Páginas

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Banhos (Xizao)

"Banhos" (1999) de Zhang Yang (Indo para Casa - 2007) é um filme extremamente belo que retrata valores dos quais estão se perdendo, como o contato e o amor pelo próximo.
Numa antiga e tradicional casa de banhos, um homem simples e seu filho deficiente mental passam os dias a atender seus clientes que relaxam em banhos quentes, massagens e afins, num ambiente harmonioso e amistoso. Lá, os homens em sua maioria mais velhos jogam conversa fora, desabafam, e acontece até a tal luta de grilos. Da Ming, o outro filho do senhor da casa de banhos retorna para verificar se o pai está bem, pois recebeu um desenho estranho de seu irmão, Da Ming não gosta da maneira como vivem e ainda nutre preconceito por seu irmão deficiente. Ele é completamente diferente, possui outros valores, dos quais não cabem naquele lugar, mas aos poucos vai percebendo a importância de tudo aquilo para seu pai.
Fica claro que Da Ming só apareceu lá porque achou que seu pai tinha morrido, e isso entristece Mestre Liu, que a princípio se mantém distanciado do filho, e este distanciado do que acontece no local, para ele que vive em ritmo acelerado, os banhos que parecem nunca terminar é algo incompreensível. O irmão deficiente Er Ming é um personagem que nos fisga pela sua simpatia, apego emocional com o pai, e habilidade em lidar com a casa de banhos. Vemos sua simplicidade e compaixão pelas pessoas, e algumas cenas se destacam, como quando ele fascinado observa um jovem tímido cantando ópera no chuveiro enquanto o restante não o tolera, ou suas corridas com o pai ao fim do expediente.
Da Ming com o passar dos dias contempla essa rotina e começa a se envolver com o pai e o irmão, ele vai aceitando e por conseguinte não sente mais vergonha. Gostando de permanecer do lado de sua família, ele acaba por adiar a sua partida, ainda mais quando seu pai adoece e fica responsável por ajudar na casa de banhos. Ao assumir o lugar do pai redescobre suas origens e resgata valores. 

O prédio se situa em uma região que irá ser construído um shopping e não demorará para tudo ali ser demolido, mas mestre Liu morre antes. Da Ming permanece no local até o fim, ele vacila em alguns momentos e chega até a deixar seu irmão num local especializado em doentes mentais, mas se arrepende e o busca para morar junto de si, só que ele não disse para a esposa sobre sua existência, o que complica seu relacionamento, ao falar no telefone sobre o assunto, ela simplesmente desliga. Portanto, Da Ming estreita mais a sua relação com Er Ming e percebe o amor verdadeiro.

Há cenas memoráveis, sutis, e até inocentes, Er Ming nos ensina que a simplicidade é o maior valor que o ser humano pode ter, sua generosidade em relação ao jovem cantor de chuveiro emociona.
Vivemos na era do individualismo, onde não há espaço para gentilezas, julgamos o que é diferente por falta de compreensão e por consequência excluímos, todos têm suas certezas absolutas e por isso deixam de aprender a ter olhares diversos. Em "Banhos" vemos a tradição versus modernidade, mas também o como é importante manter laços, seja familiares, ou de amizade. 

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Pássaro Branco na Nevasca (White Bird in a Blizzard)

"Pássaro Branco na Nevasca" dirigido por Gregg Araki (Mistérios da Carne - 2004) é um drama/suspense excelente, curioso, intrigante e surpreendente.
No final dos anos 80, Eve Connors (Eva Green), mãe de Katrina (Shailene Woodley) abandona a família, deixando todos em estado de choque. Kat e seu pai, Brock (Christopher Meloni) tentam colocar a vida em dia, mas logo a jovem começa a ter sonhos perturbadores. Aos poucos, ela irá perceber que há uma verdade terrível por trás do desaparecimento da mãe.
Kat é uma adolescente que tem sua vida alterada quando sua mãe some repentinamente, a garota crê que ela fugiu com um amante, pois seu pai é visto como um banana, e sua mãe era infeliz e insatisfeita com a vidinha de dona de casa. Kat ao receber a notícia não se abate, a relação entre as duas era bem difícil, mas mesmo assim vai à polícia. O roteiro é extremamente elaborado, nos prende do início ao fim, e por mais que algumas pistas apareçam, nada é o que aparenta ser. O mistério vai ganhando contornos cada vez mais estranhos e dramáticos. Essa mistura dá ao longa um ar completamente original e satisfaz o espectador.
A evolução da personagem Kat é natural e vamos seguindo com ela ao visualizar seus familiares de maneira diferente daquela do começo, seu pai aparentemente um homem sem muitas qualidades e sua mãe uma louca, mas graças aos flashbacks compreendemos melhor a história. A figura da mãe atormenta Kat e constantemente sonha com ela, quando vai para a faculdade ficando assim distante do pai e de todo o ambiente que a cercava começa a pensar mais nas coisas que se passaram, retornando para casa vê de forma diferente seu pai, principalmente depois de escutar seus amigos sobre alguns fatos que antes não conseguia absorver. O clique se dá quando o detetive que investiga o caso e do qual ela mantém uma relação casual lhe diz o que realmente acha sobre o desaparecimento de sua mãe.
As reviravoltas são muitas e nos enganam por diversas vezes, a figura do pai é uma incógnita e mesmo que as pistas revelem parte do ocorrido, ainda há surpresas.

