"Virgem Juramentada" (2015) dirigido pela estreante Laura Bispuri traz à tona um tema interessante e curioso, estrelado magistralmente pela italiana Alba Rohrwacher (Corações Famintos - 2014), acompanhamos uma história calcada numa tradição albanesa que de acordo com as regras do Kanun - um código de conduta que foi passado verbalmente entre os clãs do norte da Albânia durante mais de cinco séculos - a personagem promete a virgindade eterna e se transforma num homem para garantir mais direitos e mais liberdade em sua aldeia. Só que anos mais tarde confusa com a sua sexualidade decide partir para Milão e se lançar às redescobertas de si mesma.
Hana é uma órfã que foi encontrada e adotada por uma família nas montanhas albanesas, ao crescer ela sente a rigidez desses códigos patriarcais, não se encaixa no contexto e deseja ter mais liberdade, então para poder caçar, beber, fumar, conversar em público, coisas consideradas masculinas toma a decisão de se tornar uma burnesha, diante de alguns homens mais velhos acontece o ritual, Hana corta seus cabelos, coloca suas vestes masculinas, recebe seu rifle e se batiza de Mark. Ela vive mais de 10 anos em plena solidão nas montanhas, rejeitando toda forma de amor. Mas algo ainda irá despertar sua vontade de mudar de vida.
Pode parecer absurdo, mas foi uma necessidade social, a localidade foi assolada pela guerra e muitas mulheres tiveram que tomar a frente para sobreviver e como elas não tinham direito algum recorriam ao Kanun, em outros casos para não serem obrigadas a se casarem escolhiam essa alternativa, que se trata de um conjunto de códigos determinados e que nada tem a ver com religião.
A trama começa de fato quando Hana vai embora e se encontra com Lila (Flonja Kodheli), sua irmã, que fugiu para se casar com o homem que amava, o encontro se dá de maneira silenciosa e a protagonista vai ganhando profundidade à medida que a descobrimos, o desenvolvimento do filme ajuda neste ponto, pois se alterna entre presente e passado vagarosamente, colocando em evidência os contrastes entre o mundo moderno e o arcaico. A interpretação de Alba é melancólica e silenciosa, sua postura corporal arqueada traduz seu deslocamento, está magnífica em cena e tem o poder de nos fazer imergir em seu drama.
A chegada de Hana/Mark à casa da irmã não é bem vista por Jonida (Emily Ferratello), a filha adolescente, que é totalmente solta em dizer o que pensa e confrontar os pais, eles dizem que Mark é um primo distante, mas a garota começa a questionar e é ela que a ajuda nesta jornada de descobertas sexuais, diariamente Hana acompanha Jonida aos treinos de nado sincronizado, o que a possibilita observar as variedades de corpos e se permitir a se olhar e a desejar. São momentos importantes para a desconstrução da personagem, a menina dá acesso para que Hana se abra para si e para o mundo.
"- Uma vez me disseram que somos mais livres do que pensamos.
- Livres de quê?
- Livres de sermos forçadas a fazer algo."
O filme é contemplativo, rico em detalhes e é neles que contém as maiores belezas, a redescoberta da protagonista é lenta e com a alternância de passado e presente compreendemos totalmente essa confusão vivida por Hana.
"Virgem Juramentada" é um filme interessante que traz questionamentos sobre gêneros, desconstrução e construção de identidade e evidencia uma tradição que está morrendo, hoje em dia existem cerca de 40 burneshas na Albânia.
Este código de conduta albanês, o Kanun, também é tema de outro bom filme chamado "Perdão de Sangue" (The Forgiveness of Blood).
ResponderExcluirÉ uma tradição bizarra, medieval.
Abraço
Muito curiosa esta tradição, não conhecia este filme que citou, mas vi que é do diretor Joshua Marston, que tem outros filmes com propostas interessantíssimas, o mais recente que vi dele foi "Complete Unknown".
ExcluirHá um outro filme muito interessante que também aborda tema semelhante: Virgina.
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