recente crise política na Tailândia, há inúmeras metáforas, como o projeto governamental que escava no local onde fica a clínica em que estão os homens adormecidos.
É um filme sensorial, instigante e prazeroso, mesmo tendo um ritmo lento em que aparentemente nada acontece e questões que não compreendemos, seja por conta da cultura ou religião. Mas exibe pensamentos inquietantes e que despertam a nossa consciência, que no dia a dia sem percebermos adormece diante a rotina entediante, relações fastidiosas e cansaço perante as injustiças.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

O Pesadelo - A Paralisia do Sono (The Nightmare)

"O Pesadelo - A Paralisia do Sono" (2015) dirigido por Rodney Ascher (O Labirinto de Kubrick - 2012) é um documentário que explora a desagradável experiência chamada "paralisia do sono", é um terreno misterioso que a ciência ainda não compreende inteiramente, portanto se faz abrangente, cheio de significados e possibilidades. É algo que pode acometer a todos, devido ao estresse do cotidiano, preocupações, ingestão de alguns tipos de medicamentos e alimentos, privação do sono, fadiga física, além disso, dormir na posição supina (barriga para cima) aumenta os riscos da paralisia do sono, segundo os pesquisadores. Para algumas isso pode ser recorrente e se torna terrivelmente doloroso dormir. Rodney Ascher concebe um filme curioso e extremamente interessante, por vezes cai no ridículo, num território surreal de suposições e embarca em depoimentos inverossímeis. Ao todo o documentário é eficaz em produzir medo, é um ótimo exemplo de como o terror pode ser provocado de diversas formas. O documentário foca em oito pessoas que sofrem de paralisia do sono, um fenômeno onde elas se encontram temporariamente incapazes de se mover, falar ou reagir a qualquer coisa enquanto estão adormecendo ou acordando. Ocasionalmente essa paralisia é acompanhada por experiências físicas ou alucinações que têm o potencial para aterrorizar o indivíduo. O diretor entrevista cada participante e, em seguida, tenta recriar as suas experiências com atores profissionais.
A paralisia do sono é quando o cérebro desperta do estado REM (movimento rápido dos olhos), fase do sono em que os sonhos são mais frequentes, o corpo é incapaz de produzir movimentos, você está consciente de si e do ambiente ao redor, mas continua sonhando, tenta abrir os olhos e gritar, porém sem resultados, nisso as alucinações ocorrem, geralmente relacionadas a imagens malignas. Dura pouco, alguns minutos, mas deixa uma perturbação latente na pessoa que a vivencia. É muito comum sentir uma presença ameaçadora, algo de sobrenatural, o sufocamento e pressão no peito também acontece.

O documentário não tem pretensão de ir a fundo na questão, o tom não é serio e nem explicativo, é uma abordagem ficcional, as experiências são interpretadas de acordo com as descrições, o diretor soube usar esse tema medonho e compôs um clima de suspense, as entrevistas também garantem um tom sombrio e uma inquietação, algumas são bobas, como detalhar experiências na tenra idade ou exagerar na fantasia em certos relatos.
Para quem já vivenciou a paralisia do sono se torna mais cativante, a identificação surge em muitos momentos, é incrível que certas imagens sobrenaturais sejam tão recorrentes. O que certamente impera é que diante do desconhecido somos levados à essência do desespero, ao acordar dentro do sonho percebemos uma realidade da qual não conhecemos, daí nosso imaginário entra em cena com figuras denominadas malignas.
A paralisia do sono não causa dano nenhum à saúde, a não ser a confusão e o desconforto que a sensação causa, algumas pessoas têm episódios frequentes, enquanto outras experimentam uma ou duas vezes na vida. O interessante é promover o conhecimento sobre a paralisia do sono, pois sabendo do que se trata ajudará a amenizar o medo no instante que acontecer.