Shailene Woodley (Os Descendentes - 2011) faz uma personagem que amadurece, que deixa de lado algumas certezas sobre seus pais e que em certo momento começa a enxergá-los de outra forma, em certas cenas a expressão da garota demonstra uma decepção tão grande e uma dor da qual só o tempo será capaz de apagar.
Eva Green fantástica, como sempre, faz uma mãe que não se satisfaz mais com o casamento e que nutre asco pelo próprio marido, o que nos faz crer que realmente ela abandonou o lar, só que relações nunca são tão fáceis e apontar o certo e o errado é cair numa armadilha certamente, entre duas pessoas pessoas há muitos segredos.Toda vez que Eva aparece em cena é incrível, suas feições dão um show.

"Pássaro Branco na Nevasca" é o tipo de filme que quanto menos souber melhor, é bem diferenciado, o modo como o roteiro foi construído, a bela trilha sonora e sua fotografia de encher os olhos só faz ressaltar a ousadia do diretor. A mescla de drama e suspense funcionou brilhantemente, nos intriga e emociona, além de carregar uma crítica sobre o papel de cada um dentro de uma família. 

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Minha Vida Sem Mim (My Life Without Me)

"Minha Vida Sem Mim" (2003) dirigido por Isabel Coixet (A Vida Secreta das Palavras - 2005) é um filme comovente do qual retrata um assunto pesado de maneira sutil.
Ann (Sarah Polley) é uma batalhadora jovem de 23 anos, que foi precoce em tudo na vida, especialmente na constituição de sua família. Foi mãe aos 17 anos, e novamente aos 19, e vive com o sossegado marido Don (Scott Speedman) e as encantadoras filhinhas em um trailer no quintal da casa de sua perturbada mãe (Debbie Harry). Trabalha à noite como faxineira em uma Universidade e, embora seja bastante reservada, tem como melhor amiga uma paranoica companheira de trabalho, Laurie (Amanda Plummer).
Isabel Coixet é uma diretora cujo olhar se volta para os acontecimentos da vida, em seus filmes o foco sempre está nas relações e apesar de alguns assuntos serem difíceis, ela torna tudo muito agradável para quem o assiste. Há uma boa dose de sensibilidade em "Minha Vida Sem Mim", acompanhamos Ann, uma moça que sentiu o gosto da responsabilidade muito cedo, com duas filhas e um marido doce, mas não muito adulto, tem que se virar para poder sobreviver, trabalha limpando uma faculdade à noite e não tem absolutamente tempo para mais nada. 
O filme envolve pela linda narração em off da protagonista que em diversos momentos nos fisga pela grande carga emotiva. O fato é que depois de descobrir que está com um câncer intratável decide fazer uma lista de desejos, e é aí que o filme se desenvolve. Pode parecer clichê, mas não é! A delicadeza da personagem, a maneira como as coisas vão acontecendo dá ao filme um aspecto único. Ann não fez muito da vida e conheceu apenas um homem, seu marido. Dentre os desejos da lista está fazer alguém se apaixonar por ela, não demora para que se envolva com Lee (Mark Ruffalo), um homem triste que foi deixado pela mulher, ele é romântico, introspectivo e sua solidão chega a ser visível, pois sua casa é completamente vazia, há apenas livros. Lee se apaixona por Ann, que descobre um outro tipo de amor. Mesmo que ele não saiba muito sobre sua vida, sente algo muito forte, em dado momento Lee diz: "Quando você olha para uma pessoa, pode ver 50% de quem ela é. E querer saber o resto é o que estraga o mundo."
Observamos Ann e a compreendemos ao não querer contar que está doente, todos ao seu redor percebem seu aspecto, mas ela diz que está com anemia e que suas idas ao hospital consiste em tomar vitaminas, ela vai seguindo assim, com um segredo e uma lista de desejos. Uma das cenas mais bonitas é quando começa a gravar mensagens de aniversário para suas filhas até os dezoito anos, nesse momento as lágrimas são inevitáveis. Outro personagem bem interessante é a mãe de Ann, uma mulher claramente insatisfeita com a vida, e que mesmo tendo ainda beleza e vitalidade, prefere desperdiçar reclamando. Ann também deixa uma mensagem para ela, seu marido e Lee.

Ao longo do filme muitos dos pensamentos de Ann são expostos, realmente ela começa a ver e a se portar diferente depois da descoberta da doença, em um momento ao fazer compras no mercado percebe que ninguém ali está preocupado, no mercado ninguém pensa em morte, além de que compram porcarias que vão matar suas famílias, mesmo que aos poucos, e sabendo disso continuam comprando. Em outra ocasião ela narra que não há tempo para pensar porque diante a vida que leva em que se resume a cuidar das filhas, marido e trabalhar não existe pausa para a reflexão. "Pensar. Você não está acostumada a pensar, quando todas essas coisas acontecem a todo tempo e você nunca tem tempo pra pensar. Talvez esteja tão sem prática que esqueceu como se pensa."
O filme já no início nos presenteia com uma reflexão de arrepiar: "Esta é você, na chuva. Nunca pensou que fosse fazer algo assim. Você nunca se viu como - não sei como descreveria - como uma dessas pessoas que gostam de olhar a lua ou que passam horas contemplando as ondas ou o pôr-do-sol. Deve saber que tipo de pessoas estou falando. Talvez não saiba. Seja como for, você gosta de ficar assim: lutando contra o frio, sentindo a água penetrar na sua camisa e a sensação do chão ficando fofo debaixo dos seus pés e do cheiro. Do som dá água batendo nas folhas e todas as coisas que estão nos livros que você não leu. Essa é você. Quem teria imaginado? Você."

O filme nos faz refletir sobre o que diríamos ou faríamos se fosse conosco, a decisão de Ann em não contar por não querer sofrimento antes de sua partida é acertada mesmo que difícil, ela pensou nos seus familiares, na dor que causaria a eles, em nenhum momento ela se desespera, claro fica triste e com medo, mas não é egoísta, ela deixa com que todos ao seu redor veja como os ama e vai preparando o depois, seja com as fitas, ou tentando deixar lembranças boas. Ter os últimos momentos em um hospital é inconcebível, por isso vai vivendo se dedicando as filhas, incentivando o marido, e até pensa em deixar alguém já em seu lugar para cuidar deles, então se aproxima da vizinha e fica sonhando que ela poderia ocupar o seu lugar, a convida para jantar e ali deitada debilitada fica imaginando sua vida depois que for. 
"Minha Vida Sem Mim" é um filme de essência, reflexivo e que apesar de ser um assunto muito aflitivo, consegue ter delicadeza.

"Eu rezo para que essa seja a minha vida sem mim. Você reza para que seu amor acabe amando outra mulher e procure aproveitar a vida um pouco, só um pouquinho, seria divertido. Para que procure gostar mais das coisas. Você reza para que tenha momentos de felicidade tão intensa que faça todos os problemas parecerem insignificantes. Você não sabe para quem está rezando, mas reza. Você nem sequer lamenta a vida que não vai ter porque você já estará morta e os mortos não sentem nada e nem lamentam."