O documentário serve para proporcionar ao espectador a ideia do que é sofrer desse distúrbio, mas em nenhum momento tenta esclarecer ou desmistificar, não tem nada de científico, o foco é gerar mais medo em cima desse tema ainda pouco discutido e cheio de lacunas. É uma alternativa significativa para aqueles que procuram filmes de terror e horror, é um diferencial no gênero.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Mistress America

"Mistress America" (2015) dirigido por Noah Baumbach (Enquanto Somos Jovens - 2014) é um filme espontâneo que não tem receio em retratar personagens que fracassam e que ainda não encontraram seu lugar no mundo. Além de roteirizar em parceria com Noah, Greta Gerwig protagoniza magnificamente, ela se encaixa muito bem neste tipo de personagem, vide "Frances Ha" (2013).
Tracy (Lola Kirke), uma solitária caloura de faculdade em Nova York, é resgatada de sua solidão por sua futura meia-irmã Brooke (Greta Gerwig), uma garota aventureira da cidade que a envolve em esquemas atraentes e loucos. "Mistress America" é uma comédia sobre buscas por sonhos, acertos de contas, famílias temporárias e roubos de gatos.
Tracy está no primeiro semestre da faculdade e está deslocada, depois de algum tempo conhece Tony (Matthew Shear), que como ela quer entrar na sociedade literária da universidade, um grupo bem restrito. Ao ligar para sua mãe, que está prestes a se casar com um cara que conheceu pela internet, sugere que ela conheça a futura irmã que também mora em NY. Ela surge e inspira Tracy, Brooke é uma mulher de 30 anos, com inúmeros trabalhos, cheia de planos, inventiva, popular e impulsiva. O filme se desenrola a partir do encontro das duas, surge uma admiração mútua e logo elas se envolvem em várias situações interessantes e engraçadas.
O ponto forte certamente são os ricos diálogos que colocam em questão o amadurecimento tardio, a ansiedade de se tornar "alguém", a necessidade de estar em um grupo, ser bem-sucedido e ter uma bagagem de vida. Brooke está na idade que é proibido errar, pois se tem a sensação de ficar para trás, ela se desdobra, mas ao fim coloca tudo a perder, pede auxílio aos amigos para concretizar o sonho do restaurante, o que garante cenas hilárias, mas que termina de maneira tensa. Porém, Brooke não desiste e segue em frente. Fracassar faz parte, não há vergonha em admitir, também o peso, a cobrança que a sociedade coloca que se tem que estar estabelecido quando tiver certa idade é pura balela e causa apenas estresse, quando for pra ser, será. E aliás, cada um tem uma necessidade e um tempo de amadurecimento, e o importante é não deixar que sua personalidade seja massacrada por conceitos de vida pré-estabelecidos.
Tracy fica tão encantada com Brooke que cria uma história sobre ela, intitulada "Mistress America", Brooke fica louca de raiva, pois Tracy traça um perfil não muito agradável, ainda ela vai resolver pendências do passado com uma amiga, que roubou a ideia de estampas para camisetas, seu namorado e seus gatos. A intenção é conseguir viabilizar a ideia do restaurante. Nesse meio tempo recebe a notícia de que o pai desistiu do casamento e, portanto, não será mais irmã de Tracy, esta que entra para o grupo literário da faculdade por causa do conto sobre Brooke. 

"E não sei se esse mal tem um nome, fico sentada vendo TV e Internet por muito tempo, tentando evitar isso. E depois mentindo para mim mesma. Daí me empolgo com algo e aquilo toma conta de mim e não durmo e nem faço nada. E me apaixono por tudo, mas não descubro como me fazer funcionar no mundo."

É divertido, consegue expor a relação que se constrói entre as duas de forma delicada, com seus altos e baixos, uma afinidade e uma admiração bonita de se ver. Também por colocar traços de personalidades interessantes, que atrai e conquista. Brooke é encantadora e é muito fácil gostar dela, cria-se uma identificação. 
Vale salientar a maravilhosa trilha sonora que compõe perfeitamente com a ambientação e narrativa, com canções originais da dupla Dean & Britta com um quê de anos 80/90, destaque para "No More Lonely Nights", de Paul McCartney, "Dream Baby Dream", de Suicide, "All That She Wants", de Ace of Base e "Souvenir", de Orchestral Manoeuvres In The Dark. 