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Minha Pequena Princesa (My Little Princess)

"My Little Princess" (2011) aborda um assunto complexo e faz um recorte interessante sobre um caso bem polêmico, a história de Eva Ionesco, que quando ainda muito criança foi a grande estrela de sua mãe, que a fotografava nua e em poses insinuantes. A direção do filme é da própria Eva.
Irina, mãe de Eva se apaixona por fotografia e em sua excentricidade se foca no erotismo, mulheres nuas em ambientes obscuros ao lado de objetos, como caveiras, crucifixos e afins, mas o ensaio mais famoso de sua carreira é o de sua filha, "Eloge de ma Fille" do qual retratou Eva em poses completamente provocantes, isso começou quando ainda tinha cinco anos. As fotos em que Eva aparece nua tem sido alvo de discussões desde que apareceu pela primeira vez em 1970, os tempos eram outros e a liberdade da sexualidade estava muito em voga, porém nem tudo que se diz arte o é de fato. Eva até gostava de posar e é possível ver em seu semblante sempre sério e marcante. Ela também foi modelo de outros fotógrafos, como Jacques Bourboulon, sendo a mais jovem mulher a posar na revista Playboy. Em sua carreira também atuou em filmes, como "O Inquilino", de Roman Polanski, mas talvez seu mais perturbador trabalho no cinema seja em "Maladolescenza" (1977), cujo roteiro se foca nas descobertas sexuais de um casal de adolescentes em um local paradisíaco. Considerado pornografia infantil, o filme chegou a ser proibido em diversos países. Irina acabou perdendo a guarda de Eva, tempos depois esta viria a processar a própria mãe, o filme "My Little Princess" é um acerto de contas, uma maneira de colocar pra fora toda essa angústia vivida por Eva, que alega ter sido vítima de pedofilia.
No filme a atriz Anamaria Vartolomei é Violetta, e tem aproximadamente 10 anos na história, no início vemos o quão ausente sua mãe era, apenas a visitando esporadicamente deixando aos cuidados de sua bisavó, mas ao ganhar uma máquina fotográfica de um dos seus amantes decide fotografar a menina, a ensina caras e bocas, poses e isso a agrada de certa forma, parece uma brincadeira, as duas se aproximam, mas Hannah, vivida pela sempre incrível atriz Isabelle Huppert, se torna obsessiva, principalmente quando começa a ganhar muito dinheiro com as fotos. Ela justifica que o que está fazendo é arte. Conforme o tempo passa a menina sofre, na escola todos a chamam de puta, além de que usa roupas e maquiagem que nada tem a ver com sua idade. A mãe é arrogante e percebe que ali satisfaz suas necessidades, ganhar dinheiro e prestígio dentro do universo artístico, sua excentricidade conquista muitos intelectuais, pois seu discurso de que o que faz é arte é deveras muito sedutor.

Uma história chocante, pertinente e que vale a pena assistir para tirar várias conclusões sobre o que pode de fato ser chamado de arte, e principalmente ao expor que nem sempre uma mãe sabe o que é melhor para seu filho.
O filme conta com uma fotografia espetacular, cores intensas e obscuras, e um figurino de cair o queixo. Hannah é estranha, histérica e cada vez mais afunda sua filha num universo adulto, por muitas vezes a menina sente falta de brincar com outras crianças, mas estas já não se interessam por ela e ainda a insultam por sempre estar vestida de maneira escandalosa. As cenas exploram o como sua personalidade estava sendo moldada e a sua inocência sendo arrancada da maneira mais pérfida. A atriz mirim romena Anamaria Vartolomei está esplêndida, sua evolução na história é natural e sofremos junto com ela pela perda de sua identidade.

Dentro dessa temática é bom ressaltar que muitos pais levam seus filhos em agências para trabalhar na TV, ser um astro mirim, e este acaba sendo a grande fonte de renda na casa, uma responsabilidade é adquirida muito cedo e as influências externas acabam moldando sua personalidade, a arrogância e a prepotência tomam conta desta criança, e mais tarde ela sentirá as consequências, por isso os pais precisam saber dosar e deixar que elas escolham, castrar a liberdade de uma criança é provocar uma dor para vida toda.

Eva Ionesco
"My Little Princess" é um bom filme, desperta curiosidade e conhecemos um pouco mais sobre essa polêmica história sob o olhar da própria Eva. As fotos originais impressionam com o caráter totalmente erótico, expressões e posturas de uma mulher em um corpo de criança, a adultização é clara.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O Ato de Matar (The Act of Killing)

"Quem realiza sonhos a qualquer custo deveria apenas tê-los quando dorme. Pois alguns destes sonhos foram os maiores genocídios da humanidade."

"O Ato de Matar" (2012) é um documentário dirigido por Joshua Oppenheimer, e se há algum adjetivo que o classifique é aterrorizante, conforme a história vai sendo revelada ficamos boquiabertos com tanta maldade sendo exaltada.
A obra traz a entrevista com o líder paramilitar Anwar Congo e seus comparsas, incluindo o dono de um jornal, todos assassinos confessos vivendo livremente na Indonésia, orgulhosos de todos os seus crimes. Os diretores convencem Congo e sua gangue, que chegaram ao poder após o golpe militar de 1965, a encenar suas táticas de tortura e matança, como se fosse um filme de verdade, incluindo figurinos e efeitos especiais.
Em 1965, na Indonésia, Anwar e seu esquadrão da morte iam atrás de pessoas consideradas comunistas, líderes sindicais, artistas e opositores do regime indonésio, as técnicas que eles usavam para aniquilar o máximo de pessoas possível nos são mostradas neste filme chocante. Anwar é um homem adorado, seu jeito calmo esconde coisas terríveis, a frieza acompanha esse ser humano que não demonstra arrependimento, só em algumas cenas ele diz que tem pesadelos, mas nada que mude o orgulho que sente de si mesmo. A palavra gângster é usada constantemente, pois assim é que designavam-se. Ao lado de seus colegas Anwar vai reconstruindo episódios chocantes, atos cruéis, como a técnica em que ele enforca com arame, ou esmaga a garganta com o pé da mesa, enquanto isso é mostrado vemos gargalhadas, imponência e apreço pelo que estão fazendo. Num dos momentos mais angustiantes, reconstroem a cena em que um vilarejo é queimado, onde todos os habitantes morrem, as memórias são reavivadas e podemos ver o horror nos olhos daquelas pessoas que se ofereceram como voluntárias, crianças chorando sem parar, um clima pesado paira no ar. Paralelamente vemos jovens seguindo o caminho totalitário sob a denominação Juventude Pancasila. 

"O Ato de Matar" é um documentário difícil de se assistir, por várias vezes parece inacreditável a brutalidade sendo retratada com tanta facilidade. O diferencial deste filme está em mostrar personagens reais, assassinos que continuam impunes, vivendo como heróis. Sem dúvida o diretor teve muita coragem ao decidir retratar o genocídio indonésio, e os protagonistas ao aceitarem expor seus rostos contando coisas horríveis, demonstrá-las só ressalta o quão orgulhosos são de si, porém numa das cenas finais Anwar ao assistir uma de suas encenações diz: "As pessoas que eu torturei se sentiram como eu me senti nessa cena?", e chora. Uma ponta de humanidade é revelada aí, mas não é o suficiente para nos convencer, a frieza e a maldade nunca foi tão presente em um filme.

Totalmente rodado na Indonésia, na cidade de Medan, "Ato De Matar" carrega uma narrativa perturbadora e provocativa ao exibir pessoas que cometeram crimes em situações líricas, como a cena das dançarinas, alguns trechos se repetem e a duração é um pouco excessiva, mas com certeza conseguiu atingir seu objetivo, mostrar a crueldade personificada.
Há uma continuação chamada "Look of Silence" (2014). Neste uma família que sobreviveu ao genocídio na Indonésia confronta os homens que mataram um de seus irmãos.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Blind

"O que é real não é importante, contanto que eu consiga visualizá-lo."

Eskil Vogt é um roteirista de mão cheia, vide seu ótimo trabalho "Oslo, 31 de Agosto" (2011), a sua estreia como diretor só ressalta seu talento em criar narrativas.
"Blind" (2014) é um filme que envolve e mergulha fundo na personagem, a linha entre realidade e imaginação é extremamente tênue e por muitos momentos ficamos em dúvida, isso se dá porque Ingrid (Ellen Dorrit Petersen) é escritora e devido a sua nova condição não tem vontade de sair de casa, ela segue os dias refletindo e imaginando situações. Ingrid perdeu a visão e tenta se adaptar, no início assim como ela tentamos entender esse novo mundo que se apresenta, ela busca lembrar de coisas que tenha visto bastante, lugares a que tenha ido com frequência, refaz essas imagens na cabeça, a lembrança é uma grande aliada, mas mesmo assim detalhes fogem e por conseguinte tropeços são inevitáveis.
Ingrid tem receio de sair pelas ruas e imagina diversas situações das quais mais tem medo, como atravessar a rua. A descrição que faz sobre estar cega é impressionante, ela passa a viver um outro mundo, não mais o vê, apenas o imagina. Ingrid mora com o marido Morten (Henrik Rafaelsen), fantasias a respeito com quem ele se encontra ou dele estar perto dela a observando é constante. Ao exercitar sua escrita concebe dois personagens, Elin (Vera Vitali), uma mulher triste, sozinha e que sofre pela ausência do filho, pois o ex-marido o puxa cada vez mais para ele, e Einar (Marius Kolbenstvedt), também solitário e viciado em pornografia, ele se apaixona por Elin, mas não consegue a aproximação. Ingrid vai tecendo histórias envolvendo esses personagens, e coloca seu marido em diversas ocasiões também, como criar um encontro entre ele e Elin. O desenvolvimento do longa é leve e tudo se entrelaça no final, Ingrid confunde-se com seus personagens, o que simboliza seu estado de espírito, a metalinguagem nessa parte atinge seu ponto máximo.

Interessante observar que a auto-estima de Ingrid vai caindo, ela acha que o marido tem pena, e não tem vontade de fazer sexo com uma "invalida". Cenas em que imagina ele a observando a invadem, a insegurança é muito bem trabalhada e seguimos junto com a personagem neste novo mundo que veio a ela tão bruscamente.
Realidade e imaginação se misturam com muita beleza nos revelando solidão e medo. Há momentos que fica difícil definir se algumas coisas são fragmentos do que aconteceu, ou somente são fantasias criadas. Em termos de narrativa esse filme apresenta uma criatividade absurda sem deixar a sensibilidade de lado. Recomeços são complicados, somos tão limitados e perder a visão é terrivelmente assustador.
"Blind" chega bem perto da realidade ao retratar a perda da visão e dos sentimentos que causam, o impacto da escuridão, a insegurança, o medo, a adequação, uma complexidade enorme acomete, pois exige-se muito esforço psicológico. Percebe-se e sente-se tudo de outra maneira.

A visão nos permite distinguir belezas, cores, formas, porém acaba por ser tornar limitada, enxergamos somente o que nos convém, perde-se detalhes e pontos de vista. A cegueira desperta outros sentidos, a audição e o tato ganham valor extremo e as percepções se tornam mais intensas. O valor que atribuímos aos nossos sentidos não equivale ao que nos proporcionam, pois tudo se volta somente para a razão nos distanciado da realidade que se faz invisível.
"Blind" oferece muitos sentimentos a quem o assiste, várias questões e nuances são apresentadas, além de ter uma atuação marcante de Ellen e uma trilha sonora que compõe perfeitamente com todo o contexto.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

O Jardim (Zahrada)

"Zahrada" (1995) produção eslovaca de Martin Sulík (Panorama - Krajinka - 2000) é um filme que passeia pela surrealidade e o transcendentalismo. Tudo começa quando Jakub (Roman Luknár) é expulso de casa pelo seu pai depois que ele é pego fazendo amor com uma mulher casada. Ele resolve sair da cidade e dar um tempo no campo. Na antiga casa de seu avô - mais exatamente no jardim. Lá, Jakub lentamente deixa a realidade para trás. Pessoas fora do comum o visitam e coisas estranhas começam a acontecer, algumas delas parecem milagres. Entretanto, Jakub descobre o verdadeiro amor com Helena (Zuzana Sulajová), que o ensina a apreciar os delicados mistérios da vida.
Muitos simbolismos são apresentados nesta obra naturalista que expõe as relações pessoais, os desejos, as escolhas, dentre tantas outras questões que afligem os seres humanos. Da forma mais leve possível acompanhamos o personagem Jakub em suas descobertas. A linguagem do filme é poética, se distancia das narrativas convencionais e é fácil ficar confuso, por vezes as situações são aleatórias, mas aos poucos entramos na aura do filme e percebemos que a delicada abordagem é para nos proporcionar sentimentos dos quais estão se extinguindo com o atual modo de vida.
Jakub é professor, mas há algum tempo deixou de lecionar, morando com o pai alfaiate se relaciona com uma mulher casada, após serem pegos resolve ir morar na antiga casa de seu avô, do qual possui um jardim com macieiras e ameixeiras, a casa está velha, mas é um lugar aconchegante que vai propiciando a Jakub experiências novas, lá ele conhece uma moça de atitudes estranhas, mas muito apaixonante por ser tão espontânea.

Está cada vez mais difícil viver em sociedade, há sempre muitos obstáculos, modos de se portar, regras a seguir, meios de se comunicar que a naturalidade de simplesmente ser o que se é fica impossível, além de que há muita competição e comparação, viver de acordo com o que brota dentro de seu ser é inviável, é preciso estar sempre a frente, saber e ter muito. Diante disso resta espaço para viver, essencialmente? Descobrir simplicidades, pequenas poesias, ouvir, aprender e ser gentil? Uma das coisas mais bonitas em Jakub é o seu olhar perante os outros, várias personagens aparecem em seu jardim em diversas situações e ele sempre escuta, pega para si e de certo modo vai se transformando. E assim, o amor por Helena vai crescendo e sua relação com o pai vai ganhando contornos interessantes, diferentes do início do filme.

"Zahrada" é filme para rever, é sensível e subjetivo. Filmes assim deviam ser mais conhecidos, mas infelizmente o que predomina é o mais do mesmo fazendo com que a grande maioria adquira um gosto padrão, e aí fica complicado aceitar algo com uma linguagem mais poética. Compartilho com carinho este filme e espero que muitas pessoas o consigam assistir para se inebriarem com tamanha beleza. O imenso jardim coberto de maçãs dificilmente será esquecido.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A Pedra de Paciência (Syngué Sabour, Pierre de Patience)

"Sobre uma pedra mágica e legendária: "Se encontrar esta pedra, ponha diante de ti, fale dos seus segredos, dos seus sofrimentos. A pedra te escuta. Tudo o que jamais contaria a outra pessoa, você conta à pedra. Você fala com ela, ela te escuta. E um dia, a pedra arrebenta, desfaz-se em pedacinhos. E nesse dia será livre, libertada de todas as suas dores."

"A Pedra de Paciência" do afegão Atiq Rahimi (Terras e Cinzas - 2005) é a adaptação de seu próprio livro homônimo. É uma obra delicada e intensa.
Um herói de guerra (Hamidreza Javdan) é abandonado por seus companheiros do Jihad e pela mãe e irmãos após levar um tiro no pescoço. Em estado vegetativo, ele fica sob os cuidados de sua esposa (Golshifteh Farahani) que vai, aos poucos, confessando seus segredos e impressões ao marido em coma, fazendo dele sua pedra de paciência e seu caminho para uma nova vida.
O ambiente em que essa personagem vive é marcado por violência, repressão e sofrimento, à beira da miséria ela segue os dias cuidando de seu marido. O papel da mulher em sua cultura é algo realmente triste, não há direitos, oportunidades, e tudo é motivo para julgamentos. Os personagens não têm nomes e o filme é marcado pelos monólogos desta mulher. O ritmo da narrativa é envolvente, acompanhamos a trajetória rumo ao seu descobrimento e libertação.
Inabitável é o local que mora, há bombardeios, a água é insuficiente, o farmacêutico já não lhe vende mais remédios pela falta de dinheiro, além de que precisa alimentar suas filhas. Depois de ver seus vizinhos mortos desesperada sai em busca da única que pode lhe ajudar, ela encontra sua tia (Hassina Burgan) e acaba por permanecer no lugar, uma espécie de bordel, mas todos os dias retorna para cuidar de seu marido. Há momentos em que ela precisa escondê-lo, e numa invasão a casa diz ser prostituta para que não abusem dela, afinal esses homens que dizem lutar por uma causa em nome de Deus adoram jovens virgens e meninos órfãos, prostituas são consideradas impuras, e desse modo o homem cospe nela e vai embora, só que o moço que estava junto começa a ir frequentemente em sua casa e a pagar por seus serviços, ele tem problemas de fala e inesperadamente essa mulher se encanta.
Ao revelar sobre si ao marido começa a sentir algo como a liberdade, isso cresce quando a tia conta a história sobre a pedra de paciência. Ela faz de seu marido, a sua pedra. Um ser que nunca a conheceu e que nem no casamento esteve presente por causa da guerra. Aos poucos descobrimos verdades e situações de desespero que pediam uma saída.

No pequeno quarto, angústias, segredos e ressentimentos que foram guardados por tanto tempo são expostos àquele moribundo. Confissões surpreendentes e libertadoras. Bela interpretação de Golshifte Farahani, delicada, expressiva e que se liberta através da fala. O filme é uma crítica/denúncia à opressão que as mulheres muçulmanas são submetidas, mas não deixa de ter seu caráter universal.
Essa realidade é distante de nós e absurda aos nossos olhos, a mulher é vista como um ser inferior, são proibidas de trabalhar, estudar, andar sozinhas, cobrem o corpo e o rosto com a burca em razão da modéstia, a voz é silenciada. Existem muitos casos de viúvas que se tornam pedintes e outros que por suposições são presas, açoitadas ou mortas. Esse retrato terrível também pode ser visto no dilacerante filme "Osama".

Esteticamente perfeito "A Pedra de Paciência" é um filme bonito, elegante, porém carregado e triste. É importante para que cada vez mais se evidencie e discuta sobre o tema, e as mulheres que sofrem qualquer tipo de repressão possam ganhar voz e dar asas a sua natureza.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Dead Man's Bones (Banda)

"Dead Man's Bones" é o tipo de banda que não se enquadra em nenhum tipo de gênero, é surpreendentemente original, completamente macabra e ao mesmo tempo contagiante, a melhor definição que encontrei é a "Ghost Rock", aliás me indiquem se conhecerem mais alguma coisa que se enquadra nesta categoria. Elementos de terror são incluídos, as letras assustadoras, como "Eu vi algo sentado na sua cama, tocando na sua cabeça", "Você vai perder sua alma esta noite", "Bem-vindo a um lugar onde os pesadelos são a melhor parte de meu dia", ou "Eu me perdi no seu quintal de ossos, agora eu sonho numa cama de facas", são pequenos contos obscuros, mas que não perdem o encanto, as melodias por vezes lembram bandas antigas, a voz calma, e claro, a participação do coral infantil do Conservatório de Silverlake dá todo um ar de Halloween.
"Dead Man's Bones" é um projeto musical criado em 2005 pelos atores Ryan Gosling e Zach Shields, no início a ideia era para ser uma peça teatral, mas acabou não dando certo e então começaram a compor, nenhum dos dois tinha experiência musical, aprenderam a tocar e produziram algo com muito capricho e identidade. Em 2009 lançaram o álbum (até agora o único) que leva o nome da banda. Apesar das músicas terem um aspecto "dark", a beleza se faz presente. Infelizmente depois da divulgação e turnê realizada o projeto encerrou suas atividades, mas vale muito a pena conhecer, as músicas são viciantes.

É sabido que Ryan Gosling é um ator incrível e versátil, vide seus ótimos personagens em "The Notebook", "Half Nelson", "Lars and the Real Girl", "Blue Valentine", "Drive", "The Ides of March", "The Place Beyond the Pines", entre outros. O talento o acompanha e não teve medo de se arriscar na música, ele canta, toca guitarra e baixo, além do piano. Zack Shiels não é tão conhecido, mas o seu gosto pelo sobrenatural fez com que esta parceria desse muito certo. "Dead Man's Bones" é genial por não ser perfeita. É mórbida e divertida!

O álbum possui uma introdução fúnebre de 50 segundos e mais 11 faixas, "Dead Hearts" é triste e termina de forma assombrosa. "In The Room Where You Sleep" está na trilha sonora do filme "Invocação do Mal", essa é mais animada, porém como a música diz: "É melhor você correr", "Buried In Water" é uma das mais tenebrosas, "My Body's A Zombie For You" lembra música dos anos 50, super apaixonante. "Pa Pa Power" é a mais pop, "Young and Tragic" com apenas dois versos: "Eu queria que nós fossemos mágicos. Porque assim não seriamos tão jovens e trágicos" é cantada apenas pelo coral infantil, é emocionante. "Paper Ships", um rock suave, delicioso e sonhador, "Lose Your Soul" é a minha preferida, ritmo e voz em perfeita combinação, e apesar da sonoridade mais agitada, a letra não é muito animadora. "Werewolf Heart" tem uma citação belíssima na voz de uma mulher: "Somos carne e osso quando estamos todos sós, mas juntos eternamente, viveremos", em termos de musicalidade essa é demais, elementos fantásticos, terrificante. "Dead Man's Bones" tem um ritmo bem diferenciado, mescla momentos eufóricos com paradas estranhas. "Você deveria saber, que o mundo foi construído em cima de ossos", e por fim "Flowers Grow Out Of My Grave", bem interessante, ela parece um ensaio. "Quando eu penso em você, flores crescem fora da minha sepultura."
Há o single de divulgação "Name in Stone" que não está incluída no álbum, e a única talvez que tenha um clipe oficial, onde a banda está num cemitério. 
Todas as músicas são ótimas e viciantes, a aura de terror predomina em todas, mas sem perder uma certa delicadeza. Vale a pena vasculhar no Youtube ou fazer o download do álbum.