"Ela era o último caubói, uma romântica fracassada. O mundo mudava e pessoas como ela não teriam para onde ir. Ser uma luz de esperança para os outros é um trabalho solitário."

"Mistress America" é um filme delicioso, com diálogos inteligentes e certeiros, além de atuações cativantes, o tema nunca se esgotará, pois o processo de amadurecimento é constante, não há prazos estipulados, a vida é ampla e somos passíveis de mudanças. O jeito é aprender a lidar com fracassos e ter consciência de que estar perdido no mundo, apesar de desconfortante, é absolutamente normal. 

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Xenia (Ξενία)

"Xenia" (2014) dirigido pelo grego Panos H. Koutras (Strella - 2009) é um filme alegre mesmo tratando de assuntos sérios, o título Xenia é um termo usado para estrangeiros, que significa hospitalidade e respeito, um nome comumente dado a hotéis, no filme os personagens se alojam em um completamente despedaçado, uma comparação com a situação mais que atual no país em relação aos imigrantes. Os irmãos Danny (Kostas Nikouli) de 16 anos e Odysseas (Nikos Gelia) de 18 anos foram abandonados pelo pai e criados por uma mãe viciada e completamente alheia, os dois colecionam traumas e sentem na pele o que é ser estrangeiros em sua própria terra, já que são filhos de uma mãe albanesa, cujo preconceito contra estes é gigantesco. Depois que a mãe morre, Danny vai à capital se encontrar com Ody a fim de procurar o pai para que reconheçam eles como filhos e garantir a cidadania grega evitando conflitos para o futuro e para acertar a situação financeira, nessa jornada enfrentarão obstáculos e reforçarão o laço afetivo. 
Danny é gay assumidíssimo, seu comportamento é infantil e revela muita carência, mantém um coelhinho de estimação, está sempre a fantasiar e representa a imaturidade. Ody já é responsável, trabalhador e independente, porém guarda o sonho de ser cantor, e quando Danny aparece esse sonho se reacende e então ele vai em busca participando de um concurso de talentos, os dois são fãs da diva italiana Patty Pravo, influência da mãe que também adorava cantar, o filme é recheado de suas canções, e Ody interpreta uma de suas canções na audição. Uma belíssima cena!
"Xenia" é um aglomerado de tragédias, os personagens carregam diversos traumas e dificuldades, além do teor fantasioso e momentos inverossímeis. Há uma grande tensão homoerótica, pois eles demonstram intimidade em várias cenas, Ody é um homem bonito e atrai o olhar de Danny, mas o filme apenas insinua e vemos mais a amizade entre irmãos se construindo. O filme tem uma aura queer, subversiva, mas por outro lado também clichê, explora muitos assuntos e acaba se tornando confuso, há um desarranjo, talvez a ideia seja essa mesma, sendo assim o diretor foi corajoso ao utilizar o exagero.
A composição do personagem Danny é extremamente interessante, ele irrita com seus descontroles, mas é um adolescente cheio de conflitos, vulnerável e carente. Kostas Nikouli explorou todas a nuances de Danny e passa ao espectador todo o drama e a originalidade, a impulsividade é uma de suas características mais marcantes. 

A busca pelo pai garante a Danny e Ody várias descobertas, no caminho encontram pessoas que o ajudam, como Tassos, amigo da mãe dos garotos, que incentiva Ody a participar do programa de talentos. O filme possui cenas super agradáveis, quando dançam e cantam, principalmente. A explosão de cores que compõe a estética do filme é outro ponto forte e que traduz essa aura de confusão. A trilha sonora é bastante peculiar, as canções italianas são em grande maioria de Patty Pravo, como "Bambola", "Sentimento" e "Tutt'al Piu", cuja Ody com sua bela voz interpreta no programa, "Rumore", de Raffaela Carra é outra música que os irmãos adoram, até fazem a exata coreografia. 

"Xenia" aborda diversos assuntos, mas não se aprofunda, por exemplo, o preconceito em relação aos imigrantes, a Grécia tem uma forte repulsa e é um dos países mais intolerantes, porém o filme prefere mostrar as coisas por um viés de otimismo e que tudo depende da forma como se conduz os sofrimentos que inevitavelmente acontecem. A busca pelos sonhos traz a autodescoberta aos personagens e uma liberdade aconchegante, mesmo com a dura realidade, a tristeza e as fragilidades que os acometem.
É um filme exagerado, divertido, melodramático, tem estilo ousado, mescla fantasia, aventura, musical, drama, e ainda coloca crítica social em sua narrativa louca, é um filme aberto a várias leituras.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

A Espera (L'Attesa)

"A Espera" (2015) dirigido por Piero Messina é um filme denso que retrata a dor do luto e as consequências que o sofrimento traz à vida de quem o vivencia. Na trama acompanhamos a chegada da jovem Jeanne (Lou de Laâge) a um casarão no interior da região da Sicília, onde mora seu namorado Giuseppe, mas ao chegar se depara com uma reunião de luto e Anna (Juliette Binoche), a mãe de seu amado. A garota fica angustiada por não saber o que está acontecendo e por não saber como se comportar diante essa situação. Jeanne sai da França e chega a Itália para encontrar seu namorado, mas ela não o vê quando chega, e logo Anna diz que seu filho precisou resolver uns problemas e que retornará na Páscoa. Conforme os dias passam as duas vão criando um laço afetivo até que tudo seja esclarecido e os segredos sejam revelados.
Juliette Binoche é sublime, a sua sensibilidade, olhares e expressões, essa mulher é perfeita em todo e qualquer personagem. Lou de Laâge mescla inocência e sensualidade e nos envolve nessa aura. Jeanne dá a Anna a possibilidade de ter seu filho mais um pouco, saber mais dele, do relacionamento, então por meio de uma mentira ela vai se alimentando dia após dia da esperança de Jeanne em rever seu amor no dia de Páscoa.
"A Espera" é um filme contemplativo, são longos planos silenciosos que transmitem inúmeros sentimentos, causa angústia, raiva e tristeza o ato impensado de Anna, mas conforme o desenrolar compreendemos a sua dor, o seu vazio. Ela deseja ter Jeanne por perto e cada vez mais enreda a menina em suas mentiras, a convivência não é fácil, Anna é misteriosa e confunde Jeanne por seu comportamento estranho. Jeanne tem uma leveza, uma liberdade de ser, muitas vezes a câmera capta ela refletindo colocando em evidência a sua beleza. O importante é ter a delicadeza e a paciência de saber perceber cada coisa que acontece na história, principalmente para aquilo que não se diz. São nuances repletas de significados.
A paisagem, o casarão, os planos, tudo contribui para a sensação de isolamento e melancolia, a fotografia belíssima acentua o sentimento de dor e silêncio. É um filme em que a dor desoladora é explorada ao máximo, não tem como ficar indiferente, os closes nos rostos das personagens são constantes, é poético, profundo e cheio de metáforas.

A trilha sonora também é ponto de destaque e intensifica todas as sensações que o filme causa, em uma das cenas Jeanne dança ao lado de dois desconhecidos ao som de "Waiting for the Miracle", de Leonard Cohen, dentro da casa de Anna, ela revela uma outra face, mais sensual e extrovertida, diferente de quando chegou. 
"A Espera" revela aos poucos as facetas de suas personagens, e mesmo assim não por inteiro, é um filme de camadas que expõe a dor do luto, o vazio aterrador, a desesperança, a necessidade de apego, vulnerabilidades e desejos, carências e estranhezas, uma fase dolorida mas extremamente transformadora